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Literatura

A história do Brasil em pequenas doses

publicado: 24/04/2024 09h35, última modificação: 24/04/2024 09h35
Ramalho Leite lança amanhã, em Manaíra, o livro ‘Pequenas Histórias para Quem Tem Preguiça de Ler as Grandes’

por Esmejoano Lincol*

Ramalho Leite resolveu escrever a obra quando se viu preocupado com uma geração que prefere ler pelo celular | Foto: Evandro Pereira
Com Era o Que Eu Tinha a Dizer, Ramalho Leite, político, jurista, cronista e atual presidente da Academia Paraibana de Letras (APL), tinha sentenciado o término de sua produção literária, em livro autobiográfico publicado em 2022, num título sugestivo e alusivo ao encerramento deste ciclo. Todavia, o escritor, nascido no antigo distrito de Borborema, em Bananeiras (hoje município independente), passou a observar inquieto um fenômeno contemporâneo, que, segundo ele, assola muitos dos leitores atuais.

Achou-se, por fim, compelido a escrever um novo livro, interrompendo sua pronunciada aposentadoria, voltando seu discurso para um público bem específico. Pequenas Histórias para Quem Tem Preguiça de Ler as Grandes é o nome autoexplicativo da publicação que Ramalho lança amanhã, em evento promovido pela Confraria Sol das Letras, coletivo de cultura pessoense. Será a partir das 17h30, na Livraria do Luiz do Mag Shopping. “Eu mesmo pensava que nunca mais publicaria outra coisa”, sentencia Ramalho, às vésperas da solenidade.

O livro é composto por minitextos em tom de crônica política que fazem um apanhado da história do Brasil a partir de “causos” ocorridos em nossas terras desde o descobrimento até a contemporaneidade; tem edição da Editora MVC, mas foi impresso no parque gráfico da Empresa Paraibana de Comunicação (EPC). O prefácio foi escrito pelo jornalista Rubens Nóbrega e as ilustrações, incluindo a imagem que estampa a capa, foram elaboradas pelo artista plástico Flávio Tavares. Cada história não ultrapassa nove páginas, condensando em poucos caracteres um sem-número de fatos que compõem cada momento abordado, desenvolvidos a partir de pesquisa do próprio Ramalho. 

“Instigado por essa febre do celular, dessa geração que não é chegada ao livro impresso, e que prefere ler com os dois polegares no aparelho, decidi selecionar essas histórias sucintas, destinadas a este público”, justifica o autor. Na dedicatória que abre seu novo trabalho, Ramalho expande sua crítica em um tom mais duro àqueles pouco afeitos aos livros em formato físico. “Para esses, ler com os dedos é preferível ao cheiro da tinta e ao suave ruído de virar a página de um livro. Enfim, são dominados pela inteligência artificial e pela preguiça mental”, diz, repreendendo, o presidente da APL.   

Histórias de Joãos

São três capítulos, divididos por marcos históricos. O primeiro, “De Cabral a Pedro II”, trata da formação do Brasil enquanto colônia portuguesa, época em que a Coroa trazia degenerados europeus para o degredo em nosso país e que teriam “ajudado” na gênese da corrupção brasileira, estendendo-se até o reinado de nossos últimos imperadores, na virada para o século 20. “Os silvícolas pediam pouco. Encantaram-se com as contas de um rosário e pediram-nas de presente, enfeitando de logo seus pescoços. Através de gestos, propunham a troca das contas por ouro e prata, que, ao que indicava, era abundante na nova terra”, relata Ramalho em texto sobre o encontro dos nativos com a tripulação portuguesa.  

“De Deodoro a João Pessoa”, o segundo capítulo, trata do início da República no Brasil, indo até a crise política provocada pelo assassinato de nosso antigo governador. O presidente da APL rememora que um dos primeiros decretos da recente República foi assinado por um paraibano – Aristides da Silveira Lobo, ministro do Interior que poucos meses depois de sua nomeação deixou o cargo, rompido com o marechal-presidente. No texto “Nossa primeira Carta Magna instituiu a pensão vitalícia”, o imortal trata da promulgação do decreto que estipulava o chamado “montepio”, forma de amparo financeiro aos dependentes dos funcionários do Ministério da Fazenda.

Finalmente, em “De João a João”, o terceiro capítulo de Pequenas Histórias, Ramalho faz um paralelo entre duas figuras de mesmo nome com uma distância temporal de mais de 90 anos – João Lélis de Luna Freire, repórter de A União que foi “correspondente de guerra” dos conflitos regionais que eclodiram no Nordeste na década de 1930, e João Azevêdo, o atual governador. “Quando se trata de João a safra é enorme. João Azevêdo Lins Filho é o sétimo João da era republicana (...). Fosse vivo, o nosso Jackson modificaria sua letra e diria ‘Vige como tem João/Como tem João lá na Paraíba’”, brinca Ramalho, ao parafrasear versos que outro ilustre conterrâneo nosso imortalizou ao pandeiro.

O jornalista Ramalho

Quando perguntado sobre quem veio primeiro – se o homem político ou o homem das letras – o presidente da APL responde sem titubear. “Eu nasci político, acompanhando meu pai (Arlindo Rodrigues Ramalho), que também atuava na área. Mas ainda estudante de Direito, eu me lancei no jornalismo. Comecei na Tribuna do Povo, publicação do partido UDN que era uma espécie de ‘filial’ de A União, porque os dois jornais estavam em sintonia com os interesses estatais da época”, relembra Ramalho. 

Nesta mesma época, ele iniciou sua trajetória política como vereador de Borborema, vindo a ser nomeado secretário municipal de João Pessoa tempos depois, em atividade concomitante com a profissão de promotor de Justiça na capital. No ano passado, decorridos quase 60 anos de sua mudança para cá, ele recebeu da Câmara Municipal o título de cidadão pessoense. Foi deputado – estadual e federal – acumulando mandatos por quase duas décadas entre os anos 1970 e 1990. Ele, no entanto, nunca largou a crônica política, publicando uma dezena de livros neste período. Dentre as obras editadas estão: Da Licença um Aparte, Nos Espelhos do Palácio, O Poder de Bom Humor, Em Prosa e no Verso e O Vendedor de Calúnias.

Testemunha da história política brasileira, Ramalho acompanhou as transformações neste setor desde antes do Golpe Militar de 1964, culminando nas eleições diretas para presidente da República, na segunda metade dos anos 1980. Quando indagado se chegou a sofrer com perseguição do regime em sua atividade política ou jornalística, o escritor evoca episódio da época em que também manteve um programa de entrevistas na Rádio Tabajara (Encontro Marcado). “Nunca houve uma censura direta, mas dias depois de ter convidado Dom Helder Câmara para o estúdio, figura por quem os militares não nutriam simpatia, meu programa saiu do ar sem maiores explicações. Mas nem precisava explicar”, lamenta.

Os jovens e a APL

E há remédio para o “leitor de celular”? Ramalho esmiúça os planos que a Academia Paraibana de Letras pretende executar nos próximos meses, para aproximar os autores paraibanos dos alunos da rede municipal de ensino – fazendo isso através de seus próprios aparelhos eletrônicos. “Estamos executando um projeto para promover oficinas de literatura com professores e estudantes em cinco escolas da capital. Os alunos que comparecerem às oficinas terão seus contatos catalogados e a partir daí haverá a realização de outra proposta”, detalha.

O segundo projeto indicado pelo escritor é o Livro Falado, recentemente aprovado junto à Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope). “Gravaremos em vídeo resenhas de livros de autores paraibanos que serão distribuídos através dos números de telefone dos estudantes. Nosso objetivo é atingir essa juventude que não gosta de ler, a princípio, mas que pode conhecer o livro através do material audiovisual, que será apresentado pelos acadêmicos da APL. Pretendemos incentivar a leitura das obras, despertando a curiosidade e melhorando, por consequência, outros aspectos, como a redação desses jovens”, finaliza Ramalho.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 24 de abril de 2024