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Paraíba dos engenhos

publicado: 06/05/2024 10h07, última modificação: 06/05/2024 10h07
Resguardar a atividade econômica é essencial para o entendimento da gênese da formação do Estado da Paraíba
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Engenho Gregório de Baixo, na região brejeira do estado: em plena atividade, sua fundação remonta ao século 19 | Fotos: Leonardo Ariel
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por Paulo Correia*

Para entender a importância dos engenhos no estado, precisamos compreender a relevância da produção de cana-de-açúcar na época, pois esta foi a principal atividade econômica no Brasil Colônia, por ser o produto protagonista da exportação, por conta de seu grande valor agregado no mercado externo. Para o historiador Lúcio Vasconcelos, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), “o açúcar é fundamental no processo de conquista da Paraíba porque, entre os séculos 16 e 18, é como pensarmos no petróleo do século 20 e 21”.

Para construir um engenho era necessário deter um grande capital, para compra de terras, animais, ferramentas e mão de obra escravizada. E nesse ponto, é fundamental perceber que toda a produção açucareira dessa época foi gerada por uma mão de obra escravizada, primeiramente indígena, e posteriormente, provenientes da diáspora africana.

“Muito provavelmente os primeiros escravizados que trabalharam nas produções dos engenhos eram indígenas. Então, os nossos tabajaras e os nossos potiguaras foram a principal força de mão de obra utilizada nesses engenhos mais antigos. A partir da segunda metade do século 17, começa a aumentar o fluxo de negros escravizados e, entre os séculos 18 e 19, vão ser cada vez mais negros escravizados nos engenhos e cada vez menos indígenas porque os nativos ou fogem para o interior ou simplesmente são exterminados”, destaca Helton Medeiros, especialista em gestão pública voltada à preservação patrimonial.

Segundo Vasconcelos, “os engenhos tinham que ficar próximos, inicialmente, ao Litoral porque tinha os carros de boi que levavam esse açúcar e faziam a navegação pelo Rio Paraíba, pelo Rio Mamanguape, para chegar até o Litoral e ser exportado. Depois tem uma expansão para a região do Brejo paraibano, tendo em vista as questões climáticas”. Ainda segundo o historiador, foram implantados engenhos também no Sertão paraibano, mas assim como no restante do país, a ocupação dessa região foi feita, predominantemente, pela criação de gado.

Os engenhos eram grandes complexos agromanufatureiros formados por quatro elementos, basicamente, a casa grande, o engenho, a senzala e a capela. “Tinha a casa grande, onde morava o senhor [de engenho], tinha a unidade produtiva de açúcar, que é o engenho propriamente dito, ou seja, a fábrica onde se fabricava o açúcar, tinha ainda as senzalas, que eram onde os trabalhadores escravizados ficavam e também tinha a capela”, destaca Helton Medeiros.

Com o declínio da produção açucareira a estrutura dos engenhos vai sendo apropriada pelas usinas, abandonada ou, simplesmente, destruída. Para Medeiros, “é muito interessante perceber que, se a gente ainda for visitar essa região da Várzea, aqui do Rio Paraíba, adentrar ali nos canaviais de Santa Rita, de Cruz do Espírito Santo, ainda é muito comum encontrar capelas dos antigos engenhos ainda de pé, mas as casas grandes e as senzalas muito raramente vai encontrar”.

Preservação sem romantizar a época

De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o tombamento dos engenhos é realizado pelo Poder Público, nos níveis federal, estadual ou municipal.

No âmbito federal, temos o antigo Engenho Marés, localizado em Bayeux. Já em nível estadual, o Instituto Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep) existem três tombamentos relacionados às estruturas de antigos engenhos. É o caso do conjunto arquitetônico do Engenho Baixa Verde, localizado em Serraria, Engenho Corredor, no município de Pilar e o antigo Engenho Paul, que se encontra na capital paraibana, ao lado do Parque Zoobotânico Arruda Câmara – a Bica.

No âmbito turístico, o estado conta com o roteiro “Caminho dos Engenhos”, que compreende os municípios do Brejo paraibano, com destaque para a cidade de Areia, tombada pelo Iphan, em 2006. Contudo, vale destacar que o tombamento realizado diz respeito ao núcleo urbano, deixando de lado os engenhos. Nas palavras do analista técnico do Sebrae-PB, Pablo Queiroz, “Areia, hoje, se destaca como um dos maiores produtores, sendo o terceiro em número de engenhos do Brasil e o primeiro do Nordeste”. Ainda segundo Queiroz, a média de visitantes no município gira em torno de 25 mil pessoas por ano.

Para Helton Medeiros, especialista em gestão pública voltada à preservação patrimonial, a preservação dos engenhos é essencial para o entendimento da história da Paraíba, devido à grande importância que a atividade teve, e tem ainda, no estado. “Preservar os engenhos é mais do que preservar uma atividade econômica, é preservar o entendimento da gênese da formação do estado da Paraíba. Você não entende o surgimento do estado da Paraíba, da antiga Capitania Real da Paraíba, na época da colônia, se você não entender a importância do engenho, que o açúcar tinha naquela época”, ressalta o especialista.

Contudo, é preciso ter cuidado ao não confundir preservação com romantização. Vale destacar que o contexto dos engenhos é, essencialmente, escravocrata. Se perdermos de vista essa dimensão, o olhar para essas ruínas, do que já foi engenho, passa a ser contemplativo, romântico.

“Você tem que ter consciência que mora no país em que mesmo a riqueza dos ditos brancos foi construída através do trabalho dos escravizados indígenas, no primeiro momento, e negros, no segundo momento. Preservar sem ter essa perspectiva, do lado difícil, doloroso, sofrido e perverso é romantizar. Então, as duas coisas fazem parte do processo que a gente não pode eliminar, porque isso que faz a complexidade, a real percepção da riqueza cultural”, conclui Helton Medeiros.

Passeio pelos engenhos no Brejo da PB

Para ilustrar o atual universo da cachaça paraibana, a reportagem visitou quatro engenhos no Brejo paraibano, nos municípios de Alagoa Grande e Cruz do Espírito Santo. Passamos pelos engenhos das cachaças Gregório, Volúpia, Nobre e São Paulo.

Em Alagoa Grande, os dois engenhos visitados têm estrutura para visitação, o Gregório de Baixo, da cachaça Gregório, e Lagoa Verde, da cachaça Volúpia. A visita consiste em conhecer as dependências e sua história, além da degustação das cachaças. Segundo Ricardo Lemos, proprietário do engenho Gregório de Baixo, a fundação do engenho remonta ao século 19. “Eu sou a quinta geração da família na cachaça. Isso aqui foi do meu bisavô, a gente data que essa construção aqui foi de 1886 ou 87”, destacou Lemos.

Em Cruz do Espírito Santo estão os engenhos das cachaças Nobre e São Paulo. Ambos não tem visitação e são bem distintos. O primeiro chama atenção por não ter muito tempo de fundação e por ter sido erguido com técnicas de bioconstrução, mais especificamente hiperadobes, onde sacos raschel são preenchidos com terra e através de compactação manual, as camadas se estabilizam em um material portante e seguro.

Já o engenho da cachaça São Paulo é um dos maiores do estado, com uma produção anual de seis milhões de litros. O nome foi por conta da tradição em utilizar nomes de santo para os engenhos. Conforme Múcio Fernandes, proprietário e presidente do Sindicato das Indústrias de Bebidas em Geral (SindBebidas), o uso de nomes de santo era comum para o batismo de engenhos.

Atualmente, o estado tem a maior produção de cachaça de alambique do Nordeste, produzindo 25 milhões de litros, em 2023. “A cachaça passou muito tempo tratada como uma bebida marginalizada, uma bebida de péssima qualidade, mas a Paraíba tem se destacado e tem ganhado muitos prêmios, inclusive causando inveja no grande mercado produtor de cachaça que é Salinas, em Minas Gerais”, acrescentou André Amaral Filho, presidente da Associação de Produtores de Cachaça de Alambique (Aspeca).

Usinas

A implantação das usinas no estado representa a industrialização dessa produção de cana-de-açúcar, feita anteriormente pelos engenhos. Além do açúcar, outro derivado da cana é o etanol, biocombustível utilizado em motores de combustão interna com ignição por centelha. A sua produção resulta em dois tipos, o etanol anidro, usado na mistura para a gasolina C, e o etanol hidratado, comercializado no país como combustível acabado.

Em 1975, por conta de uma grande crise de petróleo, o Governo Federal implementou um programa de fomento à produção de bioenergia, o Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool).

Segundo o presidente do Sindicato da Indústria de Fabricação do Álcool do Estado da Paraíba (Sindalcool-PB), Edmundo Barbosa, um dos principais pontos da produção de cana consiste na diminuição da emissão de CO2 na atmosfera.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 05 de maio de 2024.