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Comédia dramática que trata de conflitos religiosos é exibida na FCJA

publicado: 16/02/2017 00h05, última modificação: 16/02/2017 07h16
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A atriz libanesa Nadine Labaki é diretora do longa e interpreta a personagem Amale - Foto: Divulgação

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Guilherme Cabral

Produção franco-libanesa, a comédia dramática intitulada E agora, aonde vamos?, dirigida por Nadine Labaki, que também integra o elenco, será exibida hoje, em evento denominado de Cinema Comentado, na sede da Fundação Casa de José Américo, localizada em João Pessoa. O público, para quem o acesso é gratuito, começará a assistir ao longa-metragem, em sessão única, a partir das 18h e, na ocasião, também ouvirá a análise do crítico Andrés von Dessauer sobre essa obra cinematográfica. A Classificação Indicativa é de 14 anos de idade.

“O filme E agora, aonde vamos?, cujo título original é Et maintenant on va Ou?, foi lançado em 16 de novembro de 2012. Trata-se de uma das melhores obras deste século e uma forma genial de resolver conflitos religiosos”, disse Andrés von Dessauer para o jornal A União. “É um filme atual e de alta qualidade”, garantiu ele.

Com 1h50m de duração, dirigido pela libanesa Nadine Labaki e ainda protagonizado, dentre outros atores, por Yvonne Maaluf e Claude Baz Moussawbaa, E agora, aonde vamos? destaca questões religiosas de uma pequena comunidade no Líbano, dividida por muçulmanos e católicos. O ambiente nessa localidade é de paz. No entanto, certo dia, os homens começam a brigar entre si. Diante dessa situação, as mulheres começam a agir, na busca de meios de mantê-los ocupados e, assim, evitar que entrem em conflito.

Ao longo da exibição, o espectador vai perceber que a procura pela paz e a segurança permeia todo o enredo do filme E agora, aonde vamos?. E, apesar da seriedade da trama - a exemplo da primeira cena, carregada do sentimento de luto, pois mostra um grupo de mulheres desiludidas, marchando em direção ao cemitério para cuidar dos túmulos de seus familiares, que foram perdidos para um conflito que parece interminável - os momentos de comédia contribuem para a descontração na tela. Nesse sentido, as personagens tomam as decisões mais absurdas para distrair os homens, como a de convidar um grupo de prostitutas estrangeiras para passar um tempo na vila, quando eles são dopados com calmantes para que se pudesse esconder um arsenal de armas utilizado em lutas anteriores.

Leia, abaixo, a análise sobre o filme que Andrés von Dessauer escreveu para A União:

A arte feminina de resolver conflitos (Andrés Von Dessauer - Especial para A União)

A arte se depara, por vezes, com a situação curiosa, na qual artistas com produção pouco expressiva alcançam a imortalidade por meio de um único trabalho. O compositor Bizet é um bom exemplo dessa façanha, pois, embora não tenha produzido inúmeras óperas, tem entre suas criações ‘Carmen’, a obra mais encenada e presente no imaginário popular. Encontrar, na cinematografia, uma preciosidade de brilho equivalente é questão de sorte e persistência, já que o número de películas produzidas excede a capacidade individual de qualquer cinéfilo.

Assim, na caçada por uma obra prima, a suspeita de que algo grandioso está por vir, pode ser deflagrada por um trabalho anterior. Tal qual o caso da atraente libanesa Nadine Labaki que, quatro anos após ter dirigido e encenado uma calorosa discussão em um salão de beleza, em Beirut (‘Caramelo’, 2007), ressurge em 2011, com o filme ‘Et maintenant on va où ?’, rodado em uma remota aldeia, habitada pacificamente por cristãos e muçulmanos.

O título (‘E Então, Aonde Vamos?’), aliás, define com precisão o fenômeno da ‘primavera árabe’, que, impulsionado pela internet, se espraia pelo Norte da África e Oriente Médio, abalando sociedades que, por simples convenção, privilegiam o sexo masculino, em detrimento do feminino. Esse universo essencialmente sexista passa a ser confrontado pelo despertar da força feminina, que vem ganhando espaço em filmes como: ‘Cairo 678’ (2010, Mohamed Diab) e ‘A Fonte das Mulheres’ (2011, Radu Mihaileanu).

A escalada da violência é tema recorrente no cinema. No entanto, na obra da Labaki, a ameaça se infiltra via os meios convencionais de informação (TV, jornais e rádio), sendo, portanto, desencadeada por razões exógenas, capazes de aniquilar toda a tolerância, dolorosamente, conquistada.

A atmosfera cômica, presente, por exemplo, na eficiente censura feminina, é gradualmente corroída pelo drama. E, nesse sentido, o quase diálogo entre uma aldeã cristã e imagem estática da Virgem Maria marca um dos momentos na qual a fé materializada em um objeto, cede espaço à contestação e a substituição da fé por uma postura pragmática.

Na busca de um choque cultural capaz de direcionar a testosterona para comportamentos menos beligerantes, a ala feminina decide contratar dançarinas ucranianas de um ‘show-bis’, e alojá-las no pequeno vilarejo. A chegada dessas profissionais provoca situações hilárias. Mas, o ingresso do Ocidente nesse mundo atavista resulta apenas em uma breve trégua.

De fato, só mesmo uma brutal dissidência religiosa, promovida pelas matriarcas daquele lugarejo, seria capaz de refrear os ânimos. Apesar de ser uma inversão pouco crível, a solução parece sublinhar o fato de que tanto o cristianismo quanto o islamismo não são totalmente estranhos entre si, já que comungam do mesmo berço.

Nesse trabalho tudo parece, meticulosamente, talhado para reflexão. E, o final não foge a esse intento, já que a indagação ‘para aonde vamos?’ surgida no cortejo fúnebre de um jovem cristão, cuja família se convertera, repentinamente, ao islamismo, alcança não só o caráter religioso do seu sepultamento, como todas as incertezas de uma época de transição.