Nos 10 anos do falecimento de Ariano Suassuna (ou de seu encantamento, como preferem dizer seus admiradores), que se completam hoje, A União ouviu alguns entusiastas da obra do paraibano munida de um questionamento: sabendo que a peça O Auto da Compadecida e o Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta são suas obras mais celebradas, que outros trabalhos do patrono do Movimento Armorial mereceriam o mesmo destaque?
“Várias vezes, Suassuna proclamou que a base e fonte de todo o seu trabalho estava na poesia, esta repleta de símbolos, que parece não encontrar paralelo com nenhuma outra no cenário brasileiro”, assevera o escritor Astier Basílio, autor de uma peça que é uma biografia ficcional que fazia o autor encontrar-se não apenas com seu universo literário, mas com fragmentos de sua própria vida: Ariano, que estreou no Rio de Janeiro em 2007.
Ele, então, destaca a antologia poética de Ariano — pouco lembrada pelo grande público, mas que deve ser lançada até dezembro, intitulada O Pasto Incendiado. O primeiro romance escrito por Ariano, Fernando e Isaura, também figura nas predileções de Astier. Datado de 1956, o livro guarda, o “frescor da juventude” do taperoense. Como não poderia deixar de citar uma peça, Astier evoca A Farsa da Boa Preguiça, comédia de 1960: “Aqui, ri-se da idealização da mitologia em torno do Sertão puro feita pelos especialistas”, detalha.
O também escritor W.J. Solha elenca o livro póstumo Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores, lançado em 2018, por uma razão pessoal — e especial. Em trechos da obra, Ariano, através de um alter ego, cita autores que lhes são importantes, mesclando ou mascarando o nome deles através do sobrenome Schabino. E Solha é um desses autores.
O professor e documentarista Claudio Brito conheceu Ariano em 2007, com o intuito de biografá-lo, utilizando, para isto, a linguagem cinematográfica. O resultado foi a chamada “tetralogia suassuniana”, composta pelos filmes Ariano Suassuna: Cabra de coração e Arte ou o Cavaleiro da Alegre Figura, Ariano: Impressões, Ariano: Suassunas e Ariano: Armorial. Brito justifica suas escolhas nas multifacetas que Ariano mantinha: também professor da disciplina de Estética na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ele reuniu muitos dos seus discursos em “aulas-espetáculos” no livro Iniciação à Estética, de 1975.
Outra publicação também reúne produções não-literárias: Almanaque Armorial, de 2008 e atualmente fora de circulação, compila ensaios sobre vários temas — como filosofia e política. “São duas vertentes pouco lembradas fora do ambiente acadêmico, mas de suma importância dentro da obra de Ariano”, pontua Cláudio Brito.
Um ex-aluno de Ariano passou a gerenciar os seus lançamentos literários, com autorização da família: Carlos Newton Júnior, pernambucano e também escritor. Ele ressalta que seu Ariano se tornou um “superstar” graças à minissérie e filme de O Auto da Compadecida, mas que, dentro da cena teatral, suas outras peças sempre foram muito consumidas e aplaudidas. “Considero que há uma trilogia dramática, composta por O Auto, A Farsa da Boa Preguiça e A Pena e a Lei. São as três obras que mais mergulham no romanceiro popular nordestino. Mas em A Pena, além de associar o texto à literatura de cordel, ele também traz a estética dos mamulengos para a encenação”, explica.
Só Sei que Foi Assim
Em celebração à memória de Ariano Suassuna, a Secretaria de Estado da Cultura (Secult), promove hoje, na cidade de Taperoá, o evento multicultural e gratuito Só Sei que Foi Assim. Começa às 6h, com apresentação da Filarmônica Municipal Maestro João Fernandes de Souza, na sede da orquestra, no centro da cidade. Um cortejo cultural deve percorrer as principais ruas do município, iniciando do Ponto de Cultura Os Sertões, a partir das 9h30. O Encontro Armorial entre a Banda Avuô e o instrumentista Lucas Carvalho fazem tributo à verve musical de Ariano: será na Igreja São Sebastião, às 10h.
À tarde, a mesa “O realismo fantástico na obra de Ariano Suassuna” debate o legado literário do autor a partir das 14h, com a presença do artista plástico Dantas Suassuna, filho de Ariano, o escritor Bráulio Tavares, o pintor Flávio Tavares, e a presidente da Empresa Paraibana de Comunicação (EPC), Naná Garcez. De volta à Igreja São Sebastião, às 16h30, os músicos do Programa de Inclusão Através da Música e das Artes (Prima) entoam a peça “Concerto Armorial”. A programação se encerra às 17h30 com Torturas de um Coração, espetáculo escrito por Ariano para teatro de mamulengos, encenado pelo Grupo Teatro Oficina na Praça João Suassuna.
A presidente da EPC destaca que hoje serão disponibilizadas ao museu cópias do Correio das Artes, suplemento literário de A União que, neste mês de julho, traz uma série de reportagens especiais sobre Ariano; um quadro em tamanho aumentado da capa do suplemento, com uma caricatura desenhada pelo artista Tônio, também deve ser entregue à administração do memorial. “Em uma de suas entrevistas, Ariano disse que uma das maneiras que existem para superarmos a morte é deixarmos nossa produção como legado. E sabemos que ele foi muito exitoso neste aspecto”, finaliza Naná Garcez.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 23 de julho de 2024.