O bailarino Geovan da Conceição remonta a sua própria história no livro Filho da Adversidade a partir de uma imagem bastante simbólica: o capítulo inicial da obra começa com o paraibano acordando de um pesadelo, na infância. Deste ponto até o presente, ele percorreu caminhos tortuosos na tentativa de superar sua realidade e consolidar-se em sua profissão. O despertar para a arte foi crucial nesse processo. A autobiografia, publicada de forma independente, ganha lançamento hoje, a partir das 19h, na Livraria A União do Espaço Cultural (Tambauzinho, João Pessoa). A entrada é franca.
O livro foi impresso no parque gráfico da Empresa Paraibana de Comunicação (EPC) e começou a ser escrito em 2021. O isolamento da pandemia foi determinante para Geovan dar vazão ao projeto, mas o desejo de trazer esses relatos a público era mais antigo, ainda que ele tivesse de remexer em memórias pouco agradáveis.
“Quando a história é carregada de traumas e lembranças difíceis, é natural existir resistência. É preciso coragem para se abrir, para colocar no papel dores que, muitas vezes, ainda estão adormecidas. Mesmo assim, decidi seguir em frente. Entendi que essa história não é só minha”, sustenta.
Geovan nasceu na capital, mais precisamente na comunidade da Taipa, no bairro do Distrito Industrial. A gênese de seu contato com o corpo e suas múltiplas expressões chegou por meio da capoeira, graças à participação em um projeto social, quando ainda moravam em um abrigo.
“O que realmente me marcou foi assistir, em João Pessoa, a uma apresentação da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, em 2003. Tinha 10 anos. Aquilo me impactou profundamente e tive o desejo de seguir por esse caminho. Fui selecionado para participar das audições da escola e, no mesmo ano, fui aprovado para estudar lá”, recorda.
Mesmo sem ter idéia de que a dança seria não apenas a sua tábua de salvação mas a profissão que o manteria, no futuro, ele sentiu, naquele instante, que rumando para Santa Catarina (onde estudou) teria a oportunidade de sua vida e a chance de transformar a realidade de sua família.
“Com o tempo, especialmente durante minha formação, quando eu já tinha 17, 18, 19 anos, essa consciência foi se tornando mais clara. Eu entendia que, ao concluir o curso, sairia dali como um profissional preparado por uma grande instituição. Acreditava que portas se abririam e, de fato, foi o que aconteceu”, explica.
Logo após formar-se no Bolshoi, em meados de 2011, retornou à capital paraibana para lecionar. Atua hoje junto à Companhia Municipal de Dança de João Pessoa e ao Centro Estadual de Arte (Cearte-PB). O cotidiano nas salas de aulas permitiu que ele dividisse com seus alunos tudo o que ele pôs, escrito, no livro Filho da Adversidade.
“Eles abraçam a história, se inspiram. Isso cria uma conexão bonita entre nós. Ao longo dos anos, também conheci muitos alunos com realidades parecidas com a que vivi. Sempre procuro orientá-los sobre a importância da formação, da profissionalização e da educação”, declara.
Ao revisitar sua história e descortinar certas feridas, Geovan assevera que, se tivesse o poder de modificar o passado, gostaria de não ter passado por certas provações, como a ausência dos pais e as situações de violência a que foi exposto. Ainda assim, ele assinala que ter sobrevivido a tudo isso constituiu seu caráter e a sua subjetividade.
“O livro não é apenas sobre o bailarino ou o professor, mas sobre o indivíduo Geovan da Conceição, que continua acreditando que seus sonhos são possíveis”, conclui.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 29 de outubro de 2025.
