Ariano Suassuna costumava falar que era muito conhecido como dramaturgo, relativamente conhecido como romancista, mas profundamente desconhecido como poeta, e a poesia – dizia ele – era a fonte profunda de tudo que ele escrevia. “Antes de tudo, eu sou poeta”, afirmava. João Suassuna, neto do autor de O Auto da Compadecida, lembra dessa faceta do escritor paraibano ao exibir para um público de convidados as chamadas Iluminogravuras que Ariano deixou.
Parte integrante do Movimento Armorial, a poesia visual desenvolvida por Ariano combina a iluminura (pintura decorativa aplicada às letras capitulares de antigos pergaminhos medievais) com gravura e algumas delas –como uma dedicada ao poeta Augusto dos Anjos, datada de 1985 – integram o Museu Ariano Suassuna Sonho e Esperança, cujo curador é justamente o neto de 38 anos de idade, advogado e palestrante (como o avô, ele também dá aula-espetáculo).
O museu, que abre oficialmente ao público neste sábado, na capital paraibana, é uma mostra itinerante que reúne objetos pessoais do escritor (como a máquina em que ele escreveu sua obra máxima, O Auto da Compadecida), homenagens, recortes de jornal, traduções de suas obras em outros idiomas e, claro, as tais Iluminogravuras, entre outros itens que pertencem ao acervo do neto. Ao todo, a exposição reúne cerca de 250 itens, incluindo alguns pertences do pai de Ariano, cujo nome João Suassuna herdou.
Entre os pertences do ex-presidente da Paraíba (cargo equivalente, hoje, ao governador de estado) estão a pasta que João Suassuna usou quando foi deputado federal, a bengala, que tem cravejada em baixo relevo as iniciais “JS” e uma espada da Guerra do Paraguai que, segundo o neto, ele ganhou quando era presidente da Paraíba.
A ideia desse museu itinerante surgiu no meio do ano passado. Segundo João Suassuna, os itens obedecem uma certa linha cronológica quer percorrem tanto a vida pessoal, quanto artística do escritor. “Há o Ariano filho de João Suassuna, o Ariano namorado/noivo/marido de Zélia, o Ariano pai e avô, e o Ariano mais conhecido, o Ariano artista, mas não só o escritor, mas outras facetas pouco conhecidas dele”, afirma o curador.
Essa faceta pouco conhecida inclui, além do poeta das Iluminogravuras, trabalhos em tapeçaria raramente vistos, como o brasão da família Suassuna e a Insígnia Astrológica de Quaderna, que integra as edições de Romance da Pedra do Reino, obra que mede 1,35 m de largura por 1,70 de altura e data de 1986.
A estreia da mostra Sonho e Esperança ocorreu em Paraty (RJ) e de lá veio para João Pessoa. “A gente pensou em criar um museu fixo, mas se eu coloco esse museu em Recife, o pessoal da Paraíba vai dizer ‘mas ele era paraibano’. Se coloco na Paraíba, Pernambuco vai protestar, lembrando que foi lá que ele constituiu família. Pensamos no Rio de Janeiro, onde ele tem muitos fãs, mas aí vão dizer que a aldeia onde está fincada a obra dele é o Nordeste, então tivemos a ideia de fazer esse museu itinerante para que mais cidades, mais pessoas possam ter contato com o universo plural de Ariano Suassuna”, justifica o neto.
A exposição estará aberta à visitação pública, das 14h às 18h, todo primeiro sábado de cada mês, até dezembro, no imponente casarão de número 1967 da Avenida Epitácio Pessoa, na capital paraibana, e é promovida pela Marcos Inácio Advogados, que instalou no sobrado que pertenceu à família Ribeiro Coutinho o segmento empresarial do escritório de advocacia.
A entrada é gratuita, mas é preciso retirar o convite na plataforma do Sympla, afinal, o número de visitantes é limitado.
‘Compadecida 2’ teve aval da família
Com estreia agendada para o Natal, no dia 25 de dezembro, O Auto da Compadecida 2 é um dos longas-metragens mais aguardados de 2024. Continuação do filme homônimo lançado em 2000, o novo projeto de Guel Arraes (desta vez em parceria com Flávia Lacerda) teve o completo aval da família, de acordo com João Suassuna.
“O envolvimento da família foi pleno”, afirma João Suassuna, lembrando que, ainda em vida, Ariano chegou a discutir ideias com Guel Arraes para uma nova história envolvendo a dupla João Grilo e Chicó (vividos nas telas, respectivamente, por Matheus Nachtergaele e Selton Mello). “Eles ainda não sabiam se seria um filme, uma série ou os dois”, acrescenta o neto.
João atribui à continuação a uma espécie de agradecimento ao público brasileiro pelo carinho que ele tem com O Auto da Compadecida de 2000. “É um dos filmes mais vistos da Globo nos últimos 25 anos”, garante, lembrando que o longa nasceu de uma microssérie de quatro capítulos, que foi reexibida pela Rede Globo em 2020, em uma versão remasterizada em 4K e que comprovou a perenidade do sucesso da adaptação audiovisual.
“No primeiro semestre de 2020, foi firmado o contrato entre a família Suassuna e Guel Arraes e a gente começou a trabalhar nesse novo projeto, que só foi divulgado três anos depois. Lembro bem que foi num domingo, dia do Oscar (12 de março do ano passado), que estava todo falando de cinema, que saiu a notícia que haveria O Auto da Compadecida 2”, recorda.
João Suassuna enfatiza que não se trata de uma refilmagem do material de 2020, mas de uma continuação. “É um material inédito, um roteiro original (cuja família Suassuna foi consultora, segundo o neto) com respeito ao universo do meu avô e profundamente vinculado ao universo de Ariano, bebendo em obras que ele deixou e, também, obras inéditas”, conclui ele.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 03 de fevereiro de 2024.