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Cultura afro-brasileira é celebrada hoje

publicado: 16/03/2023 14h21, última modificação: 16/03/2023 14h21
Representantes do movimento negro veem avanços, mas avaliam que o fim do preconceito ainda está longe
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- Foto: Fabiana Veloso

por Giovannia Brito

A data de hoje celebra no estado o dia da cultura afro-brasileira. A lei, instituída em 2009, mais do que um marco legal, é tida como um instrumento para manter viva e exaltar toda a vivência desembarcada no país com os povos negros vinda do continente africano, como a arte, expressões, o conjunto de saberes, a religião e outras identidades.

Desse modo, grupos de dança, religiosos e adeptos das práticas de descendência africana batalham para honrar e defender essa ancestralidade. O professor Ariosvalber de Souza Oliveira, especialista em História e cultura afro-brasileira, e integrante do movimento negro de Campina Grande, é convicto de alguns avanços, todavia, é convicto que o caminho a trilhar pela garantia de direitos, reconhecimento, ou pelo menos, o fim do preconceito perante a cultura originária da África, está longe de ser alcançado.

“Podemos perceber certos avanços, como o reconhecimento dos quilombos, embora, ainda, seja um desafio grande as políticas públicas em torno da sustentabilidade do desenvolvimento dos povos quilombolas. Percebo também certa evolução ao reconhecimento com a capoeira, bem como na literatura, no ensino da história da cultura afro-brasileira e outros campos”, ressaltou.

Porém, destaca que o desafio de aceitação e respeito, por exemplo, com as tradições religiosas, está distante de ser alcançado e requer empenho. “Tanto com o axé, umbanda, candomblé, catimbó... enfim, as suas múltiplas matizes afro-ameríndios ainda enfrentam um preconceito forte, muito cruel e violento contra os povos que cultuam as religiões”, analisou.
O professor apontou a ascensão de grupos extremistas e reacionários ocorrido nos últimos anos, provocando a intensificação de ataques e de manifestações de preconceitos e descriminação contra essas religiões. “Sem sombra de dúvidas ainda é uma longa jornada a luta pela cidadania e o direito de ser, o direito de reivindicar, de viver a nossa religião.

Lembrando que o Estado brasileiro ainda não tem, de fato, uma política pública de reconhecimento e valorização dos povos do axé. Isso é um direito inalienável, que existe para os cristãos e que deve existir para todas as religiões”.

Representação da ancestralidade na música

É nesse sentido de reverenciar a cultura, exaltar a música e trazer à tona os elementos que tocam o coração dos que cultuam a ancestralidade que o casal Yohana Passos e David Guedes tem desenvolvido um trabalho de notoriedade na dança, audiovisual e música. Os dois são graduandos da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), e juntos formam o Ilú Orion, cantando e criando sons a partir de ritmos regionais, mas tendo sempre como base e norte, a sonância afro. “A música negra sempre foi o meu norte, música negra de todo o mundo, mas ao adentrar o mundo da musica popular brasileira meu fascínio pelas sonoridades de origem afro-brasileira aumentou a um nível muito maior, desde temas instrumentais que vão do baião ao choro, os quais apresento cotidianamente como artista de rua, ao coco, samba-reggae, ciranda, xote e vários outros que estão presentes em nosso repertório de show, como canções de artistas que apreciamos, assim como em nossas composições autorais”, lembrou David. Para Virgínia, trabalhar com a cultura afro foi uma forma de voltar a ter contato com uma raiz ainda muito viva. “É o que sei fazer enquanto arte e o que me cativa enquanto ser humano, e é também o reconhecimento e a busca por uma identidade que me compõe e compõe de onde vim”. O intuito dos dois transcende o estar nos palcos para uma performance de corpos e de vozes. Os jovens mostram inquietude e persistência para, na terra do forró e pelo país afora, mostrar as ligações com a cultura afro. Para David, esse elo permanece forte e é vivenciado diariamente. “É o lugar que pertenço, não consigo me identificar fora dele e trabalho para evidenciar e enaltecer isso todos os dias, cada vez mais, não é folclore ou já passou, é vivo e está sendo feito nesse momento por pessoas jovens e também as mais velhas que levam esse ensinamento adiante como mestres da cultura”. Na visão de Yohana, a representação da ancestralidade está presente quando executados o coco ao funk, maracatu, o soul, nas tranças ao blackpower, no repente ao rap, “e do iorubá ao português brasileiro, que quando chegaram ao Brasil se ramificaram com outras tradições e plantaram uma semente negra, seja na língua, na comida, na religião, na dança ou na música”. A data de hoje, na visão dos integrantes do Ilú Orin, é extremamente necessária para que se possa abrir portas e disseminar conhecimento, diálogos, intercâmbios ou quaisquer atividades que dê acesso à população da sua própria cultura. “Muitos não sabem sequer da existência dessa data, dessa lei estadual, instituída em 2009. Nosso apelo é que não enxerguem a cultura afro-brasileira como passado, necessária de resgate, mas sim enxergando onde ela vive, como ela influência na nossa contemporaneidade e que é possível acompanhar a modernidade e ainda assim, reconhecer e referenciar seu enriquecimento histórico”, frisou Yohanna. David considera fundamental da visibilidade ao trabalho dos que se preocupam e se propõem a manter viva esse conjunto de costumes e saberes, e que propagam toda carga histórica e sociológica. “É necessário conhecer a história e a cultura de seu povo dando-lhe discernimento e pertencimento para lutar contra esse sistema de apagamento de identidade”

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 16 de março de 2023.