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Antologia impressa pelos sonhos

publicado: 22/11/2023 09h19, última modificação: 22/11/2023 09h19
Hoje, no Centro Cultural Ariano Suassuna, em João Pessoa, será apresentada uma nova edição do livro sobre a produção do repentista e cordelista Zé Vicente da Paraíba
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Foto: Euclides Ferreira/Facebook
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Edição foi organizada pelo escritor pernambucano José Mauro de Alencar e reúne diversos cordéis do poeta - Foto: Edson Matos
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Cordelista paraibano Marconi Araújo é o autor do folhetim ‘Voo de Ícaro’ - Foto: Edson Matos
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Wellington Vicente é o único dos quatro filhos que seguiu a carreira do pai, que não chegou a ver o sonho do livro concretizado: “Sei que ele está muito feliz com a obra-prima que ficou”, garante o filho - Foto: Edson Matos
Poeta Zé Vicente da Paraíba em Caruaru 2005 - Foto Euclides Ferreira.jpg
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por Alinne Simões*

Nova edição do livro que conta a trajetória do repentista e cordelista Zé Vicente da Paraíba será apresentada hoje, no Sarau Poemas e Cantos da Cidade, evento multicultural gratuito realizado no Centro Cultural Ariano Suassuna, no Tribunal de Contas do Estado, em João Pessoa. Haverá ainda o lançamento do livro infantil Mimo Viajante, de Edson Gomes, e do cordel Voo de Ícaro, de Marconi Araújo, além de apresentações musicais, declamações, exposição e homenagens.

Na sua segunda edição, Zé Vicente da Paraíba: fiz do choro das cordas da viola / O maior ganha-pão da minha vida foi organizado pelo escritor pernambucano José Mauro de Alencar e reúne diversos cordéis do poeta, que ficou conhecido em todo o país por seus repentes e cantorias. O artista paraibano tinha um grande sonho: o de escrever um livro.

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Edição foi organizada pelo escritor pernambucano José Mauro de Alencar e reúne diversos cordéis do poeta - Foto: Edson Matos

A obra começou a ganhar forma em 2007, quando o produtor cultural e amigo de Zé Vicente, Herbert Lucena, recolheu vários textos, escritos à mão pelo próprio repentista e convidou o jovem escritor pernambucano, Zé Mauro, para dar forma ao sonho do poeta. “Eu já escutava Zé Vicente desde criança, mas só depois de ouvir Herbert na rádio lançando um CD, que eu tive vontade de conhecer mais fundo o poeta”, conta o organizador.

Zé Mauro revela que procurou Herbert Lucena e ele o convidou para organizar a obra. “Ele me entregou os poemas de Zé Vicente e então começamos a trabalhar na pesquisa. Eu queria fazer algo diferente do que já vinha sendo feito. Queria que fosse uma obra que destaca-se o Zé Vicente através de seus textos. Até porque ele não era só uma literatura oral, um repentista, ele era mais completo do que isso”. E continua: “Ele tinha uma dupla aptidão, era repentista e cordelista, que são duas coisas diferentes, poucos artistas tinham esse talento”, frisa o escritor pernambucano.

Originalmente, o livro foi lançado em 2009, todavia, Zé Vicente da Paraíba não chegou a ver o seu sonho realizado. Fazia nove meses que o artista, que era diabético, teve um agravamento no seu estado de saúde, nos deixando em maio de 2008. “Infelizmente, meu pai não chegou a ver o livro concretizado, mas sei que ele está muito feliz com a obra-prima que ficou”, ressalta o filho, Wellington Vicente, que, dos quatro que o repentista teve, é o único que seguiu a carreira do pai.

Quem foi Zé Vicente?

Zé Vicente, o “velho cantador”, era natural de Pocinhos, ainda criança morou em Taperoá, onde conheceu Ariano Suassuna (1927-2014) e tornaram-se grandes amigos. Ainda jovem mudou-se para Itapetim (PE), onde aprendeu as primeiras letras na escola do Sítio Laje do Agostinho. Essa região é conhecida por sua tradição de poesia oral e foi influenciado por esse universo poético que ele cresceu e tornou-se uma das maiores referências brasileiras da música de raiz. Foi nessa cidade onde conheceu a família de repentistas Batista, com quem acabou firmando parceria de sucesso por anos, especialmente, com Otacílio Batista (1923-2003), conhecido como “A voz do Uirapuru”.

Referência musical para renomados artistas, a exemplo de Zé Ramalho, Jorge de Altinho, Geraldo Azevedo, Elba Ramalho, dentre outros, Zé Vicente foi o primeiro repentista a gravar um LP. A faixa intitulada ‘Quanto é grande o autor da natureza’ é considerada uma das mais belas criações poéticas. Tendo sido gravada por vários cantores, a sua interpretação mais famosa está na voz de Zé Ramalho, que, em depoimento gravado para homenagear o repentista, assumiu ter usado por muitos anos como referência a Zé Vicente, o termo “da Paraíba” como complemento de seu nome.

Em 1955, ele lançou seu primeiro LP de cantoria, Violeiros (Fábrica de Discos Rozenblit, de Pernambuco), que também foi o primeiro do gênero gravado no Brasil. Outro destaque foi no ano de 2005, quando apresentou o seu primeiro CD, Zé Vicente da Paraíba, Viola e Amigos, com uma mistura de poesias com violas, pífano, coco e hip hop.

Cordel é inspirado em uma das músicas mais famosas interpretadas por Biafra

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Cordelista paraibano Marconi Araújo é o autor do folhetim ‘Voo de Ícaro’ - Foto: Edson Matos

Dentro da programação do Sarau Poemas e Cantos da Cidade haverá também o lançamento do cordel Voo de Ícaro. A publicação tem 25 capítulos com aproximadamente 130 estrofes.
De acordo com o autor do cordel, Marconi Araújo, a obra era um desejo do cantor e compositor niteroiense Biafra. “Ele queria que transformasse sua música ‘Sonho de Ícaro’, em cordel. Então, um dia em contato com a jornalista Josy Mello, ela me perguntou se eu aceitava o desafio e eu aceitei”.

O autor paraibano conta que o cordel Voo de Ícaro é uma sátira política, na qual o personagem principal chamado de Ícaro, após um dia cansativo na empresa que trabalhava, em que alguns de seus amigos foram demitidos, foi dormir e sonhou que ressurgia como um “homem-pássaro”. “É um livro que faz uma crítica muito interessante e vai fazer leitor se lembrar de lugares semelhantes e situações análogas vivenciadas no seu dia a dia, de alguma forma”, aponta Marconi Araújo.

Biafra, que esteve recentemente em João Pessoa, no último mês de julho, com uma apresentação através do projeto Seis e Meia, lançou o ‘Sonho de Ícaro’ (que é uma autoria de Piska e Cláudio Rabello) em 1984, no álbum Existe Uma Ideia – que rendeu ao artista um Disco de Ouro na época. A canção é um dos principais sucessos do cantor e compositor, ao lado de hits como ‘Leão ferido’ e ‘Vinho antigo’, dentre outras.

Já o Ícaro da música (e do cordel) veio da mitologia grega. Ele era o filho de Dédalo e planejava deixar Creta voando – tentativa frustrada em uma queda que culminou na sua morte, nas águas do mar Egeu, depois que suas asas artificiais de cera derreteram por conta de voar muito próximo do Sol.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 22 de novembro de 2023.