Às quatro da manhã, Mariana Aydar liga entre euforia e constrangimento para Elba Ramalho. Ambas haviam assistido ao show de Hamilton de Holanda e estavam hospedadas à beira do rio em Caraíva, na Bahia. A cantora e compositora paulista queria mostrar para a paraibana um disco voador que avistara no céu naquele momento. Elba saiu do quarto e encontrou Tony Garrido tocando violão e os dois também teriam testemunhado o mesmo forte colorido reluzente da tal nave espacial. Essa foi a inspiração para que elas gravassem ‘Forró do ET’, composição com pegada carnavalesca de Aydar que está no repertório do álbum Veia Nordestina, que ela apresenta amanhã, em João Pessoa.
“Elba é minha grande rainha e madrinha no forró, minha grande referência. Não poderia pensar em fazer um disco de forró sem a presença dela. Nós já vivemos muitas coisas juntas, ela é muito generosa. Me abraçou demais no começo da carreira, quando eu nem tinha banda, só a que me acompanhava – a Caruá. Vimos uma luz, um Ovni no céu de Caraíva – então escrevi essa letra (‘Forró do ET’) e a convidei para cantar”, relembra Aydar sobre a participação de Elba no disco que venceu o Grammy Latino, em 2020, como Melhor Álbum de Música de Raízes em Língua Portuguesa.
Com entrada gratuita, o show em celebração ao ‘Mês das Mulheres’ acontece neste sábado, às 20h, na Praça do Povo do Espaço Cultural José Lins do Rego. A abertura é da beatmaker, DJ, percussionista, cantora e compositora paraibana Luana Flores. Já o show de Mariana Aydar é uma declaração de amor ao forró. Ela faz um mergulho no gênero – misturando-o com batidas eletrônicas, kuduro e axé –, retornando ao ritmo com o qual iniciou sua carreira e depois de se firmar cantando sambas. “Esse show tem muitas mensagens e a mulher como protagonista. Também tem um momento político que, enquanto artista, me faz necessário falar sobre isso. O forró é um ambiente masculino e, geralmente, muito machista, como em todos os ambientes em que a gente vive. Quando fui procurar composições, senti muita falta de ter a mulher como dona de sua história e de seus desejos e vontades”.
Mariana Aydar não é uma alienígena no forró. Ela é filha da produtora Bia Aydar, que foi empresária de Luiz Gonzaga nos últimos anos de sua carreira. Ela cresceu diante da figura mítica do “Rei do Baião”, de quem ganhou uma boneca enorme, que guarda até hoje, e um disco autografado que continha a música ‘Mariana’, homenagem à neta de Gonzagão que Aydar sempre pensou ter sido feita para ela mesma. Casada com o instrumentista Duani, também artista do forró, Aydar estreou no cinema como diretora no documentário Dominguinhos, de 2014, além de comandar o bloco Forrozin, no Carnaval de São Paulo. “Sempre tive uma aceitação muito bonita no forró porque as pessoas veem que é algo que parte do meu coração. Por mais que não seja nordestina, tenho muito respeito e eu levo o Nordeste no coração. Meu timbre é a expressão da minha alma e com ele eu gosto de passear por diversos ritmos musicais”.
Uma das músicas atuais mais ouvidas de Aydar é uma parceria com Chico César, em ‘O futuro já sabia’. “Chico é um grande ídolo que virou um grande amigo. Ele fala que fui a primeira fã dele, que ele entendeu que tinha fã comigo porque eu conheço o Chico desde que ele apareceu em São Paulo e eu tinha uns 14 anos. Na minha festa de 15 anos, pedi aos meus pais um show do Chico César. Ele estava começando a carreira e eu já o amava profundamente. Chico é uma grande referência na minha vida musical e se tornou uma referência na minha vida pessoal também”, detalha a cantora e compositora, que, apesar dessa história, nunca tinha gravado uma parceria com o paraibano antes.
Prestes a completar 20 anos de carreira, a artista lançou ‘Minha missão’, de Paulo César Pinheiro e João Nogueira, gravada por Clara Nunes, como a primeira música de seu primeiro disco. É assim que ela continua enxergando seu ofício: como uma missão. “É muito bom ter a maturidade de 20 anos de carreira. Eu me sinto muito mais tranquila no palco e muito mais empoderada da minha missão. Vejo a música como uma missão espiritual mesmo, de trazer alegria e acalanto para o coração das pessoas. Artisticamente, sempre fiz o que quis e isso é uma coisa muito valiosa para mim. Ver que o forró sempre permeou a minha vida e, hoje, me voltar para isso é como me voltar para aquela adolescente que fugia de casa para ir para os forrós. É como um banho de juventude. Cada vez fico mais velha e me sinto mais nova. Sinto como se estivesse começando tudo, em um novo capítulo da minha carreira”.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 17 de março de 2023.