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Editora Maria Amélia Mello fala sobre a gênese da obra ‘Os sabiás da crônica’

Antologia de crônicas foca o retrato de uma época

publicado: 11/02/2022 08h50, última modificação: 11/02/2022 08h52
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Foto: Paulo Garcez/Divulgação

por Joel Cavalcanti*


Todos muito bem penteados, de paletó e gravata, eles se preparam para a fotografia na cobertura em Ipanema mais conhecida por “fazenda aérea”, dado ao seu tamanho e quantidade de espécies vegetais presentes no local, algumas até frutíferas. Rubem Braga, proprietário daquele apartamento no alto do prédio da Rua Barão da Torre, avisa que é proibido fumar, enquanto Vinicius de Moraes reclama que já passam das cinco e meia da tarde e até aquele instante não teria visto a cor do uísque. Já Paulo Mendes Campos está incomodado com a indumentária no verão carioca de 1967, mas Fernando Sabino proíbe que se desfaçam dos paletós e se abram sorrisos para a fotografia.

O momento descrito por José Carlos de Oliveira remonta a foto da reunião dos consagrados escritores que celebravam ali a criação da recém-inaugurada Editora Sabiá, e foi, quase 55 anos depois, o disparador para publicação de Os sabiás da crônica (Autêntica, R$ 74,90), antologia que reúne, ao todo, 90 textos dos seis autores, projetando um olhar sobre a cultura brasileira e reconstruindo o retrato de toda uma época. Fora da foto oficial, estava também presente entre os literatos, Chico Buarque de Hollanda, então jovem com 23 anos de idade em trajes mais casuais, certamente levado pelo amigo “poetinha vagabundo”, um ano antes de estrear no teatro com Roda Viva, peça teatral que viria a ser publicada pela editora.

Foi revendo a fotografia do renomado Paulo Garcez presente na biografia De Copacabana à Boca do Mato: O Rio de Janeiro de Sérgio Porto e Stanislaw Ponte Preta, da historiadora Cláudia Mesquita, que a Editora Maria Amélia Mello reviu a imagem e sentiu a adrenalina de perceber que ali haveria um livro. “É uma pequena amostra de 15 crônicas especiais de cada um, que formam um conjunto de época. São autores que não só escreviam livros, mas que conviviam, frequentavam, participavam de lançamentos, promoviam feijoadas, viravam à noite em torno de um copo de uísque”, conta Maria Amélia, que tem o perfil profissional de criar projetos que trabalhem com a memória, resgatando temas e autores que ficaram esquecidos ou foram pouco estudados.

A ideia inicial da profissional com experiência de 45 anos no mercado editorial não era ter as melhores crônicas de cada autor, uma vez que publicações com esse foco já foram desenvolvidas, mas sim formar um quadro histórico e cultural que reconstituísse os laços de amizade entre os autores. Os próprios textos indicam essa proximidade. As crônicas que encerram o capítulo de cada autor são sobre o escritor do capítulo seguinte na antologia. Já o nome da coletânea foi inspirado no fato de Rubem Braga ser conhecido como “o sabiá da crônica”, um dos melhores do país.

Para fazer a seleção, Maria Amélia convidou o poeta e professor de Literatura Brasileira na USP, Augusto Massi. É ele o responsável pelo prefácio do livro, que cria um roteiro muito claro e didático sobre a época de ouro da crônica, com detalhes desde a convivência dos escritores até o próprio desenvolvimento dessa linguagem literária. Massi classifica “Os sabiás” como os responsáveis por um novo ciclo da crônica nacional, que cobre o período do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, ao fechamento da Editora Sabiá, em 1972. As 90 crônicas formam um rico painel dos anos 1930 até a virada do século 21, contando com textos que jamais foram publicados em livros, tendo por fonte principal, jornais, revistas e editoras que em sua maioria não existem mais.

Unindo três gerações de escritores do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais, a obra pontua as discrepâncias de personalidade e as discordâncias estéticas, sociais e políticas do sexteto, mas a ênfase se localiza na reflexão coletiva e na liberdade de pensamento dos escritores que faziam da amizade um exercício político e da crônica um ato de militância diante de seu contestado prestígio entre os intelectuais da época, apesar do apoio popular que sempre a resguardou. Foi esse novo ciclo que recolocou o Rio de Janeiro, onde todos residiam, novamente como a capital da crônica. Os textos em Os sabiás da crônica revelam uma cidade pulsante, criando um registro cultural e sentimental dos bares cariocas, assim como dos seus artistas, dos pitorescos personagens urbanos, até do futebol, dos pássaros e da música.

Apesar de toda transformação dessa etnografia que a cidade sofreu com o passar dos anos, ela permanece pertinente e válida como registro histórico. “O talento e a importância da seleção de quem o organizou é que transforma esse livro em um livro especial. Ele não é somente mais uma antologia de crônicas, até porque esse é o único livro em que os seis autores aparecem juntos”, destaca a editora, que passou um ano apenas em negociação com os herdeiros dos espólios dos cronistas e com as casas editoriais às quais eles ainda pertencem para viabilizar a publicação. Os sabiás da crônica se tornou um sucesso editorial e, em apenas três meses, já atingiu sua terceira edição. “Essa é uma geração que está aí até hoje, que deixou obras importantes e significativas dentro do mainstream da literatura brasileira”, finaliza Maria Amélia.  

 

Imagem: Divulgação

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 11 de fevereiro de 2022