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André Ricardo Aguiar explora o humor filosófico em “Fábulas portáteis”

publicado: 26/11/2016 00h05, última modificação: 25/11/2016 22h05
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O escritor também é colaborador do jornal A União com coluna semanal aos domingos - Foto: Divulgação

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William Costa 

Hoje à noite, a contística paraibana contemporânea marcará presença no cenário literário da capital paulista, tendo como seu representante o poeta e ficcionista André Ricardo Aguiar. O autor promoverá a sessão de lançamento de seu novo livro, “Fábulas portáteis”, no salão de eventos do Patuscada - Livraria, Bar e Café, localizado na Vila Madalena. O espaço foi criado há um ano por Eduardo Lacerda, editor da Patuá, casa responsável pela publicação da obra.

Os contos, minicontos (e outros pequenos textos sem um conceito de gênero claramente definido) de “Fábulas portáteis” devolvem ao leitor as estranhas e maravilhosas sensações oriundas das primeiras experiências de leitura de obras de ficção, ocorridas, no mais das vezes, na infância. Impossível não rememorar as histórias, ou contos de fadas, como também as narrativas infantis mais sofisticadas, a exemplo de “Alice no País das Maravilhas”.

Até porque, há inversões explícitas, ou seja, André Aguiar faz releituras surpreendentes, e sem esconder o jogo, de contos clássicos, como “João e o pé feijão” (de remota origem inglesa) e, em “Chá das 5”, do já citado “Alice no País das Maravilhas”, de Charles Lutwidge Dodgson, ou Lewis Carroll. As referências ao universo infantil prosseguem com textos que falam de casas nas árvores, roubos de anões de circo etc., mas não param por aí.

Deve ser uma delícia, para quem entende de literatura, debruçar-se sobre um livro de André Aguiar, e consumir horas, traçando o mapa das referências literárias latentes, patentes ou transfiguradas, entre outras maneiras de brincar com aquilo que os pós-estruturalistas chamam de intertextualidade. Isto, sem perder a ternura, jamais, pelo enredo em si, que, como a própria palavra já diz, enreda e não solta mais o leitor, até o final do livro.

Saindo do País do faz-de-conta, os contos de “Fábulas portáteis” fazem alusões cristalinas às literaturas de um Franz Kafka (“K” etc.) e Julio Cortázar (“Pequenos terremotos” etc.), escritores que, juntamente com Moacyr Scliar, estão entre os preferidos de André Aguiar. As tantas casas das narrativas (de bonecas, inclusive), tomadas ou assombradas, funcionam como representações de laços de família, ou de realidades subjetiva dos personagens.

Não se pode esquecer da boa e velha mitologia grega, presente, por exemplo, em “Labirinto”, cuja reconstrução não desmerece em nada o mito original. Só André Aguiar para criar uma “Agenda para o fim do mundo”, personagens que têm febre nos cabelos (“Composição infantil”) ou inflam como balões de parques de diversão (“Um sopro de vida”). Nele, o “pano amargo” da vida ganha cores festivas, embora o vermelho e o negro entrem na estampa.

André Ricardo é um observador perspicaz das relações entre as pessoas, e destas com os objetos que as circundam e com os quais elas se relacionam (às vezes de um modo tão condicionado que as coisas tornam-se invisíveis; perdem o valor). Como um mágico legista, o escritor disseca sofás, despertadores, ovos, camas, chuveiros e escadas rolantes, revelando mecanismos, funcionalidades e sentidos que escapam à logica comum.

Nos contos de André Ricardo, casas, prisões e repartições (suas paredes, cômodos, túneis, móveis...) podem ser metáforas, e refletir tensões cotidianas. Portanto, tornam-se claustrofóbicas, como se fossem cavernas assustadoras. Do mesmo modo como acontece com as pessoas, a beleza e o absurdo da vida também incidem sobre as coisas. De seu surrealismo engraçado ninguém escapa, nem a morte, que, embora trivial, no fim acaba por surpreender.

A imaginação nonsense, divertida e sutilmente irônica do autor não tem limites. Em “Fábulas portáteis”, os dias podem nascer defeituosos, com pescadores solitários na sala de jantar, parentesguardados no porão, encontros marcados em catacumbas, pessoas que adoecem de vida (como o poeta Manuel de Barros), acometidas de males neófitos (Levralgia, Bibliocese...) que as paralisam em “estado de expediente” ou “estágio de desilusão polida”.

Interessante observar a maneira criativa como André Aguiar torce e distorce o tempo. Todos os tempos. Às vezes acontece de os relógios entrarem de férias, e de uma semana ser toda de domingos. Ao contrário de “1984”, de Eric Arthur Blair, ou George Orwell, há, em “Fábulas portáteis”, uma bem-humorada crítica à burocracia, à opressão. Seu olhar de menino transforma em magia a precária condição humana (o ser e estar no mundo), sem olvidarda metafísica.

O laboratório das experiências literárias cujos resultados estão contidos em “Fábulas portáteis” foi o Clube do Conto da Paraíba, que André Aguiar ajudou a criar, em 2004. Mas a gênese da visão que o escritor tem desse tipo de literatura, como ele mesmo explica, é mais antiga, está na leitura dos autores que o acompanham. “Digamos que o Clube do Conto potencializou uma prática constante do conto curto, da narrativa breve”, esclarece.

Ele explica que demorou muito tempo, para reunir os contos de “Fábulas portáteis”, porque o sentido orgânico do livro sempre lhe escapava. “Queria algo próximo de um bazar de estranhezas, uma lírica da prosa mesmo, um certo humor filosófico, daí resultou nesse apanhado que, para mim, tem vasos comunicantes”, acrescenta. Parafraseando um trecho de “Labirinto”, é como desenhar com material sólido o que o vácuo exige.

Situar “Fábulas portáteis” no conjunto de sua obra não é tarefa fácil, para André Aguiar. Ele interpreta sua própria literatura “como um projeto mais amplo de experimentar formas para a mesma caminhada com a linguagem”, mesmo com resquícios do fantástico, do prosaico, do humor e tudo mais. “Talvez não ter exatamente um projeto seja a minha cachaça, ou seja, cada tempo, um posicionamento perante a literatura”, sublinha.

“No mais – prossegue André Aguiar -, ‘Fábulas portáteis’ parece indicar uma direção para novas formas de ver o conto, ampliando o arco de possibilidades, incluindo os registros metalinguísticos, o nonsense, a simulação de outros discursos extraliterários etc.” Algo mais conclusivo, neste sentido, conforme garante o autor, virá após a publicação de mais dois livros de contos, que considera meios que ele tem disponíveis de treinar para um romance.

Sobre o autor
André Ricardo Aguiar nasceu em Itabaiana (PB), em 1969. Publicou “A flor em construção” (Poesia, 1993), “Alvenaria” (Poesia, 1997),“O rato que roeu o rei” (Infantil, 1ª edição, 2000; Rocco, 2007), “Chá de sumiço e outros poemas assombrados” (Poesia) e “A idade das chuvas” (Poesia, 2013). É um dos fundadores do Clube do Conto da Paraíba e criador do Encontro das Traças (selecionado pelo Minc e ganhador da Bolsa de Fomento à Literatura).