Há cinco décadas, o Festival de Inverno de Campina Grande (FICG) abre espaço para diversas expressões da arte — e o cinema não fica de fora. Na edição de estreia, por exemplo, foi projetado O Amuleto de Ogum, de Nelson Pereira dos Santos, que ganhou uma sessão especial nesta semana. A edição deste ano celebra os 130 anos de sétima arte, reverenciando, ainda, um segmento crucial para a difusão da cultura na cidade: os cineclubistas. O escritor e roteirista campinense Braulio Tavares presidirá uma aula especial sobre esses temas hoje, às 8h30, no Auditório Rosa Tânia, no Campus I da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). A entrada é franca.
Além do colóquio, ele e outros pioneiros dos cineclubes do município serão homenageados com medalhas do jubileu de ouro do festival: Rômulo Azevedo, Romero Azevedo e José Umbelino; o quarteto foi responsável por produzir a primeira mostra de cinema do evento.
Às 18h30, três filmes paraibanos ganham exibição gratuita na Praça da Bandeira: os documentários Bloco da Saudade – Melhores Momentos e Biu do Violão e o Diamante Cor de Rosa (ambos de Romero Azevedo) e o curta-metragem Habeas Pinho (de Aluízio Guimarães e Nathan Cirino). Amanhã, às 19h, uma nova sessão projeta o filme Entre a Loura e a Morena, de Busby Berkeley, no Miniteatro Paulo Pontes, no Centro.
A trajetória remontada por Braulio Tavares, hoje, começou em 1964, com a fundação do Cineclube Campina Grande, um dos primeiros na cidade. A exibição comentada de filmes por um público jovem não agradou aos militares e o recém-instaurado regime, que precipitaram o fim da empreitada poucas semanas depois.
- Reencontro: Luiz Custódio, Rômulo Azevedo, Braulio Tavares e Romero Azevedo, no começo dos anos 2000 | Foto: Arquivo pessoal
Três anos mais tarde, a iniciativa seria resgatada por meio de um grupo de adolescentes que havia acabado de participar de um curso intensivo de cinema. O professor Dorivan Marinho, um dos responsáveis pelas aulas, sugeriu que a turma reativasse o cineclube na secretaria da Catedral Diocesana Nossa Senhora da Conceição.
A primeira formação desse grupo era composta por entusiastas que, nos anos seguintes, também se tornariam docentes, pesquisadores e realizadores, alimentando sua paixão pelo cinema. Além do quarteto citado, estavam: Marcos Agra, Severino Caluête, Zélio Furtado, Guilherme Vilar, Apolônio Ribeiro e Luiz Custódio (alguns deles posam na foto antiga que ilustra esta página).
“A gente era um bando de meninos, com 13, 14 anos. Mas Dorivan nos explicou do que se tratava e a gente topou. Reabrimos e passamos a nos reunir semanalmente. Na mesma época, também estava em atividade o Cineclube Glauber Rocha, que tinha, dentre outros, o futuro jornalista José Nêumanne Pinto”, recorda Rômulo Azevedo.
Sessões lotadas
As exibições eram feitas com projetores de 16 mm, bitola alternativa ao formato 35mm (utilizada em salas de cinema convencionais). As latas de filmes nacionais ou internacionais eram alugadas, por sua vez, junto a distribuidoras (a maioria delas em Recife) ou solicitadas junto a instituições públicas. A produção paraibana também era contemplada.
“No início, um dos poucos filmes que a gente tinha para exibir lá era Aruanda, de Linduarte Noronha. Para você ter uma ideia, nós projetamos esse 42 vezes! Com as embaixadas do Canadá, Estados Unidos e Japão, conseguíamos títulos fora do circuito comercial”, informa Rômulo.
A repercussão crescente do Cineclube Campina Grande garantiu sessões lotadas no prédio da Faculdade de Administração da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Os jovens também passaram a colaborar com a grade dos cinemas Capitólio e Babilônia, concorrentes que projetavam os chamados “filmes de arte”. Criou-se, ainda, o Cine Distração, matinê aos sábados.
“Um dos grandes sucessos da época foi Rocco e Seus Irmãos, de Luchino Visconti: foram três sessões. Outros grandes sucessos foram O Evangelho Segundo São Mateus, de Pier Paolo Pasolini; O Delator, de John Ford; e De Punhos Cerrados, dirigido por Marco Bellocchio. Nós mesmos alugávamos e fazíamos a divulgação”, afirma Romero.
Logo, a Ditadura voltaria a atrapalhar os planos dos jovens. Com a promulgação do Ato Institucional no 5, as sessões foram cassadas e o grupo dispersou-se. Alguns deles partiram para o Sudeste e outros trilharam outras profissões. A tradição cineclubista da Rainha da Borborema ganharia novo espaço apenas na década seguinte, às portas da abertura política no Brasil.
“Eu ensinava em um colégio particular, aqui, em Campina e, por lá, criei o Cineclube Humberto Mauro, que começou suas atividades em 1976 e que se tornou o maior da Paraíba, com 360 associados. Os alunos se inscreviam. Mais adiante, já concursado na universidade, fundei o Cineclube Machado Bitencourt, que funcionou por oito anos”, assinala Romero.
Com o passar dos anos, outras empreitadas floresceram tanto em Campina Grande, como em outros municípios do interior do estado. Romero Azevedo esteve à frente do Cineclube Vladimir Carvalho, em Cajazeiras, que chegou a ofertar cursos ministrados por nomes conhecidos, como Jean-Claude Bernardet, pesquisador falecido este ano. Rômulo cita o Cineclube Memorial, que funciona, atualmente, no Memorial Severino Cabral, no Centro, preservando a cinefilia dos áureos tempos, com projeções semanais e debates entre espectadores de gerações diversas.
“Acho que o Memorial é a ação cultural mais importante em Campina, neste momento. Existe há mais de cinco anos, com sessões lotadas”, celebra.
Comparando os cineclubes do passado com os do presente, Rômulo Azevedo assevera que os filmes a que eles têm acesso hoje — em mídias físicas, como os DVDs, ou em arquivos digitais — ostentam uma qualidade maior do que aquelas utilizadas nos anos 1960 e 1970, com som e imagem remasterizados. Mas a memória daqueles encontros segue viva, como numa “cópia em 4K”.
“Essa foto que faz o nosso registro foi tirada por Jackson Agra, num domingo, logo após o debate. Eu seguro o LP com a trilha sonora do filme A Noviça Rebelde. Esse retrato pertenceu a Luiz Custódio [falecido em 2025]. Aproveitaremos o encontro de hoje para reproduzi-la, se possível, com os que ainda estão entre nós”, conclui.
Programação / HOJE E AMANHÃ
- QUARTA, 20 DE AGOSTO
- Feira Central
- 10h — Teatro: Medusa, Fabiana Pirro (PE)
- Parque Evaldo Cruz
- 16h — Teatro: Titá Moura
- 19h — Música: Hijack
- 22h — Música: Candeeiro Natural
- Centro Artístico Cultural — Procult/UEPB
- 18h — Teatro: Réquiem para Geralda, Ana Marinho (PB)
- Praça da Bandeira
- 18h30 — Cinema: Bloco da Saudade — Melhores Momentos: 91, 92, 93..., de Romero Azevedo; Biu do Violão e o Diamante Cor-de-Rosa, de Romulo Azevedo; Habeas Pinho, de Aluízio Guimarães e Nathan Cirino.
- Teatro Municipal Severino Cabral
- 20h — Dança: Quebra Nozes e Ziggy, Cisne Negro (SP)
- QUINTA, 21 DE AGOSTO
- Parque Evaldo Cruz
- 18h — Música: Kalm Jazz
- 19h — Música: Opus Combo Jazz
- 22h — Música: Felipe Costa
- Miniteatro Paulo Pontes
- 19h — Cinema: Entre a Loura e a Morena, de Busby Berkeley
- Teatro Municipal Severino Cabral
- 20h — Dança: Base, uma Corpografia Marginal, Unit Warriors (SP); Soando Bem aos Ouvidos, Coletivo Tanz (PB); Breakers em Cena, Roça City (PB)
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 20 de agosto de 2025.