O músico estará sozinho no palco, ladeado por dois teclados. “Eu toco de peito aberto, uma mão pra esquerda, uma mão pra direita, sem olhar pros teclados. Isso é uma naturalidade minha, porque também toco sanfona, e sanfona é isso”, explica. No setlist, sucessos como “O melhor da vida”, “Pra sonhar”, “Felicidade” e “Oxente”, além de canções de seu último álbum, Night Clube Forró Latino – Volume 1 (2024), trabalho indicado ao Grammy Latino deste ano.
Primeiro de uma trilogia em andamento, Night Clube presta reverência à ancestralidade do cancioneiro popular do Nordeste e destaca as influências de latinidade sobre o gênero, em uma fusão do violão flamenco e cubano com o coco e o xote, um direcionamento de arranjos despertado, segundo o compositor, a partir de seu penúltimo trabalho, Caravana Sairé (2023).
Tendo se apresentado algumas vezes em João Pessoa, Marcelo guarda na memória um show inesquecível na capital — um pouco antes da pandemia —, ocasião em que tocou com o Quinteto da Paraíba.
“Foi a vez em que eu mais me emocionei. Foi um show mágico, o último show que a minha mãe viu antes da partida dela. Os melhores solos que eu fiz na vida foram feitos nesse show. Isso está registrado em áudio e vídeo e eu pretendo lançar em algum momento”, rememora, citando uma última apresentação por aqui dois anos atrás, também pelo Projeto Seis & Meia.
Sua filha é bisneta do arquiteto carioca Sérgio Bernardes, responsável por obras como o Hotel Tambaú e até mesmo o próprio Espaço Cultural, que abriga o palco de sua apresentação de hoje. Dessa forma, o elo com a cidade é, para ele, ainda mais importante. “Quando eu vou pra João Pessoa, tem muita coisa assim que me diz respeito para além da minha própria raiz”, atesta.
Impulsos de vida e música
Os primeiros passos de sua trajetória como músico profissional surgem quando, aos 17 anos de idade, Chico César o convida para fazer parte de sua banda. A condição era saber tocar sanfona.
“Eu falei que tocava, mas era só questão de parar pra aprender o comecinho ali, aquelas músicas, e a partir daí deixar desenrolar. Como diz Hermínio Bello, começar já é fazer”, conta. Mais tarde, gravaria com Chico as já mencionadas canções “Felicidade” e “Oxente”, além da recente “Árvore”, faixa de Night Clube Forró Latino – Volume 1.
"O show em JP com o Quinteto da Paraíba] foi a vez em que eu mais me emocionei. Foi mágico"
- Marcelo Jeneci
Natural de São Paulo, Jeneci se reconhece fruto de dois territórios, já que, durante a infância, costumava embarcar na viação São Geraldo e alternar sua estadia entre o bairro de Guaianases (SP) e o município de Sairé, no Agreste pernambucano.
E não apenas a geografia, mas um Brasil que lhe deu uma avó branca e uma preta, e que lhe submeteu ao trabalho muito cedo, mal permitindo que concluísse o último ano do Ensino Médio, fez dele um devedor convicto do lugar de onde vem.
“Venho da igreja evangélica, depois entendo de uma outra maneira isso tudo. Sou carregado pela força da música, pra me afastar da minha família e viver de uma maneira mais solitária, pra entregar o que eu entrego pra música”, pondera.
Desse lugar de desacomodação, advém a música de Marcelo. Quando indagado a respeito das principais influências sobre sua música, afirma que o que lhe vem de imediato à mente não são pessoas, mas canções, vozes, jeitos e entregas; expressividades que rompem com o lugar comumente conhecido; a canção dotada de um verso capaz de “pipocar” o coração.
“Por que eu gravo ‘Amor de que’ [de Pabllo Vittar] no meu último disco? Porque eu acho esse verso — ‘Eu espero que você me entenda / Que o meu amor é amor de quenga’ — maravilhoso. Eu acho que o que está sendo dito aí é uma coisa incrível que não tinha sido dito dessa maneira por nenhum dos nossos orixás da canção brasileira”, diz.
Citando a turnê de Bruno Mars em São Paulo, no mês passado, aponta um exemplo claro de inspiração. Ele mira na banda e no guitarrista brasileiro do astro americano e diz que é justo a atitude do grupo em ir além e ultrapassar os limites da arte aquilo que mais lhe chama a atenção criadora.
“A gente sente que tem uma voz, tem uma estranheza, tem uma coisa que é para além da performance, que é um pouco o que a pessoa escolhe dizer, ou o espírito que ela resolve potencializar. O estilo, o jeito, o recado afetuoso, o que quer que seja com muita profundidade. Isso daí é incrível”, descreve.
O cancioneiro Jeneci
Dotado de um repertório romântico que tergiversa reflexões sobre a vida e o cotidiano, Jeneci aposta na simplicidade como mote para suas canções, o que para ele nem sempre é um caminho tão fácil quanto parece. “Eu compus uma música, mas não quer dizer que consiga fazer, por exemplo, uma outra ‘Felicidade’ à hora que eu quiser”, diz, já que há uma relação de sacralidade em seu processo criativo.
Ao mesmo tempo, compara o exercício da composição ao trabalho braçal, subordinado a um regime de tentativa e erro. “Adoro aquela frase do Picasso, em que ele fala que, quando a inspiração chegar, ela vai me encontrar trabalhando”.
Olhando para a música popular do Brasil na atualidade, afirma que ainda estamos em um território extremamente fértil e inventivo. O que antes era o espaço da profundidade, filosoficamente relevante, do violão mais elaborado, hoje dá lugar a outro momento, que não deixa de ser criativo e cheio de força. “Adoro a profundidade e também acho que a música do quadril é tão importante quanto a música do coração”, sintetiza.
O músico afirma que o que caracteriza as suas composições é uma adequação entre melodia e letra, geradora de um recado duradouro no tempo, de acolhida e despertar: “Entrego minha vida nessa busca assim, dessa confecção, dessa formulação. Isso é um papel do compositor que se dedica a organizar os sentimentos através de uma letra, de uma música, de uma canção pra dizer o que o outro gostaria de dizer e nem sabia”.
Em março do ano que vem, Marcelo Jeneci lança o segundo volume de Night Clube Forró Latino e, durante o próximo ano, inicia a produção do terceiro volume, um disco autoral dentro da mesma proposta sonora de fusão entre música latina/caribenha e os ritmos regionais. Depois disso, segue tocando e compondo no estilo da música popular que o tornou conhecido nacionalmente.
Marcelo promete entregar a João Pessoa, lugar de onde surgiram, segundo ele, as melhores pessoas que já conheceu, um show memorável. “O melhor que eu já fiz. Eu vou fazer o melhor do que eu já compus. Então as músicas mais conhecidas, com certeza, músicas novas pra mostrar para onde eu estou olhando e músicas do atual disco Night Clube Forró Latino. A gente vai fazer uma noite de ficar guardada no nosso coração com certeza, com certeza”, finaliza, com a convicção de um autêntico sonhador.
Marcelo Jeneci
- Hoje, às 18h30
- No Teatro Paulo Pontes (Espaço Cultural, R. Abdias Gomes de Almeida, 800, Tambauzinho, João Pessoa)
- Ingressos: R$ 120 (inteira), R$ 90 + 1 kg de alimento não perecível (social) e R$ 60 (meia), antecipados na plataforma Outgo.
- Clique no link para acessar o site de venda de ingressos
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 05 de novembro de 2024.