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Arte urbana vai à galeria

publicado: 15/10/2025 08h33, última modificação: 15/10/2025 08h35
Seis artistas expõem, a partir de amanhã, na Usina Cultural Energisa, com obras que mostram a linguagem artística das ruas
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Foto: Leonardo Ariel
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Os artistas que expõem, a partir de amanhã, na Usina Cultural Energisa: Albenise Vasconcelos | Fotos: Divulgação/Usina Energhisa
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Felipe Tomaz
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Ferdinnande
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Luiza Ribeiro
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Zéllo Visconti
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Marla Melo
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por Daniel Abath*

Os movimentos artísticos de intervenção urbana destacam-se pela vontade de particularizar os lugares, modificando visualmente os espaços públicos. Pode assumir a forma de um estêncil pintado em um muro abandonado ou um adesivo colado em um mapa no chão de uma galeria de arte. Pensando e intervindo sobre todas essas coisas, a terceira edição do edital Lab Ocupação Artes Visuais, de iniciativa da Usina Cultural Energisa, em Tambiá, na capital, abre amanhã, a partir das 19h, a exposição coletiva Impressões Urbanas – Entre a Rua e a Galeria. Com curadoria de Dyógenes Chaves e Thayroni Arruda, participam da mostra os artistas Albenise Vasconcelos, Felipe Tomaz de Morais, Luiza Ribeiro, Marla Melo e Zéllo Visconti, além da artista convidada Ferdinnande. As obras ficarão expostas à visitação pública até o dia 15 de novembro. 

Entre criações bidimensionais e tridimensionais, seis obras (uma a cargo de cada artista) estarão disponíveis à contemplação dos interessados, perfazendo expografia dotada de impressos de lambes com intervenções artísticas urbanas, a exemplo de caligrafias de pixo, um manequim enovelado por fios e um mapa do estado da Paraíba bordado em crochê, exposto na parede. Dependurada, ao centro da sala, uma bandeira da Paraíba e, abaixo dela, um mapa da capital paraibana pensado para ser uma atividade educativa da mostra. 

“A ideia é que as escolas visitem a exposição. As crianças vão poder pintar carinhas em stickers, vão recortar e colar no mapa ao chão, exatamente no bairro onde eles moram. É um educativo orgânico. No decorrer da exposição esse mapa vai se transformando”, explica o artista visual e cocurador campinense Thayroni Arruda. “No fim, a gente vai ter um censo de quem visitou, quais os bairros que passaram pela exposição”.

Thayroni detém ampla familiaridade com a temática, já que trabalha com muralismo e arte urbana desde 1995. “Minha pesquisa recai justamente sobre isso, sobre como transportar um trabalho genuinamente urbano para dentro da galeria, sem que esse movimento traga algum custo para o conceito urbano da arte”, afirma ele, atento para o cuidado com a identidade das ruas na transposição rua-galeria — ademais, o intuito é fazer dialogar a ambiência mais formal do espaço expositivo em suave passagem do asfalto para o salão.

“A arte urbana é diferente da arte moderna e da arte contemporânea. Ela traz mais elementos, é mais cultural”, pontua o cocurador, que, a despeito do métier artístico, possui formação em Sociologia, ocasião em que aprofundou estudos acerca das sociabilidades urbanas. “Não se fecha e não se limita apenas às questões visuais. Abrange mais a estética, as relações entre os indivíduos, os costumes, as vestimentas. Falo na questão cultural como um todo”.

Para Thayroni, a tarefa não é simples. A partir do momento em que a arte deixa o espaço urbano alguma coisa já se perde pelo caminho, o que é natural nos processos de tradução entre linguagens. Dessa forma, desde o início da proposta, o foco incidiu sobre os esforços de minimização das perdas. “Para não ficar algo caricato, ou fake”, nas palavras do curador. Polifônico, o duplo entendimento de impressões urbanas diz respeito tanto à impressão causada pelo espaço citadino quanto à materialidade gráfica do imprimido.

Impressões intergeracionais

Dentre os seis artistas participantes, Zéllo Visconti desponta como o grande veterano, não apenas na idade — Zéllo conta com 84 anos —, mas pelo que aprendeu ao longo de 52 anos de carreira profissional. Desses, os últimos oito anos passaram-se sem que o artista tirasse do ateliê qualquer resquício de seu trabalho; hermético, sobretudo, devido à pandemia. Quando do surgimento do edital e da possibilidade de trabalhar com artistas jovens e imergir nos contextos culturais das atuais gerações, afeitas ao digital e a linguagens fluidas, achou aquilo tudo fantástico e viu-se completamente envolvido, tal qual a obra que ora expõe.

“Comecei a mostrar meus trabalhos lá no Rio de Janeiro”, afirma o carioca de Bonsucesso radicado em João Pessoa. “No Salão de Belas Artes, depois de um prêmio, fui para Europa, fiquei um tempo, expus na Europa toda, nos Estados Unidos, viajei para o Japão. Então, tenho um background muito bom. Mas estar com os jovens, com essa vibração urbana, ir para rua, isso me fez muito, muito bem. Mexeu poeirinhas adormecidas”, acrescenta.

Zéllo aqui se refere a uma série de atividades realizadas nas ruas durante o mês de residência, a exemplo de colagens de lambes, caminhadas de reconhecimento do espaço, entre outras.

“O processo fala mais do que a própria obra. Um mês estando junto com a galera, conhecendo os artistas, discutindo, conversando e produzindo junto, eu vi que esse processo é mais rico do que o próprio resultado”, analisa Thayroni.

Entre os jovens referidos por Zéllo, Marla Melo já fazia há alguns anos fotografias de eventos das movimentações culturais periféricas da cidade e manifestava vontade de congregar fotografia e pixação.

“Quando publicaram o edital, vi a oportunidade de colocar em prática essa ideia e ainda com a possibilidade de experimentar a serigrafia”, diz ela. “A curadoria de Dyógenes e Thayroni foi a coisa mais valiosa de todo o processo. Além disso, cada artista acompanhou a evolução do trabalho do outro e houve muita troca positiva. Eu já esperava muita coisa boa do laboratório, mas o processo me surpreendeu muito a ponto de ter contaminado meu olhar como fotógrafa”.

O fio do trabalho de Zéllo Visconti começa nos antigos orelhões das ruas de Baía Formosa (RN). Enredado pelas fibras telefônicas relegadas às sarjetas, passou a “cabear” os aparelhos telefônicos com a técnica da colagem, sua especialidade. Na capital, o cabo condutor do objeto localizado em frente ao Hotel Globo veio parar na Usina Cultural, algo já experimentado pelo artista em trabalhos embrionários com barbantes e colagens, em mostra internacional da qual participou em Madri.

Considerando-se um artista tropical-popular, Zéllo encantou--se à primeira vista com o prédio amarelo do começo da Avenida Epitácio Pessoa, logo quando chegou à capital. “O taxista falou: ‘Ah, é a Usina Cultural’. Na hora eu falei: ‘Cara, já pensou se eu morasse aqui um dia para fazer uma exposição nesse lugar?’. Morava na Europa, nessa época, e me apaixonei pela cidade”, relembra o artista, que agora reproduz com carvão o prédio emaranhado de fios ligados ao ser humano — um manequim amordaçado, aprisionado, coberto com o mesmo material de colagem utilizado no orelhão e um plástico transparente, que será cortado por Zéllo na abertura de amanhã.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 15 de Outubro de 2025.