Notícias

literatura

A cidadania da língua portuguesa

publicado: 07/08/2024 09h31, última modificação: 07/08/2024 09h31
Os 500 anos do português Luís de Camões são lembrados em conferência na próxima sexta, na FCJA
Camões - 03.jpg

O poeta português Luís Vaz de Camões é um dos maiores representantes da literatura lusófona e autor de “Os Lusíadas” | Foto: Reprodução/USBarcelos

por Daniel Abath*

Luís Vaz de Camões é detentor de uma vasta obra poética, da qual se destaca Os Lusíadas, a famosa epopeia da língua portuguesa. Ao longo de seus 55 anos de vida, Camões viveu uma experiência de peregrinação, viagens, contatos e interações com diferentes povos, línguas e culturas. Imbuído de um tal espírito desbravador como possibilidade de trocas culturais, o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado da Cultura (Secult) e da Empresa Paraibana de Comunicação (EPC) realizará na próxima sexta (9), às 8h30, na Fundação Casa de José Américo, a Conferência Camões 500 anos — Uma Nova Cidadania para a Língua, em parceria com a Associação Portugal Brasil 200 Anos (APBRA). Aberto ao público, o evento contará ainda com a mesa “A importância das feiras e festas literárias para a promoção do direito à literatura”, com direito a certificado para os ouvintes.

O português José Manuel Diogo, presidente e fundador da APBRA, comporá a primeira mesa, homônima ao evento, como conferencista, juntamente com Janile Pequeno Soares, professora do Uniesp, e Marcelo Vieira de Nóbrega, professor da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), com mediação de William Costa, diretor de Mídia Impressa da EPC.

José Manuel participará ainda da mesa seguinte, intitulada “A importância das feiras e festas literárias para a promoção do direito à literatura”, com participação do secretário de Estado da Cultura, Pedro Santos, do coordenador da Feira Literária de Campina Grande (FLIC), Stéllio Mendes, e da coordenadora da Festa Literária Integrada da Paraíba, Jacklaine Almeida, que discutirão sobre as 18 festas literárias que acontecem em todo o estado.

José Manuel Diogo é um amante da língua portuguesa e da história de aproximação entre Brasil e Portugal

Parceria d’além mar

José Manuel é um amante da língua portuguesa e da história de aproximação entre Brasil e Portugal. Ele lembra que foi por meio de encontros com intelectuais e líderes do nosso estado que sua proximidade com a Paraíba pôde se estabelecer: personalidades políticas dotadas de uma visão de fortalecimento de laços educacionais e culturais, tais como o governador João Azevêdo.

O português, que já possui outras ações culturais no Brasil, a exemplo do projeto 200 Anos, 200 Livros, explica que o seu interesse específico pela Paraíba surgiu em abril do ano passado, a partir de um encontro com o governador na Feira Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL). Além disso, uma entrevista concedida à coluna do conferencista — Gente de Lá e de Cá — foi determinante para esse contato, já que nela João expressou sua cosmovisão a respeito da cultura e da literatura como fortes elementos de ligação entre nações distintas. Entre outras razões, José Manuel também teve um avô que migrou para o Pará, compondo capítulos adicionais da sua paixão pelo Brasil.

“A Paraíba, com sua rica tradição literária e cultural, sempre me atraiu como um espaço fértil para a promoção de iniciativas que valorizam a língua portuguesa. Paraíba é berço de alguns dos mais importantes nomes da literatura brasileira. José Américo de Almeida, autor do seminal A Bagaceira, e o icônico poeta Augusto dos Anjos, cuja obra Eu é um marco da poesia nacional, são exemplos da profunda e variada tradição literária. Além disso, a ligação de Ariano Suassuna com a Paraíba e sua contribuição com o Movimento Armorial reforçam o valor cultural da região”, destaca João Manuel, demonstrando seu conhecimento e interesse pelos artífices literários da nossa terra.

A cidadania para a língua

O motivo principal das discussões à mesa de abertura gira em torno do conceito de cidadania linguística, o qual José Manuel pretende abordar como algo que sobrepuja quaisquer fronteiras, sejam elas geográficas ou mesmo políticas. Ele esclarece seu ponto de vista: “Para mim, cidadania para a língua significa reconhecer e valorizar a língua portuguesa como um patrimônio comum que deve ser protegido e promovido globalmente. Discutiremos a importância de uma nova abordagem que envolve a participação ativa de todos os falantes de português na preservação e expansão da nossa língua, promovendo assim uma identidade cultural compartilhada”. 

Pintura de Antônio Carneiro de 1927 imagina Camões lendo “Os Lusíadas” para frades dominicanos | Imagem: Antônio Carneiro/ Reprodução

O professor Marcelo Vieira, que também enfrentará a discussão, afirma que essa é uma oportuna ocasião para se refletir sobre a língua em suas relações de dinamicidade e poder, tendo em vista que a produção de Os Lusíadas se deu há quase 500 anos, sob determinadas circunstâncias sócio-históricas. No Brasil de hoje, caracterizado por gravíssimos problemas educacionais, poderíamos falar em um novo português brasileiro, que é falado pelo povo e reinaugura a canonicidade acadêmica da língua no chão das práticas cotidianas.

“Eu entendo cidadania para a língua precisamente na necessidade de se discutir que a língua, por ser expressão cultural de um povo, da vida, das circunstâncias do dia a dia por ser essa expressão ela por si só exerce sua cidadania. A inclusão linguística no combate ao preconceito linguístico, o respeito aos diferentes falares e até escreveres, o respeito à inclusão das diferentes manifestações linguísticas, dos diferentes dialetos, isto constitui o cerne do que eu chamo de cidadania para a língua”, defende Marcelo, confiante nas contribuições da conferência para a desmistificação dos hermetismos da língua portuguesa.

José Manuel também irá compartilhar as suas experiências com a Feira do Livro de Coimbra, o Festival Literário Internacional de Óbidos (Folio), o Festival Coimbra Cidade de Camões, entre outras. Ele cita ainda a expressão latina finis terrae (fim da terra), como um conceito aplicável à Paraíba, bem como à cidade de João Pessoa, no que tange à demarcação fundante de uma (des)territorialidade cultural.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 07 de agosto de 2024.