por Gi Ismael*
“Não é preciso gravar um CD inteiro atualmente. É a era dos singles”. A frase dita em 2017 por Brad Whitford, guitarrista da banda Aerosmith, está mais atual do que nunca. Enquanto casas de shows e bares fecharam as portas em 2020, artistas no mundo inteiro procuraram alternativas de sustento e de produção musical enquanto estavam em isolamento social. Ao longo dos meses, novos projetos musicais surgiram e outros já existentes aproveitaram para tirar ideias da gaveta. O resultado disso foi uma porção de lançamentos de discos e uma enxurrada de singles.
Um dos principais serviços de streaming de música e podcasts, o Spotify anunciou neste ano que cerca de 60 mil músicas de todo o mundo são lançadas na plataforma diariamente. Em outras palavras, praticamente uma por segundo. Foi justamente neste período de pandemia e a popularização dos streamings que o ramo avançou a passos largos. Segundo a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI, em inglês) a indústria fonográfica mundial cresceu 7,4% em 2020; no Brasil, o crescimento do mercado foi mais do que o triplo da média mundial: 24,5%.
Mas os singles não são novidade e sim a origem de toda a indústria musical. Isto porque os primeiros discos de vinil que eram produzidos com uma única faixa (daí o nome “single”), no formato sete polegadas. Algum tempo depois, vieram as prensas nos dois lados da “bolacha” e o aumento do tamanho e capacidades dos vinis, que se tornavam EPs ou LPs (doze polegadas). A teoria diz que singles são os lançamentos que contêm até três faixas, mas atualmente o nome é levado ao pé da letra.
Kevin Melo, cantor e compositor conhecido como Melo, estreou sua carreira musical solo em 2021. Entre abril e dezembro, o artista lançou quatro singles nas plataformas digitais. “Cada canção lançada nesse meu último projeto conta uma história que tem início, meio e fim. As canções se concluem nelas mesmas e são ambientadas em tempos e espaços diferentes, mas juntas têm algo em comum. Todas elas induzem a reflexão, e apesar de algumas histórias serem quase centenárias, as reflexões são sempre atuais”, explicou. Além da parte conceitual das faixas, Melo diz que se adequar a esse formato é entrar no ritmo das tendências atuais.
O cantor e compositor conhecido como Melo já lançou quatro singles nas plataformas digitais.
“Acredito que o lançamento de singles ao invés de álbuns se justifica pelo período histórico que vivemos. Nos primórdios da indústria fonográfica era tudo muito lento. Se eu quisesse mostrar o meu trabalho, precisaria convencer uma gravadora a investir seu tempo e dinheiro em mim, meu material seria gravado e enviado para todo o país para que em alguns meses soubéssemos se pelo menos uma das 10 ou 12 canções gravadas fez sentido para uma quantidade de pessoas que pagasse o investimento que a imprensa teria feito em mim”, contextualizou.
“Tudo é pra ontem, tudo precisa ser em pílulas, a vida é homeopática”, continuou. “A maioria já ‘não tem tempo’ de escutar um álbum inteiro e menos ainda de esperar um ano para ver um novo lançamento. O que parece importante agora é periodicidade de lançamento e alta exposição on-line, é o que chamam de ‘criar conteúdo’. As novas gerações te dão os 15 segundos de um vídeo na vertical porque você as convence de que merece ser ouvido, então é assim que a banda toca”.
Enquanto, por um lado, vemos em 2021 o colecionismo fazendo com que a produção de discos de vinil bata recordes e supere a venda de CDs, o imediatismo faz com que brotem singles por todos os lados. Desde 2019, os lançamentos de uma única faixa são mais constantes no Brasil, e parte disso foi impulsionado pela visionária Anitta. Naquele ano, a cantora pop lançou cerca de vinte singles, que fizeram seu nome estar sempre em evidência. Apesar de ter apenas cinco discos lançados, atualmente Anitta possui mais de 81 singles nas plataformas digitais.
A cantora e compositora paraibana Sofia Gayoso é bastante presente na Internet e encara os singles como uma ótima estratégia para artistas independentes. “Os singles fazem com que tenhamos várias oportunidades de trabalhar nossas músicas ao invés de lançar tudo de uma vez. Eu também lanço clipes junto com os singles, acho legal que a gente trabalhe a presença no digital de todas as formas possíveis já que não temos um investidor por trás no nosso trabalho”. Outra forma que Sofia encontrou de manter-se em evidência é através de vídeos onde faz releituras de músicas de outros artistas, alternando, de forma cautelosa, com seus lançamentos de trabalho autoral.
A cantora e compositora paraibana Sofia Gayoso é bastante presente na internet
“Acho que o artista que quer ser ouvido tem que usar dos artifícios que o momento dá pra ele”, disse Vítor Figueiredo, vocalista da banda Emerald Hill. O grupo paraibano também optou por lançamentos de singles, mas, por sua vez, de três canções que farão parte de um mesmo álbum, previsto para ser lançado em janeiro de 2022. Vítor Figueiredo, vocalista da banda, concorda que o fenômeno acompanha aquilo que acontece na Internet. “A gente lançou um single por mês desde outubro, visando ao mesmo tempo prender a atenção do público na era da produção constante de conteúdo e promover o disco a ser lançado em 2022. Eu, pessoalmente, vejo com um pouco de cinismo a necessidade imposta por algoritmo de produção constante e o efeito que esse tipo de cobrança pode ter sobre a produção artística, mas também acho que conseguimos usar esse espaço sem sermos limitados por ele, até porque o material já estava bem avançado quando pensamos em fazer os singles este ano”, disse.
A banda paraibana Emerald Hill também optou por lançamento de singles, mas visa um álbum.
O formato do single permitiu que a gente explorasse um projeto artístico para cada música, entregando um pacote mais completo para a conexão com a audiência. Acho que chegamos mais longe, inclusive, com esses singles que com o primeiro disco da banda, ainda que por mais fatores do que só a questão de formato. Mesmo assim, ainda vejo que esses singles servem primeiramente ao álbum como peça maior, e no fundo servem como prévia para ele”. Segundo Vítor, ter apostado em singles mostrou resultados positivos a cada lançamento, uma vez que isso refletiu em reproduções de músicas mais antigas de Emerald Hill, crescendo a projeção da banda como um todo.
Em um breve levantamento na Internet, a equipe de reportagem de A União listou cerca de 20 singles, de 15 artistas paraibanos diferentes, lançados nos últimos três meses. Através do QR nesta página, você confere uma playlist feita em parceria com a Rádio Tabajara com algumas dessas canções.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 28 de dezembro de 2021