Quem visita o Centro Cultural São Francisco, no Centro Histórico de João Pessoa, tem se deparado com correntes de contenção, andaimes e trabalhadores já no adro do convento. Tratam-se das obras de manutenção e restauração que vêm sendo realizadas e integram o projeto Caminhos da Fé, de iniciativa da Arquidiocese da Paraíba.
A primeira etapa dos trabalhos já foi concluída. Foram realizados serviços de manutenção e recuperação na estrutura do cruzeiro, incluindo a restauração de elementos artísticos do monumento, como os pelicanos, aves que circundam o pedestal da cruz e simbolizam a doação e o sacrifício, e o par de leões de foo, que guardam as entradas do adro. Mais recentemente foram removidos para restauração os seis painéis de azulejos portugueses que retratam passagens da Via-Sacra e está sendo higienizada a parte superior dos muros, feitos em cantaria.
A arquiteta Ana Luzia da Costa, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), vem acompanhando todo o processo de recuperação, desde a formatação do projeto até a execução das obras. Ela relembra que, em 2008, já havia sido realizada uma intervenção nos seis painéis figurativos, porém, um pouco mais modesta. Já nos azulejos não figurativos, que recobrem as paredes do pátio do templo, a última restauração data de 1940, quando também foi realizado o preenchimento com reboco nas partes cujas peças haviam se perdido. Dessa vez, além dos serviços de manutenção, deverá ser realizado um tratamento de maior profundidade, que inclui a restauração dos painéis dos nichos e a aplicação de novas peças em substituição ao reboco do muro, a fim de diminuir o impacto visual.
“A restauração é um procedimento que deve ser a última opção, mas ela é necessária quando o objeto chega a um determinado ponto de degradação e para que ele perdure. Nesse momento, a parte mais crítica são os azulejos do adro, e eles precisam ser tratados para essa referência não ser totalmente perdida. Eles chegaram até nós, e que a gente consiga levar essa experiência de observação desses bens para outras gerações”, defende a arquiteta.
Para execução dos serviços é contratada uma construtora, assim como restauradores, que tiveram currículos avaliados e aprovados pelo Iphan, órgão responsável pelo acompanhamento e fiscalização. Ana Luiza faz visitas regulares ao Centro Cultural São Francisco ao menos três vezes por semana. Qualquer nova descoberta que demande alteração no projeto também passa por uma avaliação para que as obras deem prosseguimento.
A arquiteta relata que os trabalhos do lado direito de quem entra no adro já estão bastante avançados. Estão sendo realizadas a higienização e um tratamento específico para evitar o progresso do desgaste do material e impedir tanto o acúmulo de água, que gera as infiltrações, como de sementes, que permitem o crescimento de árvores. A restauração dos azulejos virá em seguida, como o tratamento e a refixação do vidrado, isto é, da camada do azulejo que recobre e protege a pintura. “A gente identifica muitos processos de desprendimento, de fragmentação, tanto pelo tempo como pelas intempéries dos agentes externos, quanto, em alguns casos, também por vandalismo, por ataque de pedras e de outros objetos que causaram danos ao longo do tempo”, conta Ana Luiza da Costa.
Em relação aos seis painéis de azulejos que retratam cenas da Via-Sacra, depois que for realizada a restauração, será realizada uma avaliação para decidir se os mesmos voltarão para seu local original, os nichos, ou serão colocados em algum outro espaço dentro do próprio Centro Cultural São Francisco. No caso dessa última proposta, seriam colocadas réplicas na parte exterior do convento. “Tudo depende do estado em que esses bens vão se encontrar após a restauração e de uma decisão que vamos tomar com o Centro Cultural e com os técnicos de restauração”, comenta a profissional do Iphan à saúde pública”, diz Fernando Chagas.
Igrejas marcaram o traçado urbano de JP
Engana-se quem pensa que o projeto Caminhos da Fé tem como principal objetivo a restauração dos conventos históricos. A iniciativa da Arquidiocese da Paraíba é bem mais ampla: contar a história da fundação da cidade a partir das igrejas e conventos coloniais.
“O projeto Caminhos da Fé foi pensado para ser um guiamento pelas igrejas históricas, as igrejas coloniais: o Centro Cultural São Francisco, a Catedral da Sé, o Mosteiro e a Igreja de São Bento, Igreja da Misericórdia e a Igreja do Carmo. Porque essas igrejas, do final dos séculos 16, marcaram o traçado urbano da cidade, um traçado em forma de uma cruz. Essa foi a primeira idealização ao lançar o Caminhos da Fé”, explica padre Marcondes Menezes, diretor do Centro Cultural São Francisco.
O padre ressalta que, para levar adiante esse objetivo, é fundamental contar tanto com a presença de um mediador ou mediadora em cada igreja, para que apresente aos turistas e moradores da cidade a história da cidade a partir das edificações, assim como da execução dos serviços de restauração.
“O restauro é o meio para deixar as igrejas preparadas. Como é que você vai apresentar um guiamento, um circuito de igrejas para os turistas e, de repente, as igrejas não estão conservadas?”, questiona-se o padre. “Algumas delas estão em perfeito estado de conservação, como a parte interna do Centro Cultural São Francisco, mas a parte externa necessitava de reparos e por isso está sendo feito”, justifica o padre Marcondes Menezes.
Percurso realizado de modo experimental
A visita guiada aos monumentos históricos e arquitetônicos que compõem o Caminhos da Fé ainda tem sido realizada de modo experimental. “Fizemos um chamamento, formamos grupos, até para que a gente pudesse saber o tempo que leva o circuito e as propostas a partir dessas visitações. Nós tivemos em torno de 500 visitantes que fizeram essa experiência”, esclarece padre Marcondes, enfatizando que o percurso representa uma cruz no traçado urbano.
Os dias de visitação normalmente são divulgados pelo perfil oficial do projeto no Instagram (@caminhosdafe.pb) e a previsão é que novas datas sejam lançadas para os próximos meses de junho e julho. É preciso preencher um formulário de inscrição e realizar o pagamento de uma taxa de R$ 40 por pessoa.
Os recursos financeiros para execução das obras provêm tanto do Poder Público (Governo do Estado, Prefeitura Municipal, emendas parlamentares) quanto da iniciativa privada (doações individuais e de empresários). “A gente lançou uma campanha que está sendo veiculada ainda pelas TVs para mobilizar o empresariado a aportar recursos pelas leis de incentivo, pelo abatimento do Imposto de Renda, ou através do ICMS Cultural”, destaca o padre Marcondes.
Cada proposta de restauro e conservação é independente e tem um orçamento próprio, o que garante que os trabalhos sejam executados por etapas. Cada projeto é elaborado com a orientação e supervisão dos institutos do Patrimônio Histórico Nacional e Estadual (Iphan e Iphaep – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba).
O diretor do Centro Cultural informou que na etapa que está sendo realizada – de tratamento dos azulejos e cantaria do adro – uma parte dos recursos foi garantida pela Prefeitura Municipal. As próximas etapas serão a limpeza e restauração da fachada da igreja e a restauração do relógio solar e da fonte.
Quem desejar colaborar financeiramente com o projeto Caminhos da Fé pode doar qualquer quantia pela chave Pix caminhosdafepb@gmail.com, em nome da Arquidiocese da Paraíba, ou ainda por meio de depósito na conta-corrente 37650-7, Agência 435, Banco Bradesco (código 237).
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 19 de maio de 2024.