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Em sousa

Brincadeiras inspirando a arte

publicado: 30/10/2024 09h26, última modificação: 30/10/2024 09h38
Exposição de Analice Uchôa em cartaz, no Centro Cultural Banco do Nordeste, aborda o mundo infantil

por Esmejoano Lincol*

Jogos infantis clássicos e tradições populares são os temas das pinturas de Analice Uchôa em exposição, no CCBNB, que também conta com instalações que divertem os pequenos visitantes | Fotos: Divulgação/ CCBNB
Jogos infantis clássicos e tradições populares são os temas das pinturas de Analice Uchôa em exposição, no CCBNB, que também conta com instalações que divertem os pequenos visitantes | Fotos: Divulgação/ CCBNB

Tudo começou, literalmente, com um sonho. A então artesã campinense Analice Uchôa se viu expondo obras em Paris, mas, quando mirava as telas, todas elas estavam em branco. Ao acordar, ela decidiu dar forma e cor àquilo que viu enquanto dormia, iniciando uma trajetória exitosa de 30 anos na chamada arte naïf. Desde o último dia 11, ela traz a público parte de seu trabalho na exposição Pinceladas Brincantes, em cartaz, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB), em Sousa. Os quadros e instalações permanecerão por lá até o dia 20 de novembro, com entrada franca.

A mãe de Analice lhe contava que ela sempre foi “jeitosa” para trabalhos manuais, desde os tempos de escola. Ela se recorda de quando aprendeu, ainda na infância, a fazer um cavalinho com um novelo de sisal, a partir de lições da madrinha. Mas, adulta, decidiu abandonar o artesanato para ingressar numa carreira diametralmente oposta, como bancária, enquanto cursava Psicologia, na capital. Em meados dos anos 1970, decidiu mudar-se para São Paulo, repetindo por lá a rotina como funcionária de banco e estudante. Ao formar-se como psicóloga, atuou na área por um tempo, mas não se adaptou. Foi quando decidiu acordar a “menina jeitosa” que estava adormecida desde a adolescência.

Em contato com amigos paulistas, decidiu participar de seleção para expor seus trabalhos manuais na Praça da República, espaço público famoso de artesãos e artistas de todo o Brasil. Suas primeiras empreitadas foram com caixinhas de madeira revestidas para decoração. Depois, Analice foi experimentando criações com outros materiais, como o metal e o couro.

O mercado fechado de São Paulo e a saudade de casa trouxeram-na de volta para a Paraíba no fim da década de 1980; fixou residência em João Pessoa, trabalhando inicialmente numa construtora. Por aqui, descobriu outro material — a casca da cajazeira: maleável e versátil, foi utilizada para esculturas que desenvolveu nos anos seguintes.

No caminho

“Quando tive aquele sonho com as telas em branco, acordei angustiada. Voltei muitas vezes a São Paulo, procurando em livrarias e galerias a inspiração para aquilo que iria fazer. Até que meu primo, o também artista Carlos Djalma, me deu três telas de compensado e me disse ‘vá pintar’”, relata.

Com o material debaixo do braço, foi a pé da orla da capital à casa dos pais, que moravam no bairro do Altiplano. Ela alega ter vivido uma experiência espiritual neste caminho, pois não se lembra do trajeto. “Ao chegar em casa, pintei os três quadros. O primeiro, inclusive, tenho até hoje. Djalma também me ensinou a fazer telas, com compensado e tecido, prática que tenho até hoje. Daí não parei mais”, detalha.

Analice Uchôa começou na arte naïf naturalmente | Foto: Leonardo Ariel

Foi o primo que a enquadrou pela primeira vez como artista naïf, conceito até então desconhecido por Analice que denomina a

 produção plástica com traços simples ou “ingênuos” — esta, a tradução literal para a palavra em francês. Das telas, para os livros: em 2010, ao ser descoberta pelo escritor português Alberto Correia, durante uma exposição naïf em terras lusitanas, foi chamada por ele para ilustrar Os Trinta Dinheiros do Rei Melquior; de lá para cá, outras cinco obras publicadas no Brasil e em Portugal contaram com desenhos da paraibana.

O convite para o CCBNB partiu de outra exposição que tinha como tema as brincadeiras infantis. Analice selecionou 18 telas, que retratam grupos de crianças se divertindo ao ar livre, em tinta acrílica. “Coloquei nelas os carrinhos de rolimã, com os quais brincava muito. Minhas outras irmãs eram ‘elegantes’, mas eu era moleca. Vivia com as pernas ‘raladas’ do calçamento”, confessa.

As obras estão adornadas por instalações compostas de pipas, piões e cavalinhos de pau, por exemplo, confeccionados pela artista; alguns dos brinquedos podem ser utilizados pelas crianças que visitam o local.

ANALICE UCHÔA

  • Em cartaz, no Centro Cultural Banco do Nordeste (R. Cel. José Gomes de Sá, 7, Centro, Sousa).
  • Visitação de terça a sexta-feira, das 12h às 20h, e sábado, das 13h às 21h, até 20 de novembro.
  • Entrada franca

 

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 30 de outubro de 2024.