A propaganda é o remédio do negócio
Por Allysson Teotonio
Sou daquele tempo em que os gazeteiros passavam pelas ruas do Bairro dos Estados, em João Pessoa, diariamente, gritando: “Jornal Correio, O Norte, A União”. Dava para ouvir do quintal lá de casa. Eu era adolescente, e a década era a de 1980. Eu tinha uns 11 ou 12 anos. Lembro que quando o meu pai comprava o jornal, um dos três matutinos, eu sempre passava uma vista. Não muito atenta, confesso. Porém, regularmente.
A propaganda do gazeteiro era simples, mas funcionava. Era no gogó. E vendia jornal. Prova disso é que foi assim que descobri o prazer de ver jornais, na adolescência, e disso nunca esqueci. Os jornais sempre me chamaram a atenção. E hoje, mais de três décadas depois, troquei aquele hábito de passar a vista, simplesmente, pela leitura mais atenta e mais criteriosa – seja da edição impressa ou da versão na internet.
Dos jornais diários de João Pessoa, A União sempre se diferenciou ao longo dos tempos – querendo ou não. Por se tratar de um órgão oficial de divulgação das ações do Governo do Estado e, ao mesmo tempo, manter um noticiário político, cultural, social, econômico e esportivo e reservar espaços publicitários para órgãos do governo, atos governamentais e empresas.
Fundada 122 anos atrás, A União foi testemunha dos primeiros passos da propaganda brasileira. O jornal paraibano nasceu no século 19, berço também da história da propaganda no Brasil, mais precisamente na região Sudeste. O século 19 marcou o início do desenvolvimento econômico, baseado na agro-exportação, que experimentou um crescimento urbano capaz de abrigar diferentes atividades profissionais e setores de negócios que necessitavam comunicar sua existência ao mercado.
Os primeiros anúncios apareceram principalmente nos jornais e se referiam à venda de imóveis, de escravos, datas de leilões, ofertas de serviços de artesãos e profissionais liberais. Em 1821, surgiu o primeiro jornal de anúncios, o Diário do Rio de Janeiro, para facilitar as transações comerciais. Os jornais de anúncios foram os primeiros diários brasileiros que sobreviveram de anunciantes e não de assinaturas de leitores.
Nesse cenário incipiente da comunicação brasileira, nasceu A União. Na edição número 1, de 2 de fevereiro de 1893, como “Órgão do Partido Republicano do Estado da Parahyba”, A União publicou dez anúncios publicitários na página 4. Intitulada “Annuncios”, era assim a escrita da palavra naquela época, a página estava recheada de propaganda de medicamentos. Dos dez anúncios da edição de estreia, oito estavam relacionados a medicamentos. E o grande anunciante daquela edição era um tal de Dr. Ayer, marca pertencente a um laboratório dos Estados Unidos, que possuía “Depósito Geral” no Rio de Janeiro.
Dr. Ayer tinha solução para quase tudo, segundo seus anúncios publicitários. Um dos medicamentos anunciados era o ‘Peitoral de Cereja’, para tratar as doenças da garganta e dos pulmões. O anúncio seguia a tendência da época. Em preto e branco, tinha um desenho na parte superior da peça, ilustrando um texto logo abaixo. O discurso não era muito objetivo e preservava um certo rebuscamento na linguagem. “O remédio mais aceito e universalmente conhecido é o Peitoral de Cereja do Dr. Ayer”, finalizava a peça.
Se o remédio funcionava, eu não sei, mas que era famoso na sua época isso eu posso garantir. Se você digitar o nome do medicamento no Google, vai achar antigos postais publicitários e até brinde da marca, um lápis, à venda por 20 reais no site de compras Mercado Livre.
Além de prometer curar rapidamente “tosses e affecções pulmonares”, Dr. Ayer também entendia de cabelo. Ilustrado por um desenho de uma bela moça, de longas madeixas, o anúncio de ‘O Vigor do Cabello’ era a solução perfeita para restaurar a cor dos cabelos, dar brilho e combater a caspa.
Mas não era só da propaganda dos estrangeiros que vivia A União de 1893, não. Marca da terra, a Drogaria de Antonio Rabello também estava lá, anunciando seus produtos na primeira edição do jornal, desafiando a hegemonia do norte-americano Dr. Ayer. Com uma direção de arte “pobrezinha”, comparada à do concorrente, o anúncio oferecia pomada, xarope e um produto para “amaciar a cútis e extinguir as sardas, espinhas, cravos do rosto etc.”, com endereço na Rua Maciel Pinheiro, número 30, Parahyba. A Drogaria de Dr. Antonio Rabelo não existe mais, mas o seu pioneiro produto fitoterápico faz sucesso até hoje, a Água Rabelo, criado por ele em 1889. Provavelmente, o maior case de sucesso da indústria paraibana, que mantém um produto no mercado há 126 anos.
A propaganda de medicamentos era realmente muito forte no século 19. O segmento era um grande anunciante. Segundo a ‘Revista Hospitais Brasil’, a primeira propaganda de medicamentos que se tem registro no país surgiu em 1825. Com um texto dirigido ao público feminino, a peça publicitária oferecia um milagroso e revolucionário produto. Simplesmente, prometia um novo hímen para as mulheres – ou seja, a volta da sagrada virgindade.
Fantasiosos ou não, os anúncios do século 19, tecnicamente falando, eram pouco atrativos e visualmente precários, se compararmos com os padrões atuais, claro. Sem recursos tecnológicos que favorecessem a apresentação visual, o conteúdo dos anúncios era o mais importante na hora de se comunicar com o público-alvo. Os textos eram informativos, apelativos e até exagerados em seus argumentos. A regra era informar, muito mais que atrair, conquistar o consumidor.
Em 1893, a publicidade em jornais imperava praticamente sozinha. Não havia meios concorrentes para dividir o bolo. As outras mídias eram cartazes, folhetos e painéis pintados. Naquela época não havia agência de publicidade, como conhecemos hoje. Os anúncios eram feitos por desenhistas e redatores, não necessariamente profissionais da área. Segundo os estudos da Fundação Cásper Líbero, as primeiras agências de publicidade começaram a surgir a partir de 1914 e, em geral, iniciavam como empresas de anúncios e evoluíam para agências, como foi o caso da Eclética, sediada em São Paulo. No período da Primeira Guerra Mundial, a capital paulista ganhou outras agências, como a Pettinati, Edanée, a de Valentim Haris e a de Pedro Didier e Antônio Vaudagnoti.
O concorrente forte dos jornais só surgiu em 1922. Estou falando do rádio. A primeira emissora foi inaugurada naquele ano, no Rio de Janeiro. Mas ainda limitada a uma pequena elite, por conta dos altos custos de recepção, e com uma programação exclusivamente educativa.
O rádio comercial só surgiu em 1932 no Brasil, com a permissão para inserção publicitária regulamentada por decreto do então presidente Getúlio Vargas, que correspondia a 10% da programação. Naquele mesmo ano, a única emissora que operava na capital paraibana era a Rádio Clube da Parahyba. Como não havia aparelhos receptores, a população ouvia rádio por meio de autofalantes, instalados em algumas ruas da cidade.
Os anos se passaram. Muitos, vale ressaltar. Ao longo dos 122 anos de história de A União, a propaganda viveu e está vivendo uma grande revolução. Da impressão precária de 1893 em preto e branco, quando A União surgiu, até os dias atuais, a publicidade em jornal ganhou cores, novas formas, novos conceitos e aceita também tecnologia de ponta, como o QR Code (Quick Response Code), que em português significa Código de Resposta Rápida.
O QR Code parece um código de barras. Para acessar seu conteúdo, basta apontar a câmera de um celular que possua aplicativo de leitura. Antes de ler um QR Code, é preciso instalar o software no celular. Ele será o responsável por decodificar a imagem capturada. E vale salientar que existem muitos aplicativos que são gratuitos e estão disponíveis na internet.
Geralmente, o QR Code é usado nos anúncios publicitários para dar ao leitor a possibilidade de acessar informações complementares, multimídias. O código é uma ponte que sai do papel ao mundo virtual, cheio de possibilidades de interação com os leitores. O código pode, por exemplo, armazenar o endereço de um site, de um blog, vídeo, áudio, fotos ou qualquer outra informação que o anunciante queira inserir.
Além do conteúdo publicitário, o QR Code pode oferecer também conteúdo jornalístico. No Brasil, ainda está engatinhando, mas já existem algumas experiências. Um exemplo é A Tarde, jornal impresso de maior circulação na Bahia, com sede em Salvador, que já utiliza o QR Code em matérias para oferecer informações complementares, a exemplo de áudios, vídeos, fotos e notícias afins.
Hoje, 122 anos depois, olhando periódicos como A União, podemos afirmar que as limitações do papel não são necessariamente empecilhos para o jornal usufruir dos avanços materiais e conceituais deste mundo ‘pós-pós-moderno’. Vivemos a era da informação, da interatividade, da democratização literal da liberdade de expressão individual e coletiva. A era da propaganda livre, porém responsável.
Nunca a voz e a palavra de um pobre qualquer tiveram tanta força em meio à multidão. Só hoje a gente pode olhar para o passado e saber que 122 anos atrás esse discurso era apenas uma utopia, a propaganda de uma fantasia que muita gente certamente criou sem ter a certeza que esse dia, de fato, chegaria.
Allysson Teotonio é publicitário, jornalista e empresário. Natural de João Pessoa, é diretor associado de atendimento e planejamento da agência Faz Comunicação. É colunista do site ParlamentoPB e diretor do Sindicato das Agências de Publicidade da Paraíba – Sinapro/PB. Foi sócio das agências Mundo Livre e Três Comunicação. Antes de atuar no mercado publicitário, foi assessor de comunicação de várias instituições e empresas, entre elas, Telemar e Oi. Foi também repórter dos jornais O Norte e Correio da Paraíba. É formado em Comunicação Social (UEPB).