Notícias

Música

Celebração de canções e amizade

publicado: 01/04/2024 09h09, última modificação: 01/04/2024 09h09
Chico César e Zeca Baleiro são amigos há mais de três décadas, e esse encontro rendeu agora um novo álbum: ‘Ao Arrepio da Lei’
Chico-e-Zeca_foto-Vange-Milliet_0093.jpg

Zeca Baleiro e Chico César compuseram muito juntos durante a pandemia, resultando em shows e no disco | Foto: Vange Milliet/divulgação

por Sheila Raposo*

Olá, nós temos músicas novas! Vocês querem ouvir?” O convite, feito por Chico César, resume a mensagem que ele e Zeca Baleiro querem passar com o álbum Ao Arrepio da Lei, lançado em plataformas de áudio no dia 1º deste mês. Direto, despojado e sem firulas, o chamado não poderia combinar mais com a história dos dois: ambos nordestinos, donos de estilos musicais que se espelham e enlaçados por uma parceria (na vida e na profissão) que vem desde o começo dos anos 1990.

Para marcar essas mais de três décadas de história, a reunião de composições da dupla em um disco, seguido de turnê pelas principais cidades do país, era mais do que natural. Além do lançamento em streamings, eles também cravaram Ao Arrepio da Lei em versão analógica, pela Rocinante Três Selos. A bolacha foi lançada na última quinta-feira, em vinil vermelho, com capa dupla e envelope contendo ficha técnica e letras.

“Eu e Zeca compusemos muita música na pandemia. Como produzimos muito, veio a vontade de fazer um disco”, conta Chico. Zeca esmiúça: “O que me motivou foi a ideia de celebrar 33 anos de amizade, um encontro muito simbólico, como o recorte de uma geração que se mostrou influente e longeva. Os shows que já fizemos foram verdadeiras festas. Esquentou o nosso coração”, diz.

Processo criativo

Ao Arrepio da Lei demorou para sair do forno. Foram quase três anos entre as primeiras composições e o lançamento do álbum. “Estávamos envolvidos em vários projetos individuais. Assim que tivemos tempo, concluímos a gravação das músicas e fizemos o disco”, diz Chico. “Além disso, tivemos os atropelos gerados pela própria pandemia, o isolamento e o caos político. Mas a demora no acabamento foi questão de esmero, mesmo”, acrescenta Zeca. Um cuidado perceptível nas 11 músicas — sete das quais, inéditas — que compõem o repertório, inteiramente autoral.

As confidências e experiências compartilhadas no pequeno apartamento que ambos dividiram no início da carreira, na zona oeste de São Paulo, deram luz a uma parceria frutífera, iniciada com a canção “Pajelança” (1995, com Tata Fernandes, em disco da cantora Vange Milliet) e seguida de sucessos como “Pedra de responsa” (1996), “Mandela” (1996), “Face” (1998, também assinada por Itamar Assumpção) e “Soul” (1998). A parceria ganhou volume a partir de maio de 2020, com a composição de mais de 20 canções.

O disco tem reggaes, baladas, xotes e rocks. Quando anunciaram o lançamento, Chico e Zeca anteciparam duas canções, “Respira” e “Lovers”, em maio de 2021. Depois de retomarem as gravações, em 2022, apresentaram um single duplo com “Verão” e “Beije-me antes”. Além delas, há ainda “Ao arrepio da lei” — que dá título ao álbum —, “Bardo”, “Mocó”, “Narcisos”, “Néon”, “Dislike” e “Aglomerar”. Os dois compuseram letra e melodia, num processo de criação conjunto e cheio de experimentações.

Turnê

Parcerias musicais são comuns na música brasileira. Noel Rosa e Vadico, Raul Seixas e Paulo Coelho, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, João Bosco e Aldir Blanc — são apenas alguns exemplos do que duas mentes férteis e poéticas podem fazer quando se casam artisticamente. Chico César e Zeca Baleiro se juntam a esse panteão, com versos que calam fundo na alma e tiradas bem-humoradas, em cenários musicais que englobam o Sertão e o caos urbano.

Para mostrar essa sintonia ao vivo, os dois artistas saíram em turnê pelo Brasil, em show que estreou no dia 8 deste mês, em Curitiba (PR). Na sequência, vão se apresentar em cidades como Florianópolis (SC), Recife (PE), Brasília (DF), Porto Alegre (RS), São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG) e Rio de Janeiro (RJ). E João Pessoa? “Não há data nem previsão de show na Paraíba, até o momento. Mas queremos muito fazer esse show aí”, responde Chico.

Novos tempos

“A gente não pode nem deve viver preso ao passado. Sou colecionador de vinis, tenho grande apreço pelo disco físico, mas o mundo mudou e não tem volta. Então a gente vai surfando nas novas possibilidades e se adaptando, encarando alguns desafios que podem, inclusive, ser inspiradores criativamente”, avalia Zeca Baleiro, ao se referir à nova forma de se produzir (e consumir) música, surgida com o advento das plataformas de streaming. “O que eu lamento de fato, e aí não tem a ver só com o avanço tecnológico, mas com o próprio espírito do tempo, é a truculência na escuta da música, assim como na fruição de qualquer forma de arte”, enfatiza.

Na apresentação de Ao Arrepio da Lei, no site oficial de Chico César, o texto diz que o título do disco não é à toa. Foi batizado assim porque os dois artistas estão “integrados de algum modo ao velho e decadente star system, mas ainda rebeldes, com espírito de luta, lirismo e alguma lucidez”.

Que essa pajelança siga fazendo chover no sertão das ideias!

 *Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 31 de março de 2024.