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Belchior na alma

publicado: 13/04/2023 14h52, última modificação: 13/04/2023 14h52
Hoje, na capital paraibana, Ana Cañas se apresenta no projeto Seis e Meia com um repertório baseado nas melhores canções do artista cearense
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Projeto da cantora e compositora paulista recebeu o prêmio de Show do Ano de 2022 pela Associação Paulista dos Críticos de Arte - Foto:Marcus Steinmeyer/Divulgação

por Joel Cavalcanti*

O tempo andou mexendo com muita gente e o passado já é uma roupa que serve a muitos. Serve muito bem ao repertório do show em que Ana Cañas homenageia Belchior com canções que completam quase meio século de criação e permanecem falando cada vez mais forte com os jovens. “Belchior priorizou ideias que são perenes e atravessam o tempo. É uma qualidade dos gênios. Isso não morre nunca e pode alcançar diversas gerações que se identificam com as mensagens”, afirma ao Jornal A União a cantora e compositora paulista, que estará hoje, pela primeira vez em João Pessoa, através do Projeto Seis e Meia.

A apresentação que nasceu em uma live durante a pandemia recebeu o prêmio de Show do Ano de 2022 pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) acontece no Teatro Paulo Pontes, no Espaço Cultural José Lins do Rego, a partir das 18h30, com abertura do paraibano Titá Moura. Os ingressos custam a partir de R$ 88 e podem ser comprados através do site Outgo (outgo.com.br).

Depois de percorrer cerca de 100 palcos pelo Brasil, no próximo sábado (dia 15), ela se apresentará também em Campina Grande, no Teatro Municipal Severino Cabral, com as melhores canções de Belchior – todas da década de 1970. A exceção é ‘Um rolê no céu’, canção de 1987 que permanecia inédita até então. A obra foi dada de presente pelos filhos de Belchior, Mikael e Camila.

“Sinto que Belchior tinha uma qualidade idiossincrática muito mágica na hora de escrever versos e canções: através de uma metafísica existencial, ele versa sobre amor e os ciclos históricos humanos – avanços e recrudescimentos – de forma lírica e poética. É lindo e um dos nossos maiores alicerces culturais e artísticos”, considera Cañas. Com seis álbuns lançados, ela já recebeu indicação ao Grammy Latino 2019 como Melhor Álbum de Pop Contemporâneo e tem uma carreira centrada em um repertório essencialmente autoral. Para interpretar as músicas do cearense Antonio Carlos Belchior, ela abriu mão de seu canto torto e cortante feito faca.

Fugindo das características que lhe deram fama com uma cantora que projeta alto a sua voz, Ana Cañas não canta Belchior com a fúria e desespero que é era moda em 1976. Isso faz destacar ainda mais as características literárias do cearense que não estava interessado em nenhuma teoria e em nenhuma melodia. “O desafio maior, para mim, é alinhar uma verdade do espírito quando se interpreta canções desse quilate. Há que se colocar verdade e entrega absolutas. Ele exige isso, é muito intenso, profundo e visceral. A linha mestra foi essa conexão com a entrega. Sinto também que uma mulher pode abrir novas dimensões de leitura em sua poesia, o que é muito interessante – e o eu-lírico dele permite isso”, percebe a artista.

Ela percebia também a força dessa conexão com o público desde quando cantava ‘Alucinação’ em seus shows e o público ia ao êxtase. Um delírio com coisas reais que Ana Cañas sempre admirou. Ela reverenciava o fato de Belchior ser um homem culto e literato, mas conviver com simplicidade em ambientes populares. Morando fora de casa desde os 18 anos – quando só entendia o que era cruel e o que era paixão, ela vencia a fome enquanto convivia entre prostitutas em um pensionato em São Paulo. Mesmo assim, manteve uma destacada formação cultural e acadêmica. “Isso nos aproxima muito. Esse é o ponto que me toca, me emociona e que nos une fortemente. Tenho um apreço pela simplicidade imenso e sinto que ela é o caminho para o coração de tudo que há”, diz a cantora formada em Artes Cênicas pela USP e com 15 anos de carreira.

Nos dois shows na Paraíba, Ana Cañas estará acompanhada pelos músicos Fernando Nunes (baixo), Vitor Cabral (bateria), André Lima (teclados) e Fabá Jimenez (violões e guitarra).

A narrativa da apresentação seguirá um roteiro que conta o périplo do próprio autor em busca de reconhecimento, além das histórias das suas dores e de seus amores. “Escolhi as músicas pelo amor que tenho por elas. São as minhas favoritas, a bússola foi o coração”, afirma Ana Cañas.

Ela aproveita sua passagem pelo estado para fazer um pedido especial a um artista paraibano. “Amo Chico César e somos amigos de longa data. Quem sabe em breve não somamos numa canção? Essa conversa já existe há algum tempo”, finaliza Cañas.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 13 de abril de 2023.