Em agosto, surgiu a notícia de que o poeta e cantador Oliveira de Panelas, artista pernambucano radicado na Paraíba há quase 50 anos, iria se aposentar dos palcos depois de 64 anos de carreira. E que, inclusive, teria marcado uma apresentação de despedida, no Teatro Paulo Pontes, em João Pessoa. “Eu cancelei, tanto o show quanto a despedida”, respondeu ele, em conversa com a reportagem de A União. Pois ao invés de promover uma apresentação para encerrar sua trajetória, o cantador subirá ao palco da Sala Vladimir Carvalho na Usina Cultural Energisa, na capital, neste sábado, a partir das 20h, para celebrar sua permanência junto ao público: Uma Noite com Oliveira de Panelas terá participações de artistas locais, com depoimentos e duetos. Os ingressos custam R$ 30 e podem ser adquiridos por meio de depósito na chave Pix 64440680887.
Nascido no Sítio Contador, em Panelas, cidade do Agreste de Pernambuco, Oliveira Francisco de Melo começou a escrever seus primeiros versos ainda criança, ouvindo seus futuros colegas pelas ruas do município de origem. “Era um dom, né? Ninguém repassa ele para ninguém”, assevera. Com o incentivo dos pais, lançou-se como cantador nos espaços públicos de Panelas ainda adolescente, tornando-se profissional aos 16 anos. Sua primeira cantoria foi com o conterrâneo Josué Rufino. “Nessa idade, saí de casa para tomar conta do meu próprio destino. Quando avisei ao meu pai, ele me perguntou, ‘Você vai mesmo?’. Não tinha um destino certo, mas sabia que iria ser um poeta cantador”, afirma Oliveira.
Em 1962, chegou ao município de Garanhuns e passou a trabalhar na radiodifusora de lá, fazendo dupla com Voador da Paraíba, por oito anos. O “guri do interior”, como ele chama a si mesmo, partiu, então, para o estado de São Paulo, no início dos anos 1970, onde viveu e trabalhou, com dificuldade e afinco, por cinco anos.
De lá, migrou para a Paraíba, em 1976, onde fixou morada desde então. “Eu nem conhecia João Pessoa, nem estava no meu script. Ainda em São Paulo, me encontrei com Otacílio Batista, então artista da Rádio Tabajara, que me convidou para trabalhar e morar aqui. Fiz uma experiência de 30 dias, mas não ‘vi muita gordura’”, rememora.
Ele insistiu e trouxe, na segunda oportunidade, toda a sua família para morar na Paraíba. Travou divergências com Otacílio, alegando que o artista tinha “ciúmes” quando Oliveira tocava com outros cantadores. Todos esses entraves foram superados e a dupla seguiu junta pelos 25 anos seguintes, até que o poeta de Panelas decidiu alçar voo solo. “Apesar de todas as dificuldades, deu tudo certo. E daqui não saí mais”, decreta Oliveira.
Não é o fim
Depois de quase duas décadas declamando versos, Oliveira decidiu publicar seu primeiro livro: O Comandante do Planeta Médio, misto de poemas e texto em prosa, lançado em 1977, no Pavilhão do Chá, no Centro de João Pessoa. “Vendi 777 exemplares. Olha que impressionante”, declara Oliveira, sobre a coincidência com o numeral sete.
Em quase 50 anos, ele acumula 22 livros e um sem-número de obras impressas, que incluem também livretos de cordel, impressos desde a década de 1960, e textos teatrais. “Tenho outras 10 obras para serem publicadas. Um deles é o Olivérbios, em que eu reúno mais de mil reflexões existenciais e poéticas”, projeta o artista.
Já consolidado dentro e fora do Nordeste, em 1997 ele venceu o Primeiro Campeonato Brasileiro de Poetas Repentistas em São Paulo, disputando com outros 105 artistas durante 22 semanas. “O evento teve cobertura da Folha de S. Paulo e até do jornal francês Le Monde. Um crítico paulista me definiu como o ‘Pavarotti do Sertão’. De passagem pelo aeroporto, outro colega cantador viu a manchete e comprou um exemplar do jornal para mim. E o apelido pegou”, recorda.
Um ilustre conhecido de Oliveira não gostava dessa alcunha. “Ariano Suassuna detestava que me chamassem assim. Ele dizia que o Pavarotti original só ‘gargarejava’ as canções prontas. E eu, além de cantador, era poeta, repentista, dramaturgo”, cita, com orgulho.
Cantando para o Rei
Além do momento em que recebeu o prêmio como melhor cantador nesse campeonato, em São Paulo, ele elenca sua apresentação na França, ao lado de Lourinaldo Vitorino, no ano seguinte: “Foi na Feira do Livro de Paris e o Brasil estava sendo homenageado. Nos aplaudiram de pé. Na plateia, estavam Lygia Fagundes Telles, Paulo Coelho, Jorge Amado e Chico Buarque. Ali eu chorei”. Ele também celebra o fato de ter cantado, em três ocasiões diferentes, para Roberto Carlos: “Uma delas foi aqui na Paraíba, no Badionaldo, em Cabedelo. Outras foram em São Paulo. O Rei me ouviu bem de pertinho e também me aplaudiu”.
Oliveira sustenta que sua decisão de encerrar a carreira partiu da falta de espaços e de apoio do Poder Público nos últimos anos. Seu objetivo inicial, agora descartado, era fazer apresentações intimistas, apenas para amigos. “Me sentia boicotado nesses editais de fomento. Mas cheguei a conclusão de que sempre vivi da minha arte sem a ajuda de ninguém. Além disso, recebi uma avalanche de pedidos para que não parasse. E não vou parar mesmo”, reitera.
Participam do show de hoje, com depoimentos, Rangel Júnior, Chico Pereira, Beth Baltar, Roni Victor, Ademilson José e Jatobá. Já Eulina Barbosa, Haidée Fonseca, João Vilar, Lucas Oliveira, Maria Oliveira e Paulo Cruz se apresentam junto com Oliveira, em sua cantoria. Voltando ao passado para fazer um balanço dos 64 anos de carreira, ele menciona com carinho o apoio que recebeu do pai, seu Antônio Francisco, enquanto ele esteve vivo. “Nasci de família humilde, éramos 11 irmãos e tínhamos apenas uma casinha para morar. Trabalhei na enxada e enfrentei até a subnutrição. Mas meu pai, que me levou para a primeira cantoria, tinha um sonho. Eu sou hoje o cantador que ele não pôde ser”, declara o artista.
OLIVEIRA DE PANELAS
- Sábado, às 20h na Sala Vladimir Carvalho (Usina Energisa, Av. Juarez Távora, 243, Centro, João Pessoa).
- Ingressos: R$ 30.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa no dia 16 de agosto de 2024.