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Arte milenar dos vitrais na Paraíba

publicado: 22/09/2025 09h26, última modificação: 22/09/2025 09h26
Em João Pessoa, conheça algumas obras da técnica que vai além de um elemento decorativo
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No Palácio da Redenção, onde está instalado o Museu da História da Paraíba, um painel com cerca de 3 m2 encontrase no segundo piso, sobre o hall da escada principal | Fotos: Roberto Guedes
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No Liceu Paraibano, três painéis verticais importados da Europa adornam o prédio
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Um dos 26 painéis da Igreja de Nossa Senhora do Rosário
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por Marcos Carvalho*

Luz e cores são os principais recursos da arte vitral, tradição milenar que explora formas e representações modeladas e pintadas em vidro para criar matizes e tons de acordo com a luminosidade. Na capital paraibana, os exemplares dessa expressão artística encontrados em igrejas, prédios públicos ou casarões revelam um pouco das funções e dos estilos forjados ao longo da história desse tipo de arte plástica.

A Igreja de Nossa Senhora do Rosário, no bairro de Jaguaribe, reúne um dos mais consideráveis exemplares de vitrais religiosos de João Pessoa. São 26 painéis em forma de janelas de até 5 m de altura, 15 dos quais representando os mistérios do Rosário (gozosos, dolorosos e gloriosos) e os demais retratando santos e cenas religiosas, o maior deles é um painel da Sagrada Família, situado no coro do templo católico.

Os vitrais da Igreja do Rosário foram confeccionados pelo artista alemão Heinrich Moser (1886–1947) e patrocinados por famílias influentes da capital, cujos nomes estão na parte inferior dos painéis. Além da luminosidade que proporciona um ambiente convidativo à oração e à contemplação, as imagens e cenas representadas também buscam educar para a fé. Do ponto de vista estrutural, os materiais utilizados — como vidro, chumbo, latão ou cobre — são mais leves e permitem paredes mais altas e de menor espessura.

Mesmo em ambientes civis, a temática religiosa também é recorrente, como é o caso dos vitrais do prédio onde está instalado o Memorial Parlamentar, da Assembleia Legislativa da Paraíba. Situado na esquina da Avenida Duque de Caxias com a Rua Gabriel Malagrida, no Centro de João Pessoa, o local conta com dois painéis confeccionados em lente opalina que foram trazidos da Europa, em 1896, e retratam a Santa Bárbara e a Sagrada Família.

A restauradora e arquiteta do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Cultural do Estado da Paraíba (Iphaep), Maria Piedade Farias, lembra que, apesar dos vitrais terem florescido na Idade Média com o estilo gótico, eles também eram utilizados na arte palaciana. Isso torna difícil precisar seu surgimento. “Eu não sei o que veio primeiro, se foram dos palácios para as igrejas ou das igrejas para os palácios. Naquela época, o poder dos reis e da Igreja andava muito junto, e a arte até se repetia nesses ambientes”, explica. 

No Liceu Paraibano, três painéis verticais importados da Europa adornam o prédio

Piedade Farias cita o exemplo do painel de cerca de 3 m2, localizado no segundo piso do Palácio da Redenção, sobre o hall da escada principal. Ela esteve responsável, ao lado do também restaurador do Iphaep, Luís Carlos Kehrle, pelo inventário de todos os bens móveis integrados do prédio, cujo Museu da História da Paraíba está instalado. Para elaborar a ficha do vitral Brasão de Armas do Palácio da Redenção, eles se debruçaram sobre a peça para analisar suas características estilísticas e técnicas, além de buscar referências históricas.

“Aquele vitral é muito importante, talvez o mais importante que exista na Paraíba. Trata-se de um painel em vitral figurativo, datado de 1931 e de autoria do vitralista alemão radicado em Recife, Pernambuco, Heinrich Moser. A obra apresenta elementos que tendem ao gosto art nouveau, valorizando formas naturais em movimento”, destaca Maria Piedade Farias.

O painel deve passar por um processo de restauração, inclusive porque, na parte inferior, dois quadrados apresentam cores e desenhos incompatíveis com o restante da obra. Piedade e Kehrle têm buscado profissionais especializados para realizar este trabalho, mas relatam que é difícil encontrar restauradores de vitrais. “É uma arte que podemos dizer que está morrendo, porque o artesão que trabalha com isso não a vê mais. Hoje, ninguém faz um projeto de uma casa e coloca o vitral no projeto. O negócio é preservar o que se tem e, mesmo assim, a gente tem dificuldade”, argumenta Kehrle.

Segundo ele, para substituir os vidros, seria preciso utilizar tinta própria para vitral para pintar um vidro branco, mas o ideal seria reconstruir a peça da forma como foi concebida, quando o vidro era cortado de acordo com o desenho e unido um a outro com chumbo derretido, que, para quem olha, confunde-se com o contorno do desenho.

Outras amostras de vitrais em João Pessoa que fogem à temática religiosa estão na casa que pertenceu a Odilon Ribeiro Coutinho, localizada na Avenida João Machado, e no prédio Liceu Paraibano, no Centro da capital, onde três grandes painéis verticais importados da Europa adornam as compridas e estreitas janelas situadas na escada principal do edifício. O colorido dos elementos figurativos destaca-se no contraste com a luz, fazendo resplandecer figuras que remetem às Letras, às Ciências e às Artes. A introdução dos vitrais reforçava a proposta da arquitetura modernista de integrar aos ambientes elementos plásticos de significativos valores artísticos que procuram conciliar modernidade e tradição.

Humanizando o ambiente

A palavra vitral vem do francês antigo vitrail, derivado do latim vitreus, que significa “de vidro”. A arte floresceu na Europa, ligada à arquitetura gótica, mas suas origens remontam ao século 7, empregado tanto em edifícios religiosos católicos, como igrejas, abadias e conventos, como também na arquitetura islâmica, em mesquitas e palácios.

Para além de um elemento decorativo, os vitrais desempenham um papel funcional ao filtrarem a luz que penetra no espaço, produzindo um efeito atmosférico e tornando os ambientes acolhedores e humanizados. A arquitetura de interiores considera o vitral como uma espécie de antídoto contra a frieza e a impessoalidade das construções contemporâneas, que têm priorizado materiais de larga escala e de fácil reprodução por serem mais viáveis economicamente.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 21 de setembro de 2025.