Notícias

No preparo para uma nova exposição

“Réquiem à vida”

publicado: 20/02/2024 09h07, última modificação: 20/02/2024 09h07
Flávio Tavares está produzindo obras inéditas ligadas à espiritualidade para uma mostra individual que será lançada no segundo semestre
flavio-tavares-última-ceia - Foto Nayanna Diniz Divulgação 4.jpg

Um dos 20 quadros inéditos que serão expostos no Sesc Cabo Branco, na capital paraibana, será o recém-finalizado ‘A Última Ceia’ - Foto: Nayanna Diniz/Divulgação

por Guilherme Cabral*

Um dos momentos bíblicos mais representados do Novo Testamento, a derradeira ceia promovida por Jesus e seus apóstolos é retratada ao longo dos séculos por diversos artistas ao redor do globo. Aqui, na Paraíba, o renomado artista plástico Flávio Tavares finalizou recentemente mais uma das suas perspectivas sobre o evento bíblico. A obra A Última Ceia foi elaborada na técnica óleo sobre tela e mede um metro de altura por 1,5m de largura. A ideia foi sugerida, em janeiro, por um amigo do paraibano.

“Essa é a quarta Santa Ceia que criei, ao longo da minha trajetória de 60 anos como pintor, e eu aceitei esse desafio porque não só estamos num período propício, com a aproximação da Semana Santa, como também por ser o réquiem para Jesus Cristo, o seu último ato sublime que protagonizou, como ser humano, em sacrifício pela humanidade, e ainda para lembrar o sacrifício diário de crianças e mulheres na guerra de Israel contra os palestinos”.

Flávio Tavares antecipou que essa será uma das 20 obras que pretende expor no Sesc Cabo Branco, localizado na cidade de João Pessoa, no segundo semestre deste ano. “O mês ainda será definido, mas pretendo levar obras inéditas, que estejam ligadas à espiritualidade, ao lado místico da vida, com confluência para o lado ecumênico, incluindo o católico, o afro-brasileiro e os ritos dos povos naturais do Brasil e da América”.

É como se fosse uma metalinguagem, pois não há obras originais desse tema porque um artista sempre costuma se inspirar em algo do outro para retratar o assunto - Flávio Tavares

Sobre o quadro que começou a pintar antes do Carnaval, Tavares explica: “Na obra, Cristo aparece tendo a certeza de que seria torturado, executado e sacrificado. Daí a mesa em formato de cruz, como se fosse uma premonição. Na pintura, ainda podem ser vistos o cálice com o vinho, representando o sangue de Cristo que seria derramado, e o pão para ser repartido, simbolizando a nova aliança em favor de todos os seres humanos. E, atrás de Jesus, há um portal em forma de arco para representar a passagem para a outra esfera, a da ressurreição”.

O artista, que nasceu na capital e completou 74 anos de idade no último dia 15, confessou que, além de atender à sugestão do amigo, também lhe deu a vontade de exercitar o trabalho de retratar a última ceia. “É um tema extremamente difícil, que foi muito retratado, ao longo da história, a partir de Leonardo da Vinci (1452-1519) e outros grandes mestres da pintura, como Tintoretto (1518-1594). De lá para cá, esse tema tem sido revisto de várias maneiras pelos artistas, porque é uma celebração para toda a humanidade, um tema que é um réquiem à vida, uma despedida de Cristo. É fácil desafinar num tema como esse, que foi sendo rastreado por outros artistas. Normalmente, quando se fala em última ceia, a lembrança imediata que se vem à cabeça é a do clássico quadro de Leonardo da Vinci. É como se fosse uma metalinguagem, pois não há obras originais desse tema porque um artista sempre costuma se inspirar em algo do outro para retratar o assunto”, disse ele.

Para Flávio Tavares, a pintura A Última Ceia, de Tintoretto, é outra obra interessante. “O artista coloca Jesus Cristo não no centro do quadro, como Leonardo da Vinci faz, mas coloca Jesus entre amigos, os seus discípulos, dando assim um ar mais democrático no sentido de estar compartilhando aquele momento, sendo um dos personagens da cena. Outro aspecto que chama a atenção na pintura de Tintoretto é a perspectiva da mesa, que está na diagonal e há personagens de costas para quem observa o quadro. Já Da Vinci coloca sua obra como um espetáculo dramático, onde Jesus está no meio, representando Deus como o centro da adoração, e tanto Cristo como todos os demais personagens, inclusive Maria Madalena, não estão de costas, mas de frente, como se para confrontar quem observa a cena”, ressaltou Tavares. “Quando eu era garoto, via muito o quadro da última ceia nas casas das pessoas e depois percebi que era a obra de Leonardo da Vinci”, disse ele, que é católico.

Há também outro motivo que levou o artista a pintar o quadro, que o deixa entristecido. “O povo está sendo sacrificado na Palestina, onde inocentes estão sendo sacrificados. Não se justifica que, no século 21, em plena época de avanços da tecnologia, a guerra ainda esteja sendo utilizada, que é o caso mais bárbaro que existe, no sentido de que estão soltando bombas para sacrificar vidas inocentes e destruir localidades”, comentou Flávio Tavares.

O pintor ainda lembrou que a cena também foi tema de artistas naïfs. “Entre os exemplos estão os pintores Raimundo de Oliveira, Antônio Poteiro e Clóvis Júnior, salientando a sacra cena com traços ingênuos, com uma beleza de afrescos que continuam inspirando outros artistas e influenciou e embasou a corrente estética do surrealismo de Salvador Dalí”.

Produzir A Última Ceia também proporcionou Flávio Tavares “revisitar” um determinado período de sua adolescência. “Foi quando eu tinha 14 ou15 anos de idade, e, como participante, entre outros alunos, do Atelier Livre, do então Departamento Cultural da Coex, da UFPB, éramos levados pelo artista Raul Córdula para a Igreja São Francisco, em João Pessoa, para aprendermos a desenhar e pintar corpos humanos a partir do que víamos nas obras sacras ali existentes, que foram aulas magníficas”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 20 de fevereiro de 2024.