“Arte faz bem à saúde”. Foi o que disse o pintor, artista gráfico, curador e crítico Raul Córdula, que completou oito décadas de vida no dia 17 de abril e assegurou que vai continuar produzindo suas obras. No intuito de celebrar seus 80 anos de idade, dos quais 63 dedicados à arte, ele abre, hoje, a partir das 19h, na Usina Cultural Energisa, em João Pessoa, a exposição Raros, múltiplos - Arte sobre papel, que reúne 82 obras sobre papel, a exemplo de gravuras, desenhos, colagens e aquarelas, criadas entre 1963 a 2023.
O evento ainda marca a comemoração dos 20 anos da mostra Antologia 1963-2003, também de Raul Córdula, por ter sido o primeiro artista paraibano a realizar uma individual na Usina. O público poderá visitar gratuitamente o local até 18 de novembro, sempre de terça-feira a sábado, das 13h às 18h. A individual tem curadoria do artista visual e crítico Dyógenes Chaves. O evento ainda comemora os 20 anos de atuação da Usina Cultural Energisa. Na ocasião, também será lançado o catálogo oficial do projeto Ocupação Usina de Artes Visuais 2019-2020.
“Eu me sinto como se estivesse com oito anos, porque me sinto bem, ótimo e feliz como uma criança. Quase toda criança é feliz. Acho que toda criança deveria, pelo menos, ser feliz”, disse Córdula, que nasceu em Campina Grande, mas está radicado em Pernambuco. “Eu fiz verbetes para cada série de desenhos, informando o que me fez criá-los e determinar os temas, que vão estar ao lado das obras, o que é uma maneira bem didática. Espero que facilite muito para o público, o que é raro de se ver em exposições, principalmente na Paraíba”.
Para o paraibano, a exposição é uma oportunidade para colocar algumas sequências através dos gestos criativos originais, dos esboços e projetos de seu trabalho. “O que, provavelmente, estreia uma nova forma de ação educativa na área das mostras de arte temáticas, porque expõe o que está por trás das criações da pintura, da gravura e das obras chamadas de ‘desenhos’. Desenho vem de designo – desenhar é designar. Designo em inglês é design, que significa projeto, e não estilo, expressão gráfica ou formal. Estas variações do sentido da palavra desenho são muito acentuadas em português, e uma destas variações se localiza na condição desta palavra como expressão artística: desenho como arte”, explicou o artista visual.
Na mostra, haverá trabalhos em papel, como uma série de grafismos que marcam a integração na arte abstrata de Raul Córdula, antes da geometria, que começou a existir nos anos de 1970. “Estes grafismos, porém, também foram trabalhados em várias épocas de minha trajetória. Seguindo este caminho há também uma série de desenhos avulsos abstratos, geométricos ou figurativos que realizo até hoje”.
Naquela mesma década, Raul Córdula também trabalhou com gravuras e estampas serigráficas e litográficas, das quais algumas peças foram selecionadas para a exposição, que ainda inclui desenho que o artista paraibano imaginava de Santa Córdula, uma das 10 virgens que acompanhavam Santa Úrsula a caminho de Roma para obter os votos perpétuos.
Os visitantes também poderão observar a série de guaches Meu avô matou uma onça, que Raul Córdula produziu nos anos 1970. “É a respeito a uma das histórias de minha família, da família Trevas, de minha mãe, quando meu avô Vicente Cordeiro de Barros Trevas, na cidade de Serra dos Ventos, interior de Pernambuco, matou uma onça que ameaçava os fazendeiros de lá. Na luta, pois ele levou uma queda e quebrou seu rifle, ele matou com um facão de mateiro entregue a ele por um amigo que o ajudou. Foi uma luta ferrenha e a onça comeu o dedão do pé de meu avô”, relatou o artista.
Outros trabalhos integram a individual, a exemplo da série de desenhos Araguaia, que aborda a guerrilha do Araguaia e a dizimação dos guerrilheiros de esquerda. As inscrições rupestres da Pedra do Ingá são outro tema do artista. “Sempre me interessaram, tanto pelo mistério do tempo e da incomunicabilidade dos desenhos e, possivelmente, dos caracteres insculpidos na Pedra”, comentou ele.
O tao é mais um assunto do interesse de Córdula. “Desde que me iniciei, na década de 1960, na arte geométrica que meus temas formais são os triângulos, o quadrado e o círculo, que componho em acordes formais e cromático. Não demorou muito para perceber neste conjunto o símbolo do tao, marca gráfica do taoismo, de filosofias como o confucionismo e o budismo. Repito esse tema até hoje em desenhos, pinturas e gravuras”.
Na exposição, desenhos intitulados À Mais Bela retratam aspectos como a lenda do amor entre Páris e Helena de Troia e a Guerra de Troia. “Esses desenhos são uma interpretação destes momentos históricos e uma homenagem à arte, pois o pomo de ouro é também signo de masculinidade e se colocou na história não como uma simples maçã, mas como uma maçã dourada”, comentou Córdula.
Além das oito décadas de vida, Raul Córdula também lembrou que, em 2023, se completam os 50 anos de outra criação sua, o mural que ornamenta a fachada da Assembleia Legislativa da Paraíba, no Centro de João Pessoa, por encomenda do então governador Ernane Satyro. No início deste mês, o artista visitou a sede do parlamento estadual e confessou orgulho por ter criado a obra feita em aço inox, chamada Pomba da Paz, que tem 12 metros de altura e seis metros de largura.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 19 de outubro de 2023.