Notícias

Literatura

Anatomia de uma obra em versos

publicado: 06/09/2023 09h10, última modificação: 06/09/2023 12h20
Hoje, na Usina Cultural Energisa, em João Pessoa, Mestre Fuba lança a sua primeira coletânea de poesia: 'Hipotálomo'
Fuba - Adriano Franco 2.jpg

Fuba mostra poemas sobre o comportamento da humanidade, memórias, visões sobre o universo interior, além de lucubrações poéticas variadas: são poemas que “acabam entrando num clima de autoajuda e acabam alertando o interior de cada leitor” - Foto: Adriano Franco/Divulgação

por Lucilene Meireles*

Consagrado na música e no Carnaval, com o bloco Muriçocas do Miramar, Flávio Eduardo Maroja Ribeiro, mais conhecido como Mestre Fuba, mostra uma outra face ao enveredar por um novo caminho: o literário. Hoje, às 19h30, o artista lança o livro Hipotálamo (R$ 80), na Sala Vladimir Carvalho, da Usina Cultural Energisa, em João Pessoa. A obra leva o selo da Editora A União e traz 106 poemas distribuídos em 190 páginas, com ilustrações de Bruno “Mimu” Ramalho, prefácio do professor Alessio Toni, e texto das orelhas pela produtora cultural e escritora Valeska Asfora.

“Eu sempre escrevi poesias. Existia uma cobrança das pessoas mais próximas que me pediam para que fossem publicadas. Resolvi mergulhar no baú e até cheguei a selecionar algumas, mas depois desisti e resolvi escrever novas poesias trazendo para o livro uma nova visão do mundo atual, tornando-o mais contemporâneo. Todas as poesias foram feitas pós-pandemia”, conta Fuba.

Ele enfatiza que a inspiração é natural, vem de um fato acontecido ou pode estar atrelada a situações do cotidiano. “Todo poeta é o inverso de regras, tabus e conceitos, transforma o mundo em cores, vomita as dores guardadas no peito”, comenta.

'Hipotálamo' é dividido em cinco partes. A primeira é Reflexões do Hipotálamo e traz poemas sobre o comportamento da humanidade. Ele fala sobre a hipocrisia, um mundo torturador viciado em vaidades e ostentações, os preconceitos, racismo, machismo, entre outros. O escritor reflete, através de poemas, as desconectadas visões e os perigos que o mundo passa nesse momento que considera turbulento.

A segunda parte é Versos do Hipocampo e, nela, Fuba trata de memórias, lembranças e experiências acumuladas de sua existência. A terceira, chamada Encefaloversos, é bem didática. Nela, o autor define, através da poesia, o que é um nudes, uma vela, uma taça, uma sombra, uma porta, uma janela e até uma vagina, através do poema Fêmea Anatomia.

Universo em Noves Fora é a quarta parte que apresenta nove visões sobre o que ele pensa sobre o universo interior. Já na última, o Inverso Universo, o poeta mostra lucubrações poéticas variadas, em que a lucidez se mistura com o lúdico amoroso dos versos, sejam de amor ou simplesmente de retratações de uma vida livre e aberta ao mundo presente. “São todos poemas que também, de certa forma, acabam entrando num clima de autoajuda e acabam alertando o interior de cada leitor”, explica.

hipotalamo.JPG
Edição que leva o selo da Editora A União, ‘Hipotálomo’ apresenta 106 poemas distribuídos em 190 páginas, com ilustrações de Bruno “Mimu” Ramalho - Imagens: Editora A União/Divulgação

Responsável pelos desejos

Fuba acrescenta que as pessoas que fizeram a primeira leitura gostaram muito do livro. “Tenho recebido críticas construtivas a esse respeito. Isso me deixa feliz e me impulsiona a novos projetos. Um deles, que já comecei semana passada, é fazer um livro com 1.000 acrósticos com nomes de pessoas que estão presentes ou que passaram na minha vida”. Acrósticos são poesias em que as primeiras letras, do meio ou do fim de cada verso, formam, em sentido vertical, um ou mais nomes, um conceito, uma máxima, por exemplo.

“Tenho debruçado também na minha autobiografia e no livro contando a história das Muriçocas, que pretendo lançar daqui a dois anos, em comemoração aos 40 anos desse importante evento”, revela o músico e escritor.

Fuba explica que hipotálamo é a parte do cérebro que determina a temperatura do corpo e é também responsável por todos os desejos. “Se você está com fome, sede, sono, desejo sexual, é o hipotálamo que manda o sinal para o tálamo e retransmite para a memória tornando em realidade nossas necessidades. Foi pensando nisso que escolhi esse nome como forma de redistribuir o meu sentimento, em forma de poesia, a esse mundo em que vivemos”.

Durante o lançamento de Hipotálamo haverá uma performance poética com a atriz Fabíola Ataíde, o dramaturgo e poeta Everaldo Vasconcelos, o poeta Igor Gregório, os multiartistas Lukete e Chico Viola, e a poetisa Bianca Rufino, além da apresentação cultural do Urso Amigo Batucada, com Dal Zapata e os brincantes, e a DJ Claudinha Summer.

Confira alguns poemas presentes na coletânea

 

CARNIÇAL

Em tua alma
a sombra nefasta da cólera
chafurda a torpeza do teu vil querer

Oh! Carniceiros de mentes marcadas
abastadas e dominadas
pelo desejo do que lhes convêm

Joga tua fúria gulosa de ganãncia
mastigada pela discrepância egoísta
que alimenta teu prazer fascista
no esgoto de tuas entranhas

Oh! Carnívoro de maçãs podres
que aponta seu coldre
para pobres indefesos

O teu gatilho apedrejo
não fará libertar o peso
de tua mente velada
podre, suja, enlamaçada
pelos dejetos rejeitos
que banham de borras teus reinos

Oh! Canibalesco
de inocentes humilhados
escravizados e sugados
pelo odioso apetite
que em tua visão esclerite
ao mal do rancor fez latente

Em ti venena a serpente
que alimenta e nutre
o teu banquete abutre
da tua carcaça doente

Serás tu
o verme de tua própria alma
ou tua alma já era podre
ainda em ventre?

AGORA

Ao tempo entreguei as horas
pro tempo que Deus dará
a hora o tempo devora
sem tempo nem hora haverá
a vida é hoje e agora
o ontem já foi embora
o amanhã talvez não virá

Pra que o tempo apressar
se a hora é protagonista?
não cabe ao tempo cobrar
alguma hora imprevista
a vida é hoje e agora
o ontem já foi embora
talvez o amanhã não exista

O RIO E O MAR

Existe um rio navegando
impondo sua grandeza
seu leito a terra cortando
passeia com a mãe natureza
percorre montanhas, cerrados
florestas e povoados
mostrando a sua beleza

Amarga também uma tristeza
temendo não sobreviver
as águas morrem de medo
de não poder mais correr
sabendo existir o mar
à espera do rio abraçar
e suas águas beber

Por que o oceano temer
se é nele que vais morar?
Não tem como o rio deter
nem como seu curso voltar
firmeza é seguir viagem
em frente, com garra, coragem
sem medo de mergulhar

Não deixe de se arriscar
nem caia em desengano
na correnteza haverá
algum primoroso plano
Se és, serei mar
e quando em mim desaguar
seremos um só oceano

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 6 de setembro de 2023.