Em 1949, o Brasil tinha como presidente o general Eurico Gaspar Dutra, desembarcavam no Brasil os equipamentos para a primeira transmissão de uma emissora de televisão no país, e o jornalista Carlos Lacerda fundava a Tribuna da Imprensa. Nestes 75 anos, entre aquilo que pereceu, sobreviveu ou se modificou desde 1949, segue em atividade permanente o Correio das Artes, periódico cultural mais antigo do Brasil ainda em vigência. O suplemento do jornal A União completou recentemente 75 anos. Com tiragem mensal de 1.100 exemplares impressos e um acesso crescente em sua versão on-line, disponibilizada gratuitamente no site de A União.
Em sete décadas e meia abordando a literatura e diversas expressões culturais paraibanas, o Correio das Artes foi tema de estudos de dezenas de trabalhos acadêmicos, de livro do poeta e jornalista Hildeberto Barbosa Filho (Correio das Artes: Breves Anotações para sua História, publicado em 2000) e foi laureado com prêmios, como o de periódico de melhor divulgação cultural pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) em 1981.
Reconhecimento
Vários editores gerais passaram pelo Correio das Artes. O poeta pernambucano Edson Regis foi o primeiro, ainda nos anos 1940; nesta época, José Lins do Rego, Otto Lara Rezende e Paulo Mendes Campos foram alguns dos primeiros colaboradores. Já o poeta pessoense Sérgio de Castro Pinto assumiu o posto no início dos anos 1980.
Ainda que continuasse privilegiando a promoção da literatura, sobretudo a produção paraibana, foi Sérgio quem sugeriu dar visibilidade para outras manifestações artísticas, prática que permanece até hoje na publicação. Sob sua batuta, o Correio das Artes recebeu o reconhecimento nacional da APCA – e Sérgio foi buscar a láurea, representando a equipe, no Teatro Municipal de São Paulo. “Me dei ao trabalho de levar comigo vários exemplares recentes do Correio das Artes e junto de Neroaldo Pontes (escritor e ex-reitor da UFPB, que estava em São Paulo) distribuímos o suplemento para todos os presentes. Henfil, Marilena Chaui e Clodovil foram alguns dos que pegaram alguns exemplares”, evoca Sérgio.
Clodovil, que na época era colunista no TV Mulher, programa matutino da Rede Globo, dedicou alguns minutos de sua participação para falar do Correio das Artes e mostrá-lo para as câmeras no dia seguinte à premiação. “Foram os nossos 15 segundos de glória em rede nacional. E essa visibilidade nos salvou da extinção – nesta época, o então governador cogitava encerrar a nossa publicação”, considera o ex-diretor do suplemento.
Objeto de estudo
“Uma feliz coincidência”. É como define Ana Cristina Flor, funcionária da EPC desde 2014, sobre o fato de ter apresentado a defesa de seu mestrado em Ciências da Informação no aniversário do Correio das Artes, comemorado no último dia 27 de março. A casualidade se deve ao fato de que sua pesquisa, desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), tem como tema o suplemento.
Ana, que começou como estagiária do arquivo de publicações da EPC e hoje é coordenadora do setor, estudou nos últimos dois anos a evolução gráfica das capas do Correio das Artes, a partir de recorte das edições dos últimos 13 anos, dissecando o processo de indexação de temas na primeira página. “Logo que iniciei no arquivo de A União, uma das minhas atividades era a organização do acervo do Correio das Artes. Esse suplemento literário me encantou com suas abordagens voltadas ao âmbito da arte e cultura. Com isso, quando tive a oportunidade de cursar o mestrado, imediatamente quis que meu objeto de pesquisa fosse algo relacionado ao jornal A União, assim como foi na graduação”, lembra.
O trabalho foi intitulado “Descortinando o cenário cultural na Paraíba: representação da informação para o Correio das Artes do jornal A União”.“Só localizamos pesquisas tendo o Correio das Artes como objeto de estudo nas áreas de jornalismo, história e comunicação. A minha pesquisa possibilitará que outros estudiosos e interessados tenham conhecimento sobre essa revista que tanto engrandece a cultura paraibana”, sugere.
Texto profundo e QR code
Editor geral do Correio das Artes desde maio de 2019, o jornalista André Cananéa somava quase duas décadas de profissão quando foi convidado para assumir o posto. Antes um leitor contumaz do suplemento e colaborador eventual da publicação, desde então ele vem abrindo ainda mais o leque de temas abordados, sugerindo, por exemplo, pautas sobre obras de ficção científica e o desenvolvimento de perfis aprofundados de paraibanos célebres, como Sivuca e Jackson do Pandeiro. “Já que o Correio é das Artes”, diz, “que possamos abordar todas elas”.
A partir de combinação entre os preceitos tradicionais do jornalismo e as inovações que esta área incorporou no âmbito digital, o editor enumera as melhorias que o suplemento recebeu nos últimos anos. “Trouxemos o QR code como ferramenta auxiliar das páginas. Também articulamos para que as nossas matérias de capa sejam sempre com grandes reportagens. No ‘tempo digital’ de hoje, com a pressa e a prática de caça-cliques, as matérias de fôlego perderam muito espaço. Se a gente tem uma publicação como o Correio das Artes, voltada para a crítica, para o pensamento, que a gente possa explorar ao máximo os textos que estampam a nossa capa”, defende.
O trabalho de preservação e manutenção da memória de paraibanos célebres junto a novas gerações de leitores também é uma das tarefas cruciais do Correio das Artes. “A gente deu uma capa sobre o poeta Pereira da Silva, o primeiro paraibano a ingressar na Academia Brasileira de Letras. Foi um trabalho muito minucioso realizado em conjunto por um jornalista e um historiador”, destaca.
Entre analógico e o digital
William Costa, hoje diretor de Mídia Impressa da Empresa Paraibana de Comunicação, também colaborou com textos e edição para o suplemento ao longo dos últimos 25 anos. Costa destaca a importância da permanência do Correio das Artes em meio impresso e de sua complementaridade com a versão digital. “Uma coisa completa a outra. Nós atendemos a um público leitor que ainda gosta do impresso. Então, nós entendemos que o papel ainda possui uma função cultural a ser cumprida, ao mesmo tempo que contemplamos o contemporâneo”, aponta.
William Costa assevera que a inclusão do Correio das Artes em meio digital contribui com a conquista de novos leitores e a assistência a outras exigências de consumo. “Essa política editorial da EPC de manter os dois suportes para todos os nossos produtos, incluindo o Correio das Artes, é uma prática acertada, comprovada na realidade: temos consumidores de livros, jornais e revistas que desfrutam dessas publicações em ambas as instâncias”, finaliza.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 03 de abril de 2024.