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Escritor paraibano faria 95 anos hoje: Manuel Dantas Suassuna faz um exercício especulativo, caso o pai estivesse vivo

Ariano: se a gaita tocasse para ele?

publicado: 16/06/2022 10h30, última modificação: 16/06/2022 10h30
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Dramaturgo e escritor paraibano terá toda a sua poesia publicada em uma única antologia neste ano, através da editora Nova Fronteira - Foto: Foto: Evandro Pereira

por Joel Cavalcanti

por Joel Cavalcanti*


Hoje, Ariano Suassuna completaria 95 anos se vivo estivesse. Em um exercício de imaginação que o universo do escritor enseja, é provocante criar uma alegoria para pensar como seria se não tivesse chegado para o mestre paraibano a Moça Caetana, ela que representava a morte sertaneja nas novelas armoriais. E se a gaita benzida por Padre Cícero tocasse e Ariano Suassuna retornasse oito anos depois, dançando qual Chicó em O Auto da Compadecida? Se o infarto que o vitimou fosse apenas uma “bexiga de sangue de galinha” que há tempos nos enganou, assim como na famosa peça? O que seria dito a Ariano, assim que ele retornasse, sobre a obra dele e sobre o Brasil atual? Quem ajuda a considerar essa fantasia é Manuel Dantas Suassuna, filho de Ariano, que é pintor, escultor, desenhista e cenógrafo. É ele quem está responsável pela gerência dos projetos editoriais das obras do pai.

Em 2013, um ano antes da morte de Ariano, ele havia sofrido um infarto agudo do miocárdio no Recife (PE). Logo após o ocorrido, Manuel Dantas e o poeta e professor Carlos Newton Jr. fizeram uma reunião com Ariano, que previu que seu fim estaria próximo. O paraibano passou, então, uma série de recomendações sobre como gostaria que sua obra fosse tratada quando ele partisse. “Eu diria a ele que o que a gente combinou, em 2013, está sendo feito. Mostraria a ele as edições de livros inéditos que foram feitas”, imagina Dantas. Entre os passos que foram definidos pelo autor e que vêm sendo seguidos estão a de colocar todo o acervo em apenas uma editora, dando unidade estética a tudo que foi produzido, como uma obra única. É isso que pode ser visto na edição de luxo do Teatro Completo de Ariano, assim como está previsto para esse ano a publicação da Poesia Completa.

Caso as vestes verdes da Academia Brasileira de Letras – feitas por uma costureira e uma bordadeira do Recife – tivessem de fato transformado Ariano em um imortal, hoje seria um dia de uma celebração mais íntima, reunindo filhos e netos para um almoço ou jantar em casa. Mas o papel de homem público também obrigava Ariano a participar de comemorações oficiais. Em ambas as ocasiões, ele fazia gosto de ser homenageado artisticamente e como intelectual. Se o país se ressente da falta de Ariano, no núcleo familiar dele, a ausência do pai e avô é uma experiência dolorosa. “Ele era uma pessoa extremamente bem humorada e com um profundo conhecimento das coisas. Eu nunca fiz uma pergunta a meu pai que não tivesse resposta. Nunca. Dentro de casa, era uma pessoa muito animosa, conversador, contador de histórias. Ele iluminava a família”, conta o filho de Ariano, que se casou em 1957 com Zélia de Andrade Lima e teve seis filhos.

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Manuel Dantas Suassuna é um dos responsáveis por colocar todo o acervo do pai em apenas uma editora, dando unidade estética a tudo que foi produzido por ele, como uma obra única

Como qualquer outro mortal, Ariano também se emocionava ao receber presentes. Quando completou 70 anos, Manuel Dantas decidiu dar ao pai uma obra de arte de sua autoria da qual ele jamais esqueceu: um quadro com cinco telas que dão cores aos locais mais significativos para o escritor, como a Pedra de Ingá, a Pedra do Reino e Acauã, além dos retratos dos pais de Ariano, Rita de Cássia Dantas Villar e João Suassuna. “Ele havia saído justamente para uma comemoração oficial e quando chegou em casa eu coloquei o quadro de surpresa na parede da casa dele”, relembra Manuel Dantas. A peça está atualmente instalada no Museu Casa de Ariano Suassuna, em Taperoá.

Com forte atuação política, inclusive partidária como secretário de Cultura de Pernambuco (1994-1998) e secretário de Assessoria do governador Eduardo Campos até abril de 2014, o que Ariano ouviria de seu filho sobre a situação atual do Brasil certamente iriam no sentido oposto a tudo que o escritor sonhou por toda vida. “O país entrou em uma política entreguista. Apesar de o governo dizer que é nacionalista, isso é mentira. Ele estaria muito triste com a política do Brasil”, prevê Dantas.

Mas essa é apenas uma das facetas da nação, e Ariano costumava diferenciar o Brasil oficial, dos privilegiados, do Brasil real, do povo. E sobre esse último há muito que se ter esperanças ainda. Como o próprio Ariano falou em seu discurso de posse na cadeira número 32 da ABL. “Não é desprezo pelo que é nosso, não é desdém pelo meu país. O ‘país real’, esse é bom, revela os melhores instintos. Mas o ‘país oficial’, esse é caricato e burlesco”, definia ele. O que Manuel Dantas falaria para seu pai é que a diferença entre essas duas formas de viver e enxergar o país só fez se expandir desde a sua morte. “O Brasil profundo continua, mas a disparidade aumentou”, acredita.

Ao completar 95 anos, Ariano poderia ver que o Romance de Dom Pantero no Palco dos pecadores foi publicado com mais de mil páginas, e que a obra consolidou o estilo literário do escritor. Seria possível ainda ele visitar uma exposição no Centro Cultural Banco do Brasil sobre os 50 anos do Movimento Armorial que, depois de levar um grande público ao Rio de Janeiro, a mostra com debates e apresentações culturais vai passar ainda por São Paulo e Brasília. “Ele não desaparece por completo, pois permanece vivo em sua obra. Ele continua com essa chama imortal, que é a chama do artista. A obra dele é imortal”, assegura Manuel Dantas. E se fosse realmente possível dizer mais algumas palavras ao seu pai, Dantas daria logo uma missão: “Pai, vista a roupa, e vá à luta do Brasil ideal. Vá fazer suas aulas-espetáculo que é agora que o Brasil está precisando mesmo”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 16 de junho de 2020.