O ano de 2024 será histórico para o cinema paraibano. O número recorde de pelo menos 14 longas-metragens estará em produção no próximo ano, algo inédito para o estado que, durante todo o ano de 2023, teve só um longa lançado que ficou restrito aos circuitos de festivais, com Cervejas no escuro, de Tiago A. Neves. O maior responsável por essa completa transformação é a Lei Paulo Gustavo (LPG), que através de editais do Governo do Estado e da Prefeitura de João Pessoa está investindo quase R$ 10,5 milhões em oito documentários e seis ficções paraibanas.
Essa é uma projeção cautelosa e a realidade pode ser ainda mais impressionante. É que esses números se referem apenas aos projetos que buscam financiamento para a completa produção dos filmes, mas existem outros longas que tiveram aprovados repasses para fases específicas de sua criação, como 17 projetos para desenvolvimento de roteiro, dois para difusão e três para finalização das obras cinematográficas, como é o caso de Malaika, aguardado longa de André Morais com previsão para lançamento também no próximo ano. A este panorama devem ser somados ainda a produção de oito séries, 180 curtas-metragens e 42 videoclipes.
“Isso é uma coisa fantástica, nunca aconteceu antes. A Paraíba tem tudo para despontar como um grande produtor de cinema por conta desses fomentos. A gente saiu de quatro anos de muitas trevas e estamos entrando na luz. Isso é muito auspicioso e estimulante ver esses editais valorizando a classe artística, movimentando a indústria do cinema”, classifica o cineasta paraibano Bertrand Lira, que vai lançar no próximo ano o documentário em longa-metragem Trapiá. O projeto audiovisual foi aprovado pelo edital estadual da Lei Paulo Gustavo com um montante de R$ 250 mil.
Esse será o primeiro longa-metragem da produtora de Marcélia Cartaxo, que terá Bertrand Lira como diretor e roteirista do filme que se passa numa comunidade localizada no sítio Trapiá, no município de Nazarezinho, Sertão da Paraíba. O documentário reunirá histórias de vida dessas pessoas, retratando o cotidiano da comunidade que está dividida entre os costumes mais antigos e os mais novos. “Os jovens já estão ligados com internet, redes sociais; e pessoal mais adulto, mais antigo, ainda mantém a tradição de sentar na varanda e conversar. São histórias interessantes de amores, sabores e da vida dessas pessoas”, descreve o realizador paraibano.
As gravações devem ser realizadas entre os meses de maio e junho para ter como cenário a realização do São João e de um festival de cinema que ocorre na comunidade. Com previsão de lançamento para o final de 2024, o projeto começou a ser pensado durante a pandemia, período em que as produções audiovisuais foram muito prejudicadas, reprimindo uma demanda criativa que agora encontra sua vazão, como explica o Gerente de Difusão Audiovisual da Secretaria de Cultura da Paraíba, Heleno Bernard. “Muita gente escreveu, mas não teve recurso ao longo dos anos para produzir os longas, e agora estão aparecendo essas oportunidades. Acredito que, até 2030, a gente vai ter recordes de lançamentos entre os estados, e isso vai ser muito bom”, adianta o gestor.
Os recursos da LPG privilegiam o setor audiovisual porque eles têm como fontes os superávits do Fundo Setorial do Audiovisual e de outras fontes de receita vinculadas ao Fundo Nacional de Cultura. Aprovada no ano passado, a LPG poderia ter sido executada ainda no governo de Jair Bolsonaro, mas o ex-presidente vetou o projeto.
Destino final: público
Cada um desses longas-metragens movimenta uma vasta cadeia produtiva que emprega entre 200 e 300 profissionais de especialidades diversas envolvidos diretamente na produção. Pensar em todas as fases desse processo é um dos diferenciais dos editais da LPG, como destaca o chefe da Divisão de Audiovisual da Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope), Paulo Roberto. “Nós tivemos, pela primeira vez, a capacidade de criar um edital que pensa o desenvolvimento de uma cadeia que vai desde fomentar o desenvolvimento do roteiro, perpassa pela produção e também pela difusão no fomento a festivais audiovisuais”.
Para que todas essas produções possam finalmente chegar ao seu destino final, o público, os editais contemplam ainda o fomento a realização de 32 festivais, a instalação ou manutenção de 13 salas de cinema de rua ou itinerantes, além de financiar 97 projetos de realização de mostras e festivais por todo estado da Paraíba. “Existem ainda situações inéditas com relação à formação, que garantem que profissionais do audiovisual possam se qualificar para exercerem de forma melhor as suas funções”, acrescenta Paulo Roberto.
Pensando justamente no diálogo direto com o público, um dos projetos com maior repasse financeiro para um longa-metragem aprovado pela Funjope é de uma comédia de erros e de situações que busca uma estrutura narrativa mais clássica e convencional. É o caso de Bom dia, vizinho, de Jackson Kakito, que garantiu R$ 1,5 mi para a sua produção. Sem esse investimento seria impensável que o filme pudesse ser realizado, como atesta o produtor do longa, Raphael Aragão.
“A gente, na Paraíba, tem uma tradição muito grande em realizar curtas metragens e também documentários. Está na fase agora que a gente pode engatar os longas metragens também de ficção. É um momento chave que pode trazer um diferencial muito grande para a cidade e para o Estado. É o momento para estruturar melhor a cadeia do audiovisual daqui e de a gente poder realmente se colocar no cenário nacional também, de uma forma mais constante”, aponta o realizador. Raphael Aragão atua em parceria com Thalita Sales na produtora Cabradabra Filmes, que possui em seu portfólio cinco curtas e o longa Estrangeiro, realizado em 2018.
O enredo da comédia com cenas de ação se desenvolve a partir de um simples bom dia dado ao vizinho de um prédio próximo. Alguns personagens começam a criar uma teoria da conspiração em relação àquele vizinho que eles não conhecem e a cada tentativa de solucionar o mistério acaba resultando em um problema ainda maior. “A ideia de Bom dia, vizinho é se afastar de alguns tipos de comédia produzidas no Nordeste, no sentido de que elas trazem a nossa maneira de falar e de vestir, que é considerado diferente para o Sul ou para o Sudeste, por exemplo. A ideia é que a nossa comédia seja realmente universal para trazer público para o cinema”, complementa Aragão.
A pré-produção de Bom dia, vizinho começa no final de 2024, para que, até o final de 2025, o longa-metragem possa estar nos cinemas de todo país, como é o desejo dos realizadores.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 28 de dezembro de 2023.