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A história do pai da Velta

publicado: 22/10/2024 09h39, última modificação: 22/10/2024 09h39
Quadrinhista paraibano é o tema de uma biografia lançada em São Paulo: “Emir Ribeiro, o Exército de um Homem Só”
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O paraibano e sua principal criação: a super-heroína Velta | Foto: Leonardo Ariel

por Esmejoano Lincol*

“Independência ou morte”, quadro do poeta e pintor paraibano Pedro Américo, imortalizou um momento importante para a história de nosso país – o Grito do Ipiranga. Poucos sabem, mas Américo tem parentesco com outro artista visual conterrâneo: Emir Ribeiro, o seu familiar distante, que acaba de ganhar uma biografia, lançada pela editoras Criativo e GRRR!. O título, O Exército de um Homem Só, resume, logo de cara, o trabalho heróico e isolado do quadrinista com mais de cinco décadas de atuação, e revela, dentre outras coisas, a proximidade do artista com o famoso pintor e a consonância com o tema do icônico quadro: a independência.

O biógrafo de Ribeiro, o paulista Nobu Chinen, pesquisa e escreve sobre quadrinhos desde os anos 1980. A partir de seu ingresso no Observatório de Quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), seguiu trajetória acadêmica estudando o gênero pelo qual tem predileção. Chinen explica que foi convocado para esse projeto por Márcio Baraldi, editor do selo GRRR!. O livro sobre Emir dá continuidade a uma série de biografias de quadrinistas brasileiros, publicadas nos últimos anos em parceria com a Criativo, e que remontam a história de outros artistas visuais nacionais, como Julio Shimamoto, Miguel Penteado e Carlito Cunha.

Ribeiro e Chinen nunca se encontraram pessoalmente – as conversas se deram à distância, por chamada de vídeo. “Também recorri a diversas fontes de pesquisa: gibis que eu tenho, acervos de amigos, matérias de jornal que fui coletando durante anos, desde quando não existia internet. Munido dessas informações, fiz as entrevistas com o autor”, detalha o biógrafo. Um dos dados que mais chamou a atenção de Chinen, enquanto pesquisava sobre o paraibano, foi sua forte atuação com fanzines, como são chamadas as publicações amadoras voltadas para temas específicos. “Ele é conhecido no circuito dos quadrinhos e, notadamente, entre os ‘fanzineiros’”, pontuou.

Emir Ribeiro – O Exército de um Homem Só enfoca, com textos, fotos e desenhos, o trabalho hercúleo do paraibano, que começou a desenvolver seus personagens aos dez anos e emplacou publicações, ainda na juventude, em revistas e jornais locais, incluindo A União: Velta, sua heroína cinquentenária e mais conhecida; o indígena Itabira, baseado em povos originários paraibanos; e o Homem de Preto, herói mascarado, que foi transposto para o audiovisual nos anos 1990. “Ele escrevia e desenhava as histórias, produzia as revistas e ia atrás de gráficas para impressão, muitas vezes contando com apoio de terceiros, mas basicamente, era ele quem fazia tudo”, revelou Chinen.

Para além das curiosidades que ajudaram a formar e consolidar o artista Emir Ribeiro – a hiperatividade na infância, o empreendorismo precoce na adolescência e a parceria com seu pai, o professor Emilson Ribeiro, na edição de História da Paraíba em Quadrinhos, de 2000 (compilação de tirinhas publicadas em A União) – o biógrafo ainda destaca como dado relevante o grande quantitativo de histórias produzidas nesses 50 anos, levadas em paralelo a outras profissões que Emir teve no período. “Também surpreende o quanto ele produziu para o mercado norte-americano, quase sempre sem o devido crédito, e algumas das artimanhas que ele utilizou para deixar sua marca pessoal lá fora”, destaca o Chinen.

 Pelotão independente

 Emir Ribeiro recebeu a reportagem no seu apartamento, em João Pessoa, para falar sobre sua biografia, pedindo para não reparar na bagunça, a despeito de seu local de trabalho ser impecavelmente organizado e adornado por cópias de suas revistas e quadros com seus personagens. 

Ele rememora, com orgulho, que seu primeiro emprego foi justamente em A União, ainda que já tivesse alcançado espaço em outros periódicos, desde os tempos de escola. “A partir de 1o de agosto de 1975, comecei a publicar tiras diárias no Segundo Caderno de A União e depois no seu suplemento infantil, O Pirralho. Ali, eu senti que estava a caminho da profissionalização”, evoca o artista.

Em 1978, passou a publicar suas próprias revistas e distribuí-las, ainda a nível local, ao mesmo tempo em que atuava como servidor público e cursava universidade. Na segunda metade dos anos 1980, seus heróis começaram a ser consumidos em outros estados, dentro e fora do Nordeste, êxito que lhe propiciou, já na década de 1990, a parceria com o também paraibano Mike Deodato Jr., desenhando como ghost artist para a DC e a Marvel, dando vida a heróis como Hulk, Mulher Maravilha e Elektra; na época, ele assinava seus traços como Deodato Studios. “Hoje, como dizem os pesquisadores, sou muito mais conhecido em outros estados do Sul do Brasil  do que na Paraíba”, declarou.

Suas publicações mais recentes, os três volumes comemorativos da heroína Velta, estrearam no ano passado, data em que a personagem celebrou seus 50 anos de existência. Hoje, praticamente aposentado, diz que se dedica mais à “profissão de avô”, dando, ainda, suporte para os pais idosos.

Todavia, o trabalho solitário na escrivaninha de casa não para, mesmo que agora apenas por hobby, aos 65 anos de vida. “Arranho um pouco do Photoshop apenas quando preciso fazer uma arte para divulgar as revistas. Mas não me acostumei com o computador, nem com a Inteligência Artificial. Todo o meu trabalho sempre foi feito à mão e continuará sendo”, finalizou Emir Ribeiro, reforçando a posição no seu pelotão solitário.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 22 de outubro de 2024.