“Não saber mais quem sou é o maior de todos os mundos”. Com esse mote, a multiartista campinense radicada na capital, Bianca Rufino, montou o quebra-cabeças de Entre, seu terceiro livro de poesia — pelo selo Jirau (de autopublicação) —, que será lançado hoje, a partir das 20h, em um “show-sarau” na Sala Vladimir Carvalho da Usina Cultural Energisa, na capital, com entrada franca. O livro (em capa dura) pode ser adquirido no local ao valor de R$ 60 (por Pix). A autora pretende abrir em breve uma loja virtual para a venda do título na internet, além de distribuir a obra por livrarias da cidade. A versão digital do livro deve ser lançada no fim do ano.
“Eu chamo de um ‘show-sarau’, porque, dentro desse show, vamos ter performances diversas”, explica a poetisa, que estará se apresentando com sua banda em um pocket show, dentre as diversas participações especiais da noite. A depender do público e do horário, Bianca tenciona, além disso, interagir com o público, abrindo o microfone para quem estiver no local e deseje se expressar de alguma forma.
Entre os convidados para a festa de celebração, estão Elon, Nathalia Bellar, Fuba, Furmiga Dub e, possivelmente, Seu Pereira, cada qual apresentando suas contribuições ao evento, em um estilo de apresentação performatizado, que é muito próprio a Bianca. “Eu vou tocar violão sozinha, vou tocar com a banda, do nada vai entrar Furmiga Dub, do nada vai ter uma projeção com as figuras do livro, com poesias concretas. Vai ser uma coisa assim, performática”, detalha.
Entremeio
Zíngara (Triluna, 2021), primeiro livro de poesia da autora, resulta de um momento em que esteve absorvida por diálogos sobre temas como corpo, território, retomadas e ancestralidade. “No Entre eu acredito que são encontros ao mesmo tempo mais profundos, mas é um encontro com toda a diversidade que mora em mim”, define. A obra atual congrega 14 paisagens temáticas que versam sobre afeto, solidão, permanência e não lugar. “Enquanto em Zíngara eu trouxe o lugar, esse é a desconstrução de tudo”.
“Não lugar”, “lugar do meio” ou “interstício” são termos apropriados para designar o cerne da obra, que se pretende não localizável, menos preocupada com a noção de identidade. Bianca afirma que o título do livro precisa exatamente o lugar do meio, e que o mote da obra surge a partir de um momento muito especial que viveu.
“Um lugar que é tudo e é nada; é multidão e é solidão. Um lugar assim mais complexo e ao mesmo tempo mais simples, mais plural. Menos pureza, mais pluralidade”, destaca Bianca. Enquanto em Zíngara sua vontade era a de se comunicar principalmente junto ao público feminino, Entre propõe a construção de uma abertura poética direcionada a toda e qualquer pessoa, por meio de um eu lírico, em suas palavras, “andarilho, que transita por vários bandos”.
A autora conta que a obra (com 184 páginas) foi concluída em menos de 15 dias. A proposta, concêntrica a essa ideia de pluralidade, buscou ser diversa também em seus aspectos de linguagem e formas de expressão, alternando entre o verbo e recursos visuais, como fotografias e gravuras. Há páginas que possuem uma única palavra. Em outras, poesia concreta, poesia proseada e até mesmo gravuras do corpo de Bianca ou fotografias de lugares pelos quais passou durante o tempo que entremeou a construção da obra.
Crise
Quase desmaiando, em meio a uma crise de ansiedade muito forte, Bianca colocou para tocar a instrumental “Duarte da Silveira, domingo de carnaval”, do álbum Ciranda de Maluco, Vol. 1 (2015), de Escurinho, que costuma lhe acalmar em ocasiões como essa. “Eu comecei a dançar e pensei: ‘Vou gravar, com tinta nanquim, isso que eu tô vivendo agora’. Peguei umas cartolinas aqui em casa, peguei a tinta e me pintei inteira, no meu corpo, e comecei a registrar essa crise de ansiedade, e aí gerou as imagens do livro e todo o conceito visual”, comenta.
A capa de Entre traz, inclusive, o registro das mãos impressas de Rufino durante o episódio de pânico. A autora afirma ter pensado a obra com bastante carinho, considerando-a como seu trabalho mais bonito até aqui. Ela também criou um selo próprio de publicação, o Jirau, fugindo da lógica editorial de mercado que, em sua concepção, imporia várias barreiras à construção e publicação do livro. A elaboração visual da obra ficou a cargo do designer gráfico paulista Daniel Justi, que atendeu ao convite de Bianca para a parceria.
Ela conta ainda que passou a enxergar o mundo com o olhar mais crítico da poiesis artística desde a infância, despertando a paixão pela poesia durante um período em que tinha dificuldades para se comunicar. Autodeclarando-se introvertida, credita, portanto, à escrita o poder de transpor uma tal incomunicabilidade com o mundo, vencendo, por meio da arte, os lugares opressivos da vida.
Degelo
Com Entre, a pretensão de Bianca é conectar, afetar, por um processo que classifica como sendo de descongelamento. “Poesia que não descongela, não alcança, não afeta. Acho que poesia tem que afetar, isso é o básico. Poesia/arte precisa descongelar alguma coisa, senão ela é só palavra. Você lê uma poesia de Fernando Pessoa e tem vontade de viver. A arte precisa nos gerar esse impulso de algo”.
O degelo que move a multiartista parte de influências calorosas de poetas e compositores, a exemplo do já citado Fernando Pessoa, Arnaldo Antunes, Raul Seixas (especialmente), como também Cátia de França, Escurinho, Zé Ramalho e Cecília Meireles. “Minha vertente é essa, do existencial. É onde eu circulo mais, que é assim, esse ‘entre’; eles falam do mundo, mas é um mundo ligado com eles. É esse lugar do ‘entre’ em uma múltipla dimensão”.
Um EP com áudios de declamações de alguns poemas do livro está sendo finalizado e deverá ser disponibilizado por QR Code na próxima edição da obra, além de um curta-metragem, com as declamações em vídeo. Em suas múltiplas vertentes, Bianca Rufino afirma a vontade de lançar seu primeiro álbum musical, projetando investir o valor arrecadado com a venda dos livros nesse projeto. “Eu vim pro mundo para descongelar, atear fogo, acender fogueiras”, conclui Bianca.
ENTRE
- De Bianca Rufino.
- Editora: Selo Jirau.
- Lançamento hoje, 20h na Sala Vladimir Carvalho (Usina Energisa, Av. Juarez Távora, 243, Centro, João Pessoa).
- Entrada franca.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 27 de setembro.