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Arte feminista do Sertão: Yasmin Formiga realiza a sua produção com uma das bases na luta das mulheres

publicado: 03/03/2022 09h03, última modificação: 03/03/2022 09h03
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Foto: Roan Nascimento

por Joel Cavalcanti*

corpo e o espaço. O que se faz do corpo carregado de símbolos e desejos, e como se interage com o espaço cheio de vida e histórias. É na interação desses elementos que, no Vale do Sabugi, a paraibana Yasmin Formiga realiza suas intervenções artísticas reforçando a luta das mulheres contra os diversos tipos de violência e dos seus antepassados pelo respeito à terra em seu caráter ambiental e místico. Trabalhando com esculturas, instalação, pintura e a performance, a artista busca atuar ativamente na sociedade, denunciando injustiças e levando sua linguagem artística para a aridez do Sertão do estado.

O nome de Yasmin Formiga ganhou destaque nacional depois que um protesto realizado por ela em suas redes sociais demonstrou a apologia ao estupro presente na música ‘Só surubinha de leve’, de MC Diguinho. Com uma fotografia segurando um cartaz com parte da letra do funk e com o próprio rosto pintado simulando uma agressão, a estudante de 24 anos do curso de Artes Visuais da UFPB conseguiu impedir a divulgação da música nas plataformas digitais. Hoje, Yasmin prefere não tocar mais nesse assunto ocorrido há quatro anos, mas seu trabalho contra o feminicídio permanece atuante.

“Vivenciei certos abusos e estive grande parte de meu tempo na delegacia especial de atendimento à mulher. Isso me fez questionar e querer falar mais sobre isso para trazer um tipo de conscientização”, explica a artista sobre como se deu a criação de uma série de performances sobre a violência de gênero apresentadas nas ruas de João Pessoa, além de escolas públicas e instituições culturais. Levadas ao público entre os anos de 2018 e 2019, as intervenções interativas constituem um dos principais trabalhos realizados por ela. “Essas performances acabaram sendo um pouco desgastante para mim porque se tratava de assunto muito delicado e muito doloroso”, revela a artista.

Ela assume o caráter social e político de sua produção, questionando também o acesso e o consumo de arte contemporânea nos centros urbanos, que costumam servir sempre a um mesmo público específico, não alcançando as comunidades interioranas. “Quanto mais eu me afirmo como artista sertaneja, mais eu busco outros artistas do sertão para que juntos possamos fazer uma mobilização”, diz ela, que defende um tipo de arte que seja libertária para a população de Santa Luzia. “É preciso pensar em uma arte decolonial, não eurocentrada. De que adianta levar uma arte para lá se ela não estiver dialogando com as vivências daquelas pessoas?”.

“A gente não vê tanto nas mídias o feminicídio que acontece por aqui, e de uma forma tão grave. Foi algo que teve uma construção importante na minha trajetória, mas eu sinto que hoje eu tenho outros assuntos para tratar. Decidi dar uma pausa nessas performances sobre violência de gênero e começar a fazer outro tipo de trabalho também”, conta Yasmim Formiga, que atualmente busca criar uma conexão com a terra, fazendo mandalas e espirais com elementos orgânicos e também com o que ela encontra no ambiente da caatinga, como pedras, galhos e flores. Esses lugares servem, segundo Yasmin, como pontos de ativação energética. “Estou atribuindo mais o meu trabalho a minha espiritualidade e ao local de onde eu vim, no Sertão”.

Com esse novo direcionamento artístico, Yasmin tem se aprofundado na pesquisa de land art, tipo de expressão artística que se produz em um terreno natural. É se espalhando pelas matas da caatinga que ela constrói suas relações de afeto com o ambiente fundamentando seus estudos nos eixos temáticos de memória e esquecimento, pertencimento e indícios, cotidiano e encontros, corpo e espaço, natureza e territórios. “A questão agora é buscar e reconhecer a territorialidade, o lugar de onde eu vim, o reconhecimento da minha ancestralidade e o descobrimento que sou descendente de cangaceiros”, considera Yasmin, que relaciona o ciclo da paisagem rural que passa do período de seca para os de chuva e consequente colheita com o próprio ciclo da vida, que enxerga o tempo de forma não linear.

“Essa percepção do ciclo morte-vida e de como minhas antepassadas passaram por isso, até chegar em mim esses conhecimentos que vêm da terra. Questionar essas raízes e buscar essas raízes me faz cada vez mais compreender quem eu sou e dessa forma querer mostrar em meu trabalho artístico e em minhas produções. Querer mostrar de onde vem esse sertão interior, que todos nós temos”, conclui Yasmin Formiga.

 *Matéria publicada originalmente na edição impressa de 03 de março de 2022