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O futuro está no vinil, e Júnior Cordeiro sabe disso

publicado: 20/04/2021 08h00, última modificação: 20/04/2021 18h25
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Depois de 15 anos de carreira, músico lança seu primeiro LP, ‘#CâmeraEco’

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Depois de 15 anos de carreira e seis CDs, Júnior Cordeiro viu que chegara a hora de ter um LP para chamar de seu. Um vinil mesmo, prensado pela Polydor em uma bolacha de 180 gramas, o que garante uma qualidade bastante superior aos discos que o mercado nacional co
ma verdadeira porcaria).

#CâmaraEco é um disco surpreende já em seu conceito: o título remete à popular "hashtag" utilizada nas redes sociais, o popular “jogo da velha”, mas que, aqui, ele prefere chamar pelo nome correto: cerquilha! No novo trabalho, ele deixa de lado os temas místicos que pontuaram os trabalhos anteriores - todos, ótimos CDs de rock autoral com uma linguagem bastante nordestina, um misto de Deep Purple, Yes e Luiz Gonzaga - para refletir no cibermundo pautado pelo consumo on-line e relações virtuais. Daí ele pega tudo isso e joga numa mídia física… e analógica!

Pode parecer paradoxal, mas não é, e ele sabe disso. #CâmaraEco acaba cruzando uma discussão muito pertinente aos apaixonados por música do século 21: como você escuta música? Os levantamentos feitos pela Associação da Indústria de Gravação da América (RIAA, na sigla em inglês) mostram que a esmagadora maioria dos ouvintes de música o fazem pela internet, através de plataformas como Youtube, Spotify, Deezer etc., muito embora o mercado venha registrando um crescimento nas vendas de LPs.

O músico Neil Young, por exemplo, é um feroz crítico do consumo de música através de suporte digital, seja streaming ou CD. Para ele, esse meio entrega uma versão bastante anêmica do que o artista produziu no estúdio. O LP, sobretudo nessa prensagem em vinil 180g com toda tecnologia de hoje, consegue imprimir um retrato bem mais fiel, defendem ele e os entusiastas do bolachão.

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Depois de 15 anos de carreira, músico lança seu primeiro LP, ‘#CâmeraEco’

Ouvi o novo disco do paraibano de São João do Cariri através de um bom equipamento Panasonic, que comprei recentemente, capaz de reproduzir músicas tanto em CD, quanto em streaming, através de bluetooth. Por não ter uma radiola, ouvi o álbum através do Deezer, com a capa e encarte do LP nas mãos. É um sacrilégio, diriam os ouvintes de vinil. E tenciono a concordar com eles, imaginando como o contato da agulha num vinilzão desses produziria um som mais robusto, mais “gordo” e, consequentemente, mais vibrante.

Enquanto escutava ‘Não faz muito tempo’, a ótima balada ‘Quando a gente ainda revelava fotos’ e ‘O andarilho (Mourão perguntando)’ - que traz a participação do pernambucano Silvério Pessoa -, pensava nessa reconfiguração de audição que passamos hoje: houve um tempo em que um LP (ou uma fita-cassete) era o único meio que o público tinha para ouvir a música de um artista em casa. Hoje, além desses dois meios (ambos ainda em voga) ainda há o meio digital, o streaming e o CD. Portanto, ouvir um LP deixou de ser um meio para se tornar um fim: quem procura um vinil, quer ouvir algo que não encontra na audição digital.

Eu costumo comparar a audição de um disco a um passeio de barco: enquanto a mídia digital te coloca empoleirado em um pequeno barco pesqueiro, o LP te leva em um iate, confortavelmente instalado. Ambos saem do ponto A para o ponto B e navegam o mesmo trecho de mar, mas a navegação entre as duas embarcações é bem diferente.

A experiência influencia na percepção dos arranjos e dos instrumentos que cercam a canção. Júnior Cordeiro, ao conversar brevemente comigo, recentemente, lembrava até do ritual que o LP exige, e de como isso faz parte dessa experiência: retirar cuidadosamente o LP da embalagem, colocá-lo com o mesmo zelo no prato do toca-discos, e levar o braço até o LP para vê-lo aterrissar sobre os sulcos do vinil. E isso é só a preparação da audição!

Em um livro muito bom que li ano passado – A Vingança dos Analógicos: Por Que os Objetos de Verdade Ainda São Importantes (lançado pela Anfiteatro, ainda em catálogo) – o autor, David Sax, argumentava que esse ritual era mais envolvente e, por conseguinte, mais satisfatório que ouvir aquela mesma música em um dispositivo digital de fácil alcance, e que havia uma “riqueza na vivência de se ouvir um vinil que transcendia qualquer medida quantificável”. Páginas depois, ele setenciava: “Cercados pelo digital, nós agora ansiamos por experiências que sejam mais táteis e humanocêntricas”. E quem há de discordar, ainda mais neste Dia do Disco de Vinil, celebrado todo dia 20 de abril?

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 20 de abril de 2021.