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Amanhã, atriz paulista será a primeira entrevistada do ano da temporada 2022 do projeto virtual do Fest Aruanda

Bete Mendes: arte, política e resistência

publicado: 30/03/2022 09h19, última modificação: 30/03/2022 09h19
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Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

por Guilherme Cabral*

Em 1975, ela integrou o elenco da primeira montagem do espetáculo Gota d'Água, drama escrito pelo paraibano Paulo Pontes (1940-1976) e o carioca Chico Buarque e que se tornou um clássico da dramaturgia brasileira. Atualmente, é uma das artistas mais talentosas não só da sua geração, mas também do país. Trata-se da atriz paulista Bete Mendes, que participa da edição que abre a temporada 2022 da ‘Live de Cinema’, promovida pelo projeto de extensão ‘Aruandando no Campus’, cujo tema é “Arte, política e resistência”. O bate-papo será realizado amanhã, com transmissão ao vivo a partir das 18h, pelo canal do Fest Aruanda no YouTube.

“Foi emocionante poder participar de Gota d’Água, em sua primeira montagem. Minha convivência com Paulo Pontes, Chico Buarque, Bibi Ferreira, Gianni Ratto, o diretor, Dori Caymmi, o diretor musical, e todo o elenco foi adorável. Como exemplo de censura, em tempo de governos autoritários, em 1975, quando estreamos, era obrigatório fazer um espetáculo para os censores, às vésperas da estreia. Fizemos o espetáculo para três funcionários, que implicaram com algumas palavras do texto, todo em poesia, resultando em um mutirão de Chico e Paulo Pontes para mudar algumas palavras, e nós, ensaiando, nervosos com a hipótese de ser proibido o espetáculo. O resultado foi: sucesso absoluto, de terça a domingo, com duas sessões aos sábados e domingos, e nós, muito felizes”, relembrou Bete Mendes, em entrevista concedida para o Jornal A União.

A relação de Bete Mendes com a Paraíba tem se registrado algumas vezes, ao longo do tempo. “Participei de muitos encontros falando sobre o filme Eles Não Usam Black-Tie, como no 11° Fenart, em João Pessoa, em 2005, convidada por meu grande amigo, o professor e cineasta Bertrand Lira, que me emocionou muito, pois, além da exibição e conversa sobre o filme, recebi uma homenagem especial, na Mostra de Cinema e Vídeo", disse a atriz. “Acompanho com muita alegria alguns atores paraibanos, com a especial felicidade de ser amiga de quase todos. Marcélia Cartaxo, Soia Lira e Zezita Matos, maravilhosas atrizes. Pacarrete é maravilhoso! Atores: Buda e Nanego Lira (sou fascinada pelo talento da família Lira). Excelentes atores”, comentou ela.

A atriz também falou sobre o tema a ser debatido durante a ‘Live de Cinema’ amanhã. “Penso que arte, política e resistência têm uma relação direta. Arte sempre é criada com liberdade. É essencial observarmos que a política, que faz parte de nossas relações humanas, sempre está atenta à criação artística, mesmo que haja uma compreensão equivocada de ‘Não sou política/o’. Somos todos seres políticos, e ao realizarmos nossa arte, temos que ter consciência de que só com liberdade e respeito a quem cria, podemos realizar nossas obras, e apresentá-las. Resistência é exatamente a ação de quem trabalha com arte, pois temos em nossa realidade, infelizmente, posturas conservadoras, alimentadas por ações contra qualquer inovação que a arte apresenta. Podemos elencar inúmeras situações históricas de proibições a obras de arte. Em nosso cinema brasileiro, já tivemos muitas obras censuradas, impedidas de serem exibidas, por um chamado ‘padrão moral’ que nos remete à Idade Média”, analisou a atriz.

‘Esta Noite Seremos Felizes’

“Tenho a felicidade de ter o reconhecimento por meu trabalho como atriz”, confessou Bete Mendes, ao falar sobre sua carreira. E admitiu ter feito pouco cinema. “Mas me sinto muito feliz pela participação em cada filme que participei. Tenho também a alegria de ter participado em muitos Festivais, como convidada, fazendo parte de júris, sempre em contato com o nosso cinema. Minha participação em Eles Não Usam Black-Tie me deixou muito feliz”, garantiu a artista.

Bete Mendes acrescentou ser apaixonada pelo teatro. “O palco nos ensina a atuar, a cada dia, em cada espetáculo. E o teatro nos leva à televisão, ao cinema. Estamos em cena, no palco, em qualquer espaço, seja na TV, no cinema, ou no próprio teatro. Cada novo trabalho, em qualquer dos três, é um desafio, é muito bom estar em cena. Tenho especial carinho por alguns trabalhos: no teatro, Gota d'Água; no cinema, Eles Não Usam Black-Tie; na televisão, a novela Rei do Gado, e a minissérie A Casa das Sete Mulheres. Não é uma preferência, foram trabalhos que me deixaram muito feliz”, comentou a atriz, que também está envolvida em novo trabalho. “Estou participando de um curta-metragem, Esta Noite Seremos Felizes, argumento e direção de Diego dos Anjos, no qual contraceno com o maravilhoso Othon Bastos. Há um projeto de longa, mas sem previsão”, informou ela.

Num dia como o de amanhã, 31 de março, o Brasil começou a viver, a partir de 1964, uma ditadura que se estendeu até 1985. Bete Mendes guarda lembranças daqueles momentos. “Minha atividade política começou quando eu era muito jovem, ainda estudante, pois fui vítima, como milhões de brasileiras e brasileiros, do golpe civil/militar que nos jogou em décadas de obscurantismo, repressão, violência e retrocesso. Como várias mulheres e homens, fiz parte da resistência, lutando para recuperarmos a democracia. Essa resistência me levou ao Partido dos Trabalhadores, no qual fui uma das fundadoras. Hoje não sou filiada ao PT, nem a nenhum partido, mas continuo petista e posso voltar a me filiar a qualquer momento. Minha identificação com o PT é total. Creio que a arte tem uma importância imensa no âmbito político. Só como exemplo atual, todas e todos nós lutamos, em todo o Brasil, pela aprovação, no Congresso Nacional, das Leis Paulo Pimenta, Aldir Blanc 1 e 2. Tivemos sucesso, pois todas e todos temos consciência do dever do Estado em criar condições para a produção artística, e não para destruí-la, como o que aconteceu nos últimos anos”, afirmou a artista paulista.

A atriz também fez uma avaliação da gestão do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. “O Governo atual fez questão de destruir todas as possibilidades de trabalho artístico, acabando com o Ministério da Cultura, criando impedimentos às instituições públicas de fomento às artes, especialmente o cinema e o teatro, usando agentes militares para administrar as áreas culturais, com ações programadas, por exemplo, de acabar com o Arquivo Nacional, colocar à venda o Palácio Capanema, vetar as verbas nacionais para a educação pública, no intuito, gravíssimo, de acabar com as universidades federais, acabar com as Rádios Nacional e MEC, inúmeras ações de destruição do que foi conquistado até hoje. A classe artística, hoje, como sempre, se coloca em defesa da democracia. É muito bom ver as manifestações, em todo o país, de repúdio a este governo. Acho que não há a necessidade de cada uma, cada um, se posicionar politicamente, mas todas e todos terem consciência de que é necessário sempre haver a interlocução com as instituições, pois devemos dialogar defendendo os valores democráticos, com a defesa da arte no Brasil”, avaliou Bete Mendes. 

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 30 de março de 2022