Notícias

Adeus à padroeira da liberdade

publicado: 10/05/2023 09h26, última modificação: 10/05/2023 09h26
Artistas da Paraíba lamentam a morte de Rita Lee, uma das principais figuras da psicodelia tropicalista, do bom e velho rock’n’roll e do universo pop
1 | 3
Aberto ao público, velório da cantora, compositora, multi-instrumentista, atriz e escritora paulistana será hoje, das 10h às 17h, no Planetário, no Parque do Ibirapuera (SP)- Foto: Marlon Brambilla/Divulgação
2 | 3
Foto: Andrea Gisele/PMJP Arquivo
3 | 3
Foto: Globo Livros/Divulgação
3--Rita_PAC3_IMG4_1340_c - Foto Marlon Brambilla.jpg
csm_reveillon_2012_foto_andrea_gisele-PMJP-Arquivo.jpg
Rita Lee - Outra autobiografia.jpg

por Joel Cavalcanti*

Quando não havia Rita Lee, ainda não existia a mais completa tradução do que são as meninas do Brasil. Com a morte, aos 75 anos, da maior estrela do rock nacional na noite da última segunda-feira (dia 8), em São Paulo, o país inteiro já sabia sentir o prazer de ser quem é, de estar onde está. De se assumir uma “ovelha negra”. A cantora e compositora paulista havia comemorado a cura do câncer no pulmão em 2022, que chamava de “Jair”, quando exames de rotina mostraram a remissão da doença. A notícia da morte através das redes sociais veio do marido, Roberto Carvalho, que anunciou que o velório, aberto ao público, acontece hoje, no Parque do Ibirapuera. Depois, seu corpo será cremado em cerimônia reservada.

Rita Lee revolucionou o rock brasileiro unindo os fundamentos do tropicalismo de Gil e Caetano à psicodelia e as guitarras dos Mutantes. Na carreira solo, ela levou o pop irreverente e romântico a se tornar um fenômeno comercial desde os anos 1980, vendendo 55 milhões de discos. Ela também se provou ser um sucesso editorial com o lançamento de Rita Lee: uma autobiografia, em que revelou através de uma escrita habilidosa e sarcástica os detalhes sobre seu vício nas drogas e do caso quando foi abusada sexualmente aos seis anos de idade por um técnico que foi consertar uma máquina de costura de sua mãe em casa. No livro, ela chegou a antecipar como sua morte seria recebida pelo público.

“Quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta. Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá, colegas dirão que eu farei falta no mundo da música, quem sabe até deem meu nome para uma rua sem saída. Os fãs, esses sinceros, empunharão capas dos meus discos e entoarão ‘Ovelha Negra’, as TVs já devem ter na manga um resumo da minha trajetória para exibir no telejornal do dia e uma notinha no obituário de algumas revistas há de sair. Nas redes virtuais, alguns dirão: ‘Ué, pensei que a veia já tivesse morrido, kkkk’. Nenhum político se atreverá a comparecer a meu velório, uma vez que nunca compareci ao palanque de nenhum deles e me levantaria do caixão para vaiá-los. Enquanto isso, estarei eu de alma presente no céu tocando autoharp e cantando para Deus: ‘Thank you Lord, finally sedated’ (‘obrigada Senhor, finalmente sedada’). Epitáfio: ‘Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa’. Em março de 2023, ela anunciou Outra Autobiografia, que está programada para o final deste mês.

Um dos últimos shows da carreira de Rita Lee aconteceu em João Pessoa, no dia do aniversário da artista, em 31 de dezembro de 2011. Atração principal do Réveillon de 2012, ano em que anunciou a saída dos palcos, Rita foi transgressora e irreverente como sempre. Ela instigou a multidão a tomar a área reservada na Praia de Tambaú a políticos e convidados. A apresentação foi especial também para a artista paraibana Renata Arruda. “Ela falou em mim e eu fiquei muito feliz de ter sido citada por ela quando ela disse que aquela era ‘a terra de Renata Arruda e Chico César’. Isso me deixou muito feliz. Só de ter escutado que meu nome tinha sido pronunciado por ela na minha cidade, me deixou cheia de amor”, conta Arruda.

A artista gravou a música ‘Bem-me-quer’, de Rita e Roberto Carvalho, e chegou a conhecer a cantora durante o Prêmio Shell de Música Brasileira, que teve Ney Matogrosso na direção do evento em homenagem a Rita. “Para mim, ela era um ícone que preencheu minha carreira inteira. Quando Ney me apresentou a Rita, não tive como não tietar. ‘Não me pede para ser normal, porque não vai ser’. Cheguei já beijando a mão dela e dizendo que sou muito fã. Eu cantava Rita Lee junto com Cássia Eller em Brasília, então desde cedo eu a tenho como referência na minha vida. Nunca quis me aproximar tanto dela porque eu era muito fã. Existem pessoas que você é muito fã e não quer muita aproximação”, explica a paraibana.

Rita Lee foi fundamental também para o início de outro grupo na Paraíba, Gatunas. Quando o músico Escurinho provocou a contrabaixista e vocalista Morgana Morais a fazer um show diferente, ela convidou Ruanna – a quem nem conhecia até então –, para fazer um show em tributo a Rita. “Foi daí que surgiu o primeiro show do Gatunas, que depois seguiu para uma parte mais autoral, que também é um legado de Rita Lee: fazer as mulheres acreditarem em suas composições”, lembra Ruanna Gonçalves. Recentemente, Gatunas voltou a fazer shows com o repertório de Rita Lee pela Paraíba. Em apresentação que já estava marcada com antecedência, elas estarão na próxima sexta-feira, na Manga Rosa, em João Pessoa, para realizar mais um tributo. “A gente vai tentar tornar esse momento mais especial de comemoração à vida dessa mulher que foi tão importante para a gente”.

Ainda com dificuldades em falar sobre Rita Lee no passado, as artistas da Paraíba miram no legado deixado pela rainha do rock, que achava o título cafona, preferindo ser chamada de “padroeira da liberdade”. “O que permanece é a obra dela. Permanece toda a irreverência de Rita Lee, uma artista que estava sempre à frente de seu tempo, sempre levando com bom humor as dores e as mazelas da música e do momento político brasileiro”, conforta-se Renata Arruda, que é seguida por Ruanna. “No Brasil, não houve uma mulher tão completa artisticamente. Ela canta, toca, compõe e faz uma performance completamente diferente e irreverente. Ela fala sem papas na língua e com muita personalidade. Ela deixa um legado muito grande. Rita Lee é eterna”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 10 de maio de 2023.