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Genival Nóbrega

O homem que plantou sonhos e colheu consciência

publicado: 10/11/2025 09h48, última modificação: 11/11/2025 08h05
Paraibano foi responsável por preservar uma das principais áreas verdes na Zona Sul da capital paraibana, que poderá virar um memorial
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Área de quase um hectare vem sendo estruturada para desenvolver atividades ambientais e culturais com movimentos sociais e escolas públicas, assim como para a produção e distribuição de mudas | Imagem: Reprodução/Google Earth

por Marcos Carvalho*

“Quando ele chegou para morar aqui, não existia nada disso que a gente vê hoje, na granja. Era só capim-elefante. Ninguém queria morar aqui”. É assim que Jane Nóbrega, viúva do fiscal aposentado do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), Genival Nóbrega, começa seu relato sobre como se formou uma das principais áreas verdes do bairro Jardim São Paulo, na Zona Sul da capital paraibana.

Localizada na Rua Lindalva Lopes Cordeiro, próximo ao girador da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a área de quase um hectare — que hoje abriga espécies de pau-brasil, babaçu, pitangueira, aroeira e jenipapo — foi reflorestada e se mantém preservada graças ao esforço de Genival Nóbrega, que faleceu em 2013.

“Ele foi o primeiro morador dessa área e tinha um sonho de fazer disso aqui uma reserva, uma mata. Aí alugou um trator, mandou limpar tudinho e, nas viagens que fazia pelo interior, sempre trazia uma muda para plantar. Ou, se chupava uma manga, ou comia uma jaca, plantava o caroço”, conta a viúva, que também trabalhou para que esse sonho se tornasse realidade e, até hoje, se mantivesse vivo. 

Entrada do santuário | Fotos: Evandro Pereira

Além da casa, o local abriga uma capelinha dedicada a São Francisco — padroeiro da ecologia — que foi idealizada e erguida pelo próprio Genival Nóbrega com restos de materiais de construção. A obra, assim como a fonte ao lado, foi construída para o batizado da única filha do casal, Gardênia. Jane lembra-se do custo que foi convencer o padre a realizar a cerimônia, mas, ao final, deu tudo certo e a festa foi uma só alegria.

Se para a filha, o pai, já idoso, desdobrava-se em cuidados, para os que ameaçavam a fauna e a flora do lugar, Genival Nóbrega não media palavras e ações. Era intransigente e até rude na defesa da natureza. O cuidado era tamanho, que ele chamava atenção daqueles que pisavam, sem perceber, o caminho das formigas ou jogavam pedras nas mangueiras para tentar retirar os seus frutos. Questionava se, nessas situações, as pessoas gostariam de estar no lugar dos animais e das árvores.

A convivência com os vizinhos que, aos poucos, se estabeleceram no entorno era pacífica na maioria das vezes. Muitos diziam ter optado por morar nas proximidades justamente por causa da granja e pelas memórias afetivas. O local trazia a sensação de, mesmo morando na cidade, estar vivendo no interior, acordando com o canto dos galos e dos passarinhos. Havia, no entanto, alguns que jogavam lixo ao pé do cercado e despertavam a ira do proprietário. Além de procurar inibir a prática ampliando a fiscalização da área, Genival Nóbrega confeccionava placas com mensagens para conscientizar sobre a importância de preservar a natureza e as espalhava ao redor da propriedade. Algumas dessas placas ainda estão no local.

Mas as grandes batalhas enfrentadas pelo defensor do ambiente foram, segundo Jane Nóbrega, com os empreendimentos que se estabeleceram nas proximidades. Primeiro foi a academia de tênis, depois uma tentativa do Poder Público de fazer passar uma estrada pelo meio do terreno e, por fim, uma rede de supermercados que se instalou bem ao lado da propriedade e desejava adquirir a área verde para fazer um estacionamento.

A viúva, Jane Nóbrega, mostrando a capelinha dedicada a São Francisco

“Quando tentaram abrir a rua aqui, Genival se armou e disse que podiam passar, mas não garantia que iriam sair do outro lado. Mas meu marido começou a morrer, aos poucos, quando viu aquelas correntes, puxadas pelo trator, colocar as árvores grandes abaixo para construir o supermercado. Ele passou mal… Aqui existia cutia, casais de veados e de pavão, tinha tartarugas também…”, destaca Jane. O barulho provocado pela câmara do frigorífico era outro incômodo, que permaneceu até bem pouco tempo.

Legado verde

Após a morte do companheiro, as propostas para se desfazer da área continuaram. Jane Nóbrega conta que uma grande incorporadora lhe ofereceu dois apartamentos e uma boa quantia em dinheiro pelo local, mas ela recusou. “Quando meu marido morreu, ele me fez um pedido para nunca desmatar essa área e não deixar o dinheiro fazer minha cabeça e que, se eu encontrasse uma pessoa que cuidasse e que preservasse a natureza, não tivesse medo. Foi Deus que mandou essa pessoa maravilhosa e a esposa dele, que está fazendo melhor do que eu esperava”, conta Jane, apontando para o agente ambiental Arimatéia França.

Ari, como é mais conhecido, já era vizinho do casal e costumava ajudar Genival nos mutirões de limpeza da área. Ainda guarda com carinho o perfurante, um instrumento que facilita o recolhimento do lixo e evita ter que se abaixar para recolher o material. Esse será um dos itens do memorial que planeja estruturar no local, que se tornou sede do projeto Onde Plantei, há cerca de três anos. 

Iniciativa criada por Genival Nóbrega abriga diversas espécies de flora, como o pau-brasil, o babaçu, a pitangueira, a aroeira e o jenipapo | Foto: Arquivo da família

“Genival deixou um legado de força e energia para que a gente continuasse com essa preservação. Isso não tem preço, porque nem todo mundo defende a vida como ele defendeu. São pouquíssimos os que têm a coragem de defender, de lutar, de brigar e até de ameaçar as pessoas que viessem a atingir a natureza. Se não fosse ele, essa área aqui já teria se acabado, como muitas outras em João Pessoa”, ressalta o agente ambiental, reconhecendo o papel de Jane Nóbrega na continuidade dessa preservação.

Com a parceria, o local vem sendo estruturado para desenvolver atividades ambientais com movimentos sociais e escolas públicas, assim como para a produção e distribuição de mudas. Ao longo deste ano, o projeto já contabilizou a doação de mais de 1.500 mudas frutíferas, como jaqueira, graviola, mangueira, laranjeiras, além de pau-brasil, açaí, palmeiras, flamboyant e sete-copas. As plantinhas são produzidas em dias específicos e conta com a ajuda de voluntários. Na época da safra de manga, o costume é deixar sacos da fruta pendurados ao portão da frente, de modo que quem passa pode levá-los gratuitamente.

“Aqui, na verdade, é um viveiro livre de pássaros como maracanã, que aparece todas as manhã, além de outros animais que transformam o lugar num santuário. Quando a gente chegou, todo mundo deu diversas propostas, como fazer uma área de recepção, um restaurante e tal, mas esse não é o objetivo. A gente fez um chafariz e, quando ligamos a água, vieram um monte de pacas, cágados e timbu — tem muito timbu escondido aqui. Eles vêm porque sentem que aqui tem proteção”, destaca Ari França.

Além de acolher visitantes, que podem conhecer o espaço aos fins de semana ou mediante agendamento, o local também funciona como Centro de Apoio das Atividades Populares e recebe grupos para seminários, rodas de conversa e oficinas formativas. Apresentações como da Orquestra Sanfônica do Balaio Nordeste e eventos como o Forró Ecológico, que acontece todo ano, são outras formas encontradas para integrar a cultura ao cuidado com a natureza.

“Esse espaço é muito importante para a cidade, para dizer que a gente não está só pensando na gente, mas num contexto maior. E isso não tem valor, não dá para dimensionar, principalmente nesse momento da história, em que temos uma COP30, que busca uma transição energética e ações concretas para a transformação de carbonos”, explica o coordenador do projeto Onde Plantei.

A iniciativa, que integra as propostas para cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), incentiva o plantio de árvores em homenagem a amigos e familiares e o registro dessa ação em uma plataforma digital. Para conhecer mais sobre o projeto ou agendar visitas ao local, é possível fazer contato pelo perfil oficial no Instagram (@onde.plantei).

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 9 de novembro de 2025.