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‘Caranguejo de açude’

Cápsula do tempo

publicado: 16/01/2024 09h15, última modificação: 16/01/2024 09h15
Com referências estéticas da década de 1990, banda de rock campinense Zepelim e o Sopro do Cão lança o seu primeiro álbum
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Criado em 2006, o grupo produz uma espécie de “documento musical”, que também reinterpreta e dialoga com as influências sociais da atualidade - Foto: Natalia Di Lorenzo/Divulgação

por Joel Cavalcanti*

Toda expressão artística está suscetível a ser moldada pelas circunstâncias e sensibilidades do tempo em que ela ocorre. Mas quando a banda de rock campinense Zepelim e o Sopro do Cão decide mergulhar nas referências estéticas da década de 1990, ela cria uma espécie de documento musical, uma cápsula do tempo que também reinterpreta e dialoga com as influências sociais da atualidade. É isso que domina Caranguejo de açude, primeiro álbum do grupo que acaba de ser lançado nas plataformas digitais. É Campina Grande embaixo dos pés e um Zepelim mapeando a transformação urbana.

Com oito faixas contendo músicas desde a criação da banda, há quase 18 anos, até outras criadas especialmente para o disco, é difícil que o ouvinte não se senta transportado para uma época de predomínio da MTV, em que grupos como Planet Hemp, Raimundos, Charlie Brown Jr. e a Nação Zumbi dominavam principalmente o público jovem do país. Ao incorporar elementos de uma década tão peculiar, a banda estabelece uma conexão direta com a nostalgia de seu público por meio de uma linguagem que, associando a uma releitura de uma Campina Grande atual, busca transcender o tempo.

“O disco reflete questões de memórias coletivas da cidade, da população de Campina. E também da Paraíba, do Nordeste, porque é o mesmo que acontece em Campina Grande: destruição de patrimônios públicos, esquecimento da história e de seus personagens. As músicas refletem muito o passado, por ela estar associada ao passado da cidade e ao passado da banda”, define Babu, vocalista do grupo desde 2018. Nessa fusão temporal, o álbum tem músicas antigas como ‘Praia de Campina’, ‘Pensando no infinitivo’ e ‘Sativa’; e outras recentes, como ‘Domínio’ e ‘Corona haze’, que abre o disco.

Até na forma de a banda divulgar o seu trabalho nas redes sociais parece ser pensada nesse diálogo geracional. Em uma estratégia para criar engajamento, eles viralizaram na internet vídeos em que eles entrevistam com muito humor pessoas comuns ao ambiente urbano, no melhor estilo do repórter ficcional Ernesto Varela, personagem famoso na década de 1980 criado por Marcelo Tas. Uma dessas histórias narra, em formato de mocumentário (“falso documentário”), sobre o surgimento de caranguejos no Açude Velho, que seriam os mais procurados para tomar cachaça.

“Isso é para reforçar os personagens de Campinas Grande. Mas existe uma questão também de disputa social nessas áreas porque o patrimônio tombado ao redor do Açude Velho foi sendo destruído em prol de construções elitizadas. Inclusive o prédio da [Cachaça] Caranguejo é uma das coisas mais chocantes para a população. Na calada da noite foram destruídas as chaminés que davam para ser vistas de diversos pontos da cidade para dar lugar a três torres empresariais”, compara o músico.

Cena underground de CG

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Foto: Natalia Di Lorenzo/Divulgação

Uma banda de rock falar de Caranguejo, mesmo que seja o hipotético crustáceo que saiu da lama para viver no açude, é puxar para si uma relação já muito cristalizada com o movimento manguebeat. Uma influência que a banda assume, mas com uma roupagem bem diferente, uma vez que o som do Zepelim e o Sopro do Cão é um hardcore sem a base percussiva característica do grupo pernambucano. “As bandas dos anos 90 fizeram muito a nossa cabeça, e a gente não passou a acompanhar o rock depois desse tempo. Não por preconceito, mas por gosto mesmo, sabe? É muito mais por estilo, por influência”, explica Babu.

Entre algumas pausas e mudanças de integrantes, o grupo se formou em 2006, batizado com um nome que possui uma questão canábica e que soa como título de folheto de cordel. A ideia inicial dos amigos músicos reunidos numa mesa de bar era despretensiosa, mas não demorou muito para tomar a cena underground de Campina Grande. Hoje, a banda é formada, além de Babu nos vocais, por Dedé Guima (guitarra), Igor Punk (guitarra) e Igor Carvalho (baixista), com os dois últimos como os remanescentes da formação original do grupo. Para o álbum produzido por Billy Costa e gravado no estúdio The Bridge, eles contaram com a participação do baterista Beto Cabeça. Foram três anos para concluir o trabalho, que precisou ser interrompido e refeito depois da pandemia.

Com letras que falam da convivência urbana com o sotaque característico da cidade, uma das músicas que virou single e videoclipe que anteciparam o álbum foi ‘Domínio’, composta a distância pelos quatro integrantes. “Ela vem com uma indagação: Quem é o teu domínio? Quem domina teu dia a dia, teus pensamentos, teu esforço físico? Ela desperta uma reflexão: o que domina tuas ideias e o teu comportamento?”, questiona o vocalista da canção, que se tornou a mais ouvida do grupo.

Com Caranguejos de açude, a banda espera agora ampliar mais seu público e poder falar de Campina Grande para muito além dos limites do Planalto da Borborema. “A gente tem uma expectativa de dar uma rodada, de atingir novos públicos, porque a gente sabe do nosso potencial e do que a gente consegue fazer junto. Tem uma questão até de autoestima a ser lapidada, de se compreender quanto um artista ativo e que tem o que mostrar com um produto que valesse a pena aquele nosso esforço. A gente acredita que dá pra galgar coisas novas e coisas boas para levar o nome de Campina e da Paraíba”.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 16 de janeiro de 2024.