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Antônio Barros, o mestre

publicado: 08/04/2025 09h17, última modificação: 08/04/2025 09h21
Artistas, jornalistas e pesquisadores falam sobre o grande legado de um dos maiores compositores que a Paraíba já concebeu
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Paraibano morreu no último domingo (6), aos 95 anos, por complicações do Parkinson | Foto: Ortilo Antônio/Arquivo A União

por Esmejoano Lincol*

“O rapaz calmo, de acentuado sotaque nordestino, mostra sua verdadeira força quando pega o violão para fazer uma nova música”. Foi assim que o compositor baiano João Mello definiu o colega Antônio Barros, no texto que acompanhava o primeiro LP do paraibano, de 1971, intitulado, não por acaso, de Autor e Intérprete.

Conhecido, àquela altura, como o compositor de sucessos como “Óia eu aqui de novo” e “Procurando tu”, ele alçava uma nova etapa na carreira — antes “só” musicista, agora tinha um álbum. Falecido no último domingo (6), aos 95 anos, por complicações do Parkinson, Antônio ultrapassa os substantivos presentes naquele disco — o autor e intérprete ficará para sempre como nosso patrimônio cultural.

Muito antes desse vinil de estreia, antes ainda de conhecer Cecéu — a sua companheira na arte e na vida — e bem antes de convencer o exigente Ney Matogrosso a gravar um de seus maiores sucessos (“Homem com H”), o então menino Antônio Barros, natural de Queimadas (ex-distrito de Campina Grande) achava que a música simplesmente existia e que não precisava ser feita por alguém. “E aí ele me disse que começava a cantar algo e perguntava para o irmão: ‘Essa música que estou cantando, ela existe? Você já ouviu?’. Diante da resposta negativa do outro, ele sentenciou: ‘Então, eu estou fazendo música’, contou o jornalista paraibano Rosualdo Rodrigues, coautor do livro O Fole Roncou — Uma História do Forró.

Outro dos “causos” presentes nessa obra, elaborada a quatro mãos com Carlos Marcelo, avança para quando Antônio, já ciente de seus talentos, decidiu mostrar algumas de suas composições para Luiz Gonzaga, no fim dos anos 1950. Ao saber que a faixa predileta (“Resposta de Mata Sete”) havia sido prometida para Genival Lacerda, o experiente sanfoneiro passou um carão no jovem artista: “Não fale mais de música comigo!”. A briga não durou para sempre, já que “Óia eu aqui de novo” conquistou o Mestre Lua, que a gravou em 1967. “Antônio foi um dos principais compositores de música para Luiz. Ele reconhecia o talento do cara e, lógico, queria ter prioridade naquilo. Por isso havia esse ‘ciúme’”, explica.

Silvio Osias, também jornalista e paraibano, disse que manteve uma relação próxima com Antônio, não sabendo definir se seus comentários sobre o compositor falecido vinham de sua impressão como fã ou como amigo. “Ele era o que a gente chama de um homem do povo. Uma pessoa simples, humilde, com um talento intuitivo extraordinário para fazer o que ele fazia. Mas isso nunca contaminou-o negativamente. Ele não tinha estrelismo, nem blindagem. Era um cara que ia ao shopping, tomar um café, e você se encontrava com ele ali, sentava, batia um papo”.

Já na maturidade, Osias testemunhou o encontro do casal Antônio Barros e Cecéu com Gilberto Gil, em um show na Paraíba, quando o último havia acabado de gravar “Óia eu aqui de novo”. Ele sentencia que, se o hitmaker paraibano tivesse nascido nos EUA, seria hoje um milionário, graças à arrecadação de seus direitos autorais. “A gente sabe que os artistas que recebem, digamos, de uma forma justa esse dinheiro são poucos, né? Antônio não estava exatamente nesse grupo. Mas milhares de nordestinos, com certeza, têm as músicas dele arquivadas em sua memória afetiva”, alega.

Contribuição gigantesca

Artistas de gerações diferentes celebram o contato com a obra ou com o próprio Antônio. Betinho Lucena, do grupo Os Fulano, rememora a parceria estabelecida por meio da gravação de “Vou sair por aí”, um “presente” que receberam dele e de Cecéu. “Foi uma experiência surreal. Eles foram muito generosos e carinhosos com a gente. A partir desse contato, para o disco, fomos mantendo a proximidade noutros trabalhos de rádio, TV e gravações. Em todos esses momentos, ele nos ensinou bastante, dando dicas sobre o universo da música em geral e sobre o mundo da composição. Era sempre uma aula”.

A cantora Renata Arruda conheceu Antônio Barros pessoalmente, há três décadas, e, desde então,  encontrou-o várias vezes, em apresentações dentro e fora do estado. Ela assevera que, apesar da partida, o poeta de Queimadas permanece vivo, pulsando no coração dos conterrâneos. “Durante a pandemia, ao gravar o álbum Forró da Paraíba, liguei para Cecéu e perguntei qual música eu deveria escolher para homenagear nossos grandes. Ela conversou com ele e me sugeriram ‘Forró do poeirão’. Gravei com muito prazer e soube depois que ele havia gostado — isso me emocionou profundamente”, certificou.

Amazan foi outro que bebeu da obra de Antônio Barros, eleita, em 2021, como patrimônio cultural imaterial do estado, conforme a Lei nº 11.900 (reconhecimento concedido também a Cecéu). Reuniram-se, pela primeira vez, nos anos 1980, e a relação foi sedimentada anos depois, quando ambos passaram uma temporada em São Paulo. “Sem ele, seria tudo diferente: não teríamos tido tantos grandes sucessos nas vozes de Luiz Gonzaga, do Trio Nordestino ou de Elba Ramalho, que, sem sombra de dúvida, levaram o nosso Nordeste para o Brasil e para o mundo. Uma contribuição, enfim, gigantesca”, resume.

No domingo passado, o velório e o sepultamento, em um cemitério particular de João Pessoa, foi ao som do forró: Antônio Barros foi reverenciado pelo coro dos presentes, que cantaram, a plenos pulmões, alguns de seus maiores sucessos, entre as mais de 700 composições. Presente na despedida, estava Alexandre Pé de Serra, presidente da Associação dos Forrozeiros da Paraíba (Asforró-PB): “Ele deixa, mais do que esse legado, um aprendizado para todos os amantes do nosso forró autêntico e da Música Popular Brasileira. Foi inspiração de maestria poética, que deixou orgulhoso o verdadeiro nordestino. Que nossas futuras gerações também se inspirem nesse nosso menestrel”, conclui.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 08 de abril de 2025.