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Buscando a alma do Brasil

publicado: 19/07/2024 09h22, última modificação: 19/07/2024 09h22
Da obra de João Ubaldo Ribeiro e com música de Chico César, Viva o Povo Brasileiro” entra em cartaz de hoje a domingo no Teatro Paulo Pontes
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Livro clássico de João Ubaldo, lançado em 1984, virou um musical épico | Fotos: Annelize Tozetto/ Divulgação

por Esmejoano Lincol*

“O segredo da Verdade é o seguinte: não existem fatos, só existem histórias”. A frase que abre Viva o Povo Brasileiro, livro seminal de João Ubaldo Ribeiro, publicado pela primeira vez em 1984, resume bem a intenção do autor ao reunir 400 anos de história do Brasil em um extenso livro, com mais de 700 páginas. Quatro décadas após o lançamento, o espetáculo musical de mesmo nome, baseado na narrativa do escritor baiano e produzido pela companhia Sarau Cultura Brasileira, chega a João Pessoa para três apresentações neste fim de semana: hoje e amanhã, a partir das 19h, e domingo às 17h, no Teatro Paulo Pontes. 

Com o subtítulo De Naê a Dafé, menção a dois personagens da primeira parte do livro de João Ubaldo, Viva o Povo Brasileiro, o musical, também tem produção plural, em termos regionais: a direção é do fluminense André Paes Leme; a produção musical é assinada por João Milet Meirelles, baiano; e a trilha sonora original, com 27 músicas baseadas no livro, foi composta pelo paraibano Chico César. Dez atores e três músicos sobem ao palco para encenar este trabalho, que roda o Brasil desde o início deste ano.

VIVA O POVO BRASILEIRO (DE NAÊ A DAFÉ)
- Da Sarau Cultura Brasileira. Texto e direção: André Paes Leme, baseado na obra de João Ubaldo Ribeiro.
- Hoje e amanhã, às 19h; domingo, às 17h no Teatro Paulo Pontes (R. Abdias Gomes de Almeida, 800, Tambauzinho, João Pessoa)
- Ingressos: de R$ 19,50 (frisa/meia) a R$ 120 (plateia inferior 1/inteira), antecipados na plataforma Sympla.
- Duração: 3h. Classificação indicativa: 14 anos.
Através do link, acesse o site de venda de ingressos

Amor entre as baleias

Com 35 anos de experiência no teatro e 60 espetáculos montados, André Paes Leme tem predileção por dirigir peças épicas, que narram de forma crítica e vultosa determinado aspecto de nossa sociedade. “Desde o meu início no teatro, me impressionava a liberdade cênica que o épico gerava para a construção do espetáculo. A teatralidade desses textos é instigante, coloca o espectador em primeiro plano, faz ele, verdadeiramente, imaginar e sonhar”, assevera.

Os espetáculos musicais também estão com frequência no radar de André, que adaptou obras clássicas de nossa literatura para os palcos. “Recentemente encenei um musical do romance A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, mas ao longo destes anos já tive a oportunidade de visitar artistas como Grande Otelo, Candeia e Cyro Monteiro”, destaca. A primeira leitura de Viva o Povo Brasileiro por André se deu justamente quando ele estudava novos romances e a possibilidade de transpô-los para a linguagem teatral. “Fiquei envolvido com a paixão irradiada pelas palavras do Ubaldo. Tinha que ser este o romance”, recorda.

A pesquisa engendrada para este musical desaguou em projeto de doutorado desenvolvido por André paralelamente à montagem do espetáculo. A peça dá conta de apenas uma parte do livro. “O desafio é encontrar um fio dramatúrgico que se complete, trazendo as principais questões do texto”, declara o diretor. Quando questionado sobre a passagem do livro mais tocante, ele descreve aquela que exprime a complexidade presente no livro de João Ubaldo. “Sou muito impactado pela relação que o autor faz entre a descrição do amor entre as baleias e a paixão das personagens, para, logo em seguida, narrar a dor profunda de um estupro. É muito forte”, afirma. 

Laboratórios de criação

No começo das duas décadas de atividade artística do soteropolitano João Milet Meirelles atuou como músico da primeira montagem de Ó Pai, Ó, escrita por seu pai, Mário Meirelles, no ano 2000. Mas o trabalho junto a espetáculos musicais é recente: esta é sua segunda incursão no gênero. Além de compositor e fotógrafo, ele também atua como produtor dos shows da banda BaianaSystem. O contato com a obra de João Ubaldo se deu no Ensino Médio, época em que o livro era recomendado nas aulas de literatura.

O trabalho de produção  musical do que viria a ser encenado foi feito com as músicas prontas, que, por sua vez, emulavam as intenções do diretor. Chico César não participou dos ensaios, mas deu liberdade para que João e toda a equipe pudessem fazer sugestões e modificações nas faixas escolhidas. “O elenco e a banda foram fundamentais para a criação da nossa música. Fizemos laboratórios para criação de arranjos, oportunidade em que pudemos trazer nossas concepções, formatando, juntos, a costura de uma música com a outra”, explicou João.

Músicas que sobrevivem

Esta não é a primeira trilha sonora original composta por Chico César, mas trabalhar com um de seus livros prediletos tornou esta experiência ainda mais fascinante para o artista: “Li pela primeira vez há uns 20 anos. Acho que este é um texto-base para entendermos o Brasil”. Ao realizar o trabalho de composição, o paraibano partiu do roteiro, já com os cortes e as indicações de André Paes Leme para cada trecho a ser musicado: “Fiz até mais canções do que as que estão na peça, no total havia 30”.

Ele não destaca apenas uma faixa do repertório. “O bacana, no meu entender, é o conjunto, mas o que eu espero é que algumas delas ‘sobrevivam’ ao espetáculo e possam integrar o meu repertório ou de outros artistas que se interessem por elas”. Chico finaliza dizendo que seu trabalho sintetiza aquilo que somos, enquanto brasileiros: “É o Brasil que vem dos indígenas, dos africanos e que deságua na relação que nós, os descendentes, temos com a Europa, que se quer hegemônica”.    

Dez atores e três músicos fazem parte do elenco do espetáculo, que tem três horas de duração | Fotos: Annelize Tozetto/ Divulgação

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 19 de julho de 2024.