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Pornografia de vingança: engenheira paraibana decide ir à justiça contra vazamento de vídeo íntimo

publicado: 04/06/2017 00h05, última modificação: 03/06/2017 09h22
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De acordo com pesquisa realizada pelo Data Popular, 13% das brasileiras já tiveram detalhes íntimos divulgados após o término - Foto: Site/Partido dos Trabalhadores

tags: pornografia de vingança , vídeos íntimos , vazamento , lei carolina dieckmann , paraíba


Iluska Cavalcante - Especial para A União

Por trás de um vídeo íntimo publicado sem autorização, tem uma vítima. Em sua maioria são mulheres, seja por vingança de um ex-namorado ou por invasão de dispositivos tecnológicos, elas têm sua vida e corpos expostos. Foi assim que a engenheira de Produção campinense Camilla Carneiro se sentiu na última terça-feira (30), ao descobrir através de amigos que havia um vídeo íntimo seu circulando em grupos de WhatsApp. “Não consegui sair de casa, não consegui comer, chorava muito, não fui mais trabalhar, tinha vergonha até de ir na portaria do meu prédio, achando que todo mundo já tinha visto”, disse.

Em 2011, a campinense, de 25 anos, mandou um vídeo íntimo para o seu então namorado, como uma espécie de brincadeira entre o casal. Hoje, após seis anos, o conteúdo do vídeo foi conhecido por estranhos, amigos e familiares. Camilla conta que, acima de tudo, sente-se invadida. Mas casos como o dela são comuns e, infelizmente, Camilla não é a única a ter seu corpo exposto e compartilhado nas redes. Uma pesquisa realizada pelo Data Popular e o Instituto Avon, em 2014, revelou que um a cada quatro homens repassou imagens de mulheres nuas que recebeu pelo celular. A pesquisa também ouviu mulheres que falaram sobre as atitudes dos parceiros após o fim do relacionamento, 22% delas disseram que o parceiro espalhou boatos, e 13% relataram que os ex companheiros divulgaram detalhes íntimos após o término.

No caso de Camilla ainda não foi confirmado quem divulgou as imagens, mas ela confia que o vídeo não foi divulgado pelo seu ex-namorado e sim por uma terceira pessoa. Apesar de ter se sentido confusa no início, e com um sentimento de impotência, como define, ela não esperou para denunciar. Com o apoio da família, foi até a delegacia da mulher de Campina Grande para fazer um boletim de ocorrência. “Acho que todo mundo que passa por isso deve denunciar sim e levar o caso até o fim, muita gente diz que não vai dar em nada, mas temos que ir atrás dos nossos direitos de acordo com a lei”.

O que diz a lei Para Inácio Queiroz, o direito relacionado a crimes cibernéticos ainda não está preparado para lidar com a criminalidade digital

Na opinião do advogado e especialista em direito penal e processo penal Inácio Queiroz, o direito relacionado a crimes cibernéticos não está preparado para lidar com a criminalidade digital. “Os danos potenciais que esses delitos podem causar estão longe de serem totalmente conhecidos, vivemos num campo de conjecturas”, disse.

Queiroz comenta que a internet é um local que atrai o crime, devido ao anonimato, a dificuldade de rastreamento, a abrangência ilimitada de vítimas e a busca incessante pela troca de informações.

A lei 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckman, é uma das mais utilizadas no combate ao crime cibernético. Entre outras coisas, ela torna crime a invasão de aparelhos eletrônicos para a obtenção de dados.

No entanto, segundo o advogado, a lei ainda é frágil. “A problemática aumenta quando estamos diante de um país de leis imediatistas como o Brasil, ocorre um fato, cria-se uma lei”.
O especialista também enfatiza que o combate a esse tipo de crime é necessário e urgente. “As invasões em nível mundial determinam uma urgência, principalmente quando aos meios de contingência, que podem levar a sociedade para uma maior segurança”.

Como denunciar

A secretária da Mulher e da Diversidade Humana, Gilberta Soares, alerta para que as mulheres denunciem e busquem ajuda através da Secretaria da Mulher, que tem apoio como o Centro de referência da Mulher. O centro leva uma ajuda profissional, através de advogadas e psicólogas.” É muito importante o apoio emocional para que ela tenha força de enfrentar esse momento”, comentou a secretária.

De acordo com Gilberta, esse é um tipo de violência contra a mulher que está crescendo e que causa danos tão graves quanto a da violência física, apesar de ser menos falado. “A gente está muito atento para coibir isso como uma violência psicológica”, disse. Na opinião da secretária da Mulher e da Diversidade Humana, Gilberta Soares, o apoio emocional é fundamental para as vítimas

Queiroz explica que não é necessária uma delegacia especializada para fazer a denúncia. Mas o processo pode levar tempo, dependendo da gravidade do crime. Para o processo ser mais rápido também existe a opção da notícia crime, que é quando o advogado leva a denúncia diretamente para o juiz ou ministério público, mas para isso é necessário um advogado particular.

Compartilhar é crime

De acordo com o artigo 21 do Marco Civil da internet, Lei 12.965/2014, quem disponibilizar conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado pela violação da intimidade da divulgação sem autorização de seus participantes, em imagens, vídeos ou outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado.

Para Camilla, só quem já foi vítima de algo parecido sabe o quanto é difícil, mas, ainda assim, é possível praticar a empatia para não compartilhar imagens ou vídeos deste tipo. “Queria dizer para essas pessoas que compartilham esses vídeos na internet, que elas pensem se fosse alguém da família ou elas mesmas, porque uma coisa dessas afeta profundamente o emocional e a vida da vítima, e é uma cicatriz que nunca será apagada”, disse.

Na opinião da feminista e integrante do Coletivo intervozes, Mabel Dias, as mulheres são as principais vítimas por conta do machismo. “Vivemos em uma sociedade machista que coloca a mulher como uma propriedade do homem, um objeto sexual e, assim, o faz achar que tem o direito de expor a mulher em sua intimidade”.

Mabel explica que o termo usado atualmente para conteúdos íntimos vazados na internet é a “pornografia de vingança”, um termo ainda novo e que encontra dificuldades para punir os agressores que cometem esta prática. No entanto, é possível encontrar punição na lei Maria da Penha, em seu artigo 7º, onde diz que violência é qualquer ação que cause dano emocional, o que se encaixa em vítimas da “pornografia de vingança”. Camilla tem a mesma opinião quando o assunto é que as mulheres são o principal alvo e as que mais sofrem. “Quando o vídeo é de homem as mulheres não ficam compartilhando nem buscando vídeos desse tipo, mas até mesmo em grupos de Whats App sempre tem fotos e vídeos de mulheres. Os homens são machistas e sujos, gostam de expor o corpo das mulheres, de ver, de mostrar para os amigos”, comentou.

A “pornografia de vingança” é uma das maiores modalidades de violência contra a mulher, segundo Mabel. Ela também ocorre através de chantagens, com o intuito de manter o relacionamento. “Eles utilizam desses materiais para chantagear as parceiras para que elas não terminem o relacionamento”, disse.

Mabel lembra de um dos primeiros casos que ocorreram no Brasil, o da adolescente Giana Laura Fabi, de 16 anos, do Rio Grande do Sul, que após ver uma foto sua mostrando os seios circular na internet, cometeu suicídio. Para evitar que casos como esses se repitam, Camilla decidiu falar sobre o assunto. Através de um post público no Facebook a jovem enfatizou a importância da denúncia e disse que não fez nada de errado.