Quando de seu falecimento, em 2013, a família da atriz paulista Malu Rocha decidiu homenageá-la da forma mais representativa para ela — com purpurina, vinho e baseados para os presentes, como contou seu filho, Pedro Freire. A premiada biografia da artista, dirigida por ele, será projetada hoje, na abertura da 19a edição do Festival do Audiovisual Internacional da Paraíba, o Fest Aruanda: Malu será exibido às 20h30. A cerimônia de abertura começa às 19h30 (confira a programação de hoje no quadro).
Freire também será o presidente do júri oficial. Ele revela que a ideia de produzir o filme como um tributo à mãe partiu justamente após o sepultamento. “Eu e minha irmã, Isadora Ferrite, decidimos fazer algo especial. Ela era hippie, revolucionária, mas foi traumatizada na infância por ter sido torturada no colégio de freiras em que estudava. Não poderíamos realizar o velório numa capela. Fizemos no Teatro Oficina, em São Paulo, com a autorização de José Celso Martinez”, relata.
O contato com a arte veio não apenas por meio de Malu — quando criança, Freire viajava com ela e com o pai, o também ator Herson Capri, por cidades do interior do país, apresentando espetáculos. “Tinha um lado muito divertido de ficar nas coxias, brincando e escutando as vozes deles enquanto estavam em cena. Aprendi muito nessa época, mesmo sem saber que estava aprendendo. Quando assistíamos as novelas, ela comentava: ‘Está vendo essa atriz, filho? Ela não é boa. Aquela sim, é’”, recorda.
Adulto, Pedro partiu para estudar direção teatral na Casa de América, na Espanha, e direção cinematográfica, na Escuela de San Antonio de Los Baños, em Cuba, trabalhando, posteriormente, como preparador de elenco. Se Por Acaso, foi seu primeiro curta, em 2016. Malu perfaz a sua estreia em longas, retratando um período específico da vida de Malu Freire, interpretada por Yara de Novaes: desempregada, ela se muda com a mãe, Lili (Juliana Carneiro da Cunha) e a filha Joana (Carol Duarte) para uma comunidade pobre do Rio. A convivência gera conflitos entre as três.
Carol não existe na realidade — Pedro explica que ela é “amálgama” dele e de sua irmã de verdade, Isadora (filha de outro ator, Zanoni Ferrite). O roteiro, também escrito por ele, partiu das lembranças da dupla em torno desse recorte na trajetória de Malu. “Eu senti que estava escrevendo um texto muito áspero, sobre os traumas que vivi com a minha mãe. Na vida real, ela era solar, ria muito, e só era pesada nos momentos de crise. Recorri aos amigos, que me contaram sobre a ‘parte boa’ dela. Foi assim que surgiu Tibira (Átila Bee), que a ama e enxerga isso no longa”, detalha.
Apesar de não ter aberto mão de relatar discussões familiares que de fato existiram — como uma em que Malu acusou Isadora de estar tendo um caso incestuoso com o próprio pai —, o filme dá margem para que Pedro Freire a reencontre de forma tardia, mas positiva: “Muitas vezes, eu pensei que ela não fosse gostar do resultado, se visse, por retratar esse lado ‘feio’. Mas acho que, com muito esforço, eu consegui acessar sua parte mais bonita”.
Nas primeiras sequências o elenco acabou “sintonizando” uma estética teatral, algo que preocupou o realizador inicialmente e que precisou ser ajustado com o passar dos dias. Yara de Novaes, intérprete de Malu, asseverou que esse tipo de “correção de rota” fez parte de um processo profundo e especial compartilhado em equipe.
“Estar em cena com Juliana foi uma das melhores coisas que aconteceram em toda a minha vida como atriz. Ela é uma artista superior e um ser humano apaixonante. Assim como, a Carol Duarte e o ator Átila Bee, que também completa esse quarteto, ancorado na confiança, compartilhamento, entrega e amor”, define.
PROGRAMAÇÃO/HOJE
18h30 – Lançamento de livro: Luz, Câmera… Crítica! – Arqueologia e Memória do Crítico Linduarte Noronha (Jornal A União, Anos 1950/1960), de Lúcio Vilar (Org.) [Foyer da área vip]
19h30 – Cerimônia de abertura: Solenidade, com homenagem póstuma a Vladimir Carvalho [sala 9]
20h30 – Filmes de abertura: A Bolandeira, de Vladimir Carvalho (1968, 10 min, livre); Malu, de Pedro Freire (2024, 1h43, 16 anos) [sala 9]
Livro com críticas de Linduarte abre noite
Às 18h30, o curador da mostra, Lúcio Vilar, lança o livro Luz, Cinefilia…Crítica! – Arqueologia e Memória do Crítico Linduarte Noronha, coletânea de textos do jornalista e diretor de Aruanda, que batiza o festival. A obra é organizada por Vilar e é parte de pesquisa desenvolvida por ele para o Departamento de Mídias Digitais da Universidade Federal da Paraíba (Demid-UFPB).
Foram selecionadas críticas de sua coluna diária em A União, entre os anos de 1956 a 1968. No livro, após cada texto, publicado integralmente, há a reprodução da página em que ele foi publicado.
O diretor escrevia sobre temas diversos. Comentava, por exemplo, filmes como Luzes da Ribalta (de Charles Chaplin, 1952) exibido, à época, nas salas de cinema da capital. Mas também utilizava seu espaço em A União para tratar de temas emergentes para o audiovisual, como a situação precária da Cinemateca Brasileira (no texto “Cinemateca em falência”, de 1963).
“De uma maneira geral, o que me surpreendeu nessa pesquisa foi a lucidez com que ele falava dos mais diversos temas, sejam nacionais, mundiais ou meramente paroquiais. Ele era profundamente bem informado, numa época em que não havia muita facilidade para tal”, destaca o organizador.
Exibição de “A Bolandeira” começa homenagem a Vladimir Carvalho
Este ano, o Fest Aruanda homenageia o cinéfilo Ivan Cineminha e as atrizes Lucy Alves e Suzy Lopes. E também o realizador Vladimir Carvalho, que morreu em outubro passado.
Como tributo ao artista, serão quatro de seus filmes durante o festival. O primeiro deles abre a sessão de hoje: o curta A Bolandeira, a partir das 20h30.
O filme, rodado no Sertão paraibano e narrado pelo dramaturgo Paulo Pontes, retrata o dia a dia dos engenhos de açúcar e de rapadura, que ainda utilizavam, àquela época (1968), uma tecnologia que começava a se tornar obsoleta: a bolandeira, equipamento que conduz a extração da matéria prima, acionado por tração humana e animal. O filme documenta todo o processo, desde a colheita da cana, também braçal, à venda dos produtos nas feiras livres.
“O caboclo conhece o seu teor de alimento integral, capaz de suprir muitas carências e usa a rapadura durante tarefas nas quais só pode ingerir alimentos leves. É o caso dos vaqueiros e tangerinos que viajam dias e dias tangendo as boiadas”, conta a narração, também escrita por Carvalho.
Anos mais tarde, o curta- -metragem serviu de inspiração histórica para o diretor Luiz Fernando Carvalho, durante as filmagens do seu filme Abril Despedaçado, em 2001. À época, a restauração do filme foi bancada por Carvalho.
Os outros filmes de Vladimir Carvalho no Aruanda serão A Pedra da Riqueza (1975) e Rock Brasília (2011), ambos numa sessão domingo, às 15h, e O Engenho de Zé Lins (2007), segunda, às 15h.
- Entrada franca
- No Cinépolis Manaíra (Manaíra Shopping, Av. Gov. Flávio Ribeiro Coutinho, 220, Lot. Oceania II, João Pessoa)
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 05 de dezembro de 2024.