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Polêmico, "Porteiro do Inferno" está prestes a completar 50 anos

publicado: 17/07/2016 00h05, última modificação: 16/07/2016 08h37
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Depois de passar por vários locais, escultura descansa há 11 anos no giradouro localizado em frente à Universidade Federal da Paraíba - Foto: Evandro Pereira

tags: Porteiro do Inferno , Fernando Jackson Ribeiro


Hilton Gouvêa

Fernando Jackson Ribeiro criou o Porteiro do Inferno em 1967, no auge da Ditadura Militar. Seu objetivo era premiar o Governo da Paraíba, que forneceu condições para ele voar até a Espanha, a fim de receber um prêmio especial. Hoje, 49 anos depois, sua criação já perambulou em áreas diferentes, por causa de superstições que gerariam supostas maldições, talvez emanadas do estranho nome. 

Inicialmente batizada de “Porteiro”, o acréscimo demoníaco surgiu de uma dica atribuída ao poeta Virginius da Gama e Melo, que ao sair das aulas que lecionava na Faculdade de Filosofia – Fafi - em João Pessoa, saudava a escultura assim: “boa noite Cérbero”, alusão ao cão de três cabeças, que a Mitologia Grega apontava como guardião do Hades. A Igreja Batista, situada frontalmente onde Cérbero estava, foi a primeira a protestar contra a presença de tão inusitado monumento.

A Prefeitura atendeu a uma solicitação dos Evangélicos e o “Porteiro do Inferno” acabou retirado do encontro das avenidas Getúlio Vargas e Duarte da Silveira, para uma suposta restauração. Permaneceu muito tempo num depósito municipal e, em seu lugar, foi sugerido, por proposição do então deputado Sócrates Pedro, a construção de um monumento bíblico. O Porteiro do Inferno foi transferido para o Espaço Cultural, mas não ficou muito tempo por lá.

Parece que esta foi uma tentativa de restituir à obra seu direito à exibição. Em 2005, o Porteiro do Inferno saiu do Espaço Cultural, passou por uma merecida restauração e foi pousar num cruzamento entre os bairros do Altiplano e Cabo Branco, a Leste de João Pessoa. Os párocos protestaram. Infeliz na sua trajetória, ele foi reimplantado, no Castelo Branco, diante do Centro de Comunicação Turismo e Artes da UFPB, mas, ao que parece, ainda não está seguro.

Um abaixo-assinado enviado à Prefeitura pediu novamente a remoção do Cérbero de Ferro. Em contrapartida, um grupo de intelectuais promoveu um “abração” na área, depositou flores e deixou claro que “a escultura é, somente, uma manifestação de arte e não uma presunção demoníaca”. A Prefeitura apenas respondeu que não está em seus planos atuais tirar o Porteiro do Inferno do lugar onde repousa há 11 anos.

Virginius apelidou a escultura de Cérbero, porque todas as noites, ao sair da Fafi, topava com ela. “Ele se dirigia a Churascaria Bambu, onde bebia seus whiskys”, diz o escritor Moacyr Arcoverde. Cérbero, o cão mitológico, foi removido muitas vezes do Inferno do Hades, por heróis importunos. Em seu 12º trabalho, Hércules levou-o para a superfície da terra e depois o devolveu ao Hades.

Para inflamar mais ainda a ira dos católicos e protestantes contra a escultura, membros de um culto afro depositaram oferendas em redor dela e deixaram transparecer que aquilo seria a imagem de um Exu, devido à sua cor preta.

Inquieto com sua obra 

Nascido em Teixeira (1928), no Sertão paraibano, Ribeiro era uma espécie de Indiana Jones das artes plásticas. Inquieto, deixou a Paraíba rumo ao Mato Grosso, para descobrir o paradeiro de um irmão que teria sido vendido como escravo para um garimpo. Posteriormente embrenhou-se na Bolívia, conseguindo ser delegado de Polícia. Levou um tiro no pescoço e, mesmo com a bala alojada, fugiu no Trem da Morte para Puerto Quijarro via Santa Cruz de La Sierra. Depois, fixou-se no Paraná e no Rio, iniciando aí sua carreira artística. Morreu em Curitiba em 1997.

Ainda era jovem quando abraçou a carreira de moldureiro, o que o levou a familiarizar-se com ferro e madeira, as principais matérias-primas de suas esculturas, que expressavam um grande realismo industrial. No Brasil ganhou todos os prêmios sonhados por um escultor, principalmente o mais cobiçado de todos, “Viagem ao Estrangeiro” do Salão Nacional de Arte Moderna. O jeito simples do escultor, não deixava transparecer o grande gênio que era.

"Cérbero" paraibano

“Apenas um pastor evangélico se insurgiu contra o Porteiro do Inferno, porque ficava diante de sua igreja”, diz o artista plástico Raul Córdula, amigo de Ribeiro. “Quando um secretário municipal nos disse que retirou a escultura para consertar sua base prejudicada por um formigueiro, eu, Chico Pereira e Breno Mattos vimos que estava mentindo. Aí iniciamos uma peregrinação, para trazer de volta esta escultura tão importante para a arte brasileira”.

Segundo Raul, Ribeiro ganhou prêmios internacionais e fez diversas exposições de sucesso em Paris e Bruxelas, além de ser citado em obras de críticas de arte renomadas, inclusive nos artigos de Mário Pedrosa e Pierre Restany.

De acordo com o jornalista e escritor Otávio Sitônio Pinto, a escultura foi comparada a Cérbero pelo engenheiro agrônomo Gabriel Barbosa de Farias, que ao ser indagado com quem a obra parecia, respondeu assim: “com o guardião do Hades”. Sitônio e Breno Mattos acompanharam a restauração do Porteiro do Inferno. Raul disse que este nome acabou endossado por Virginius da Gama e Melo, por achar que Cérbero seria incompreensível para o público.