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Cantora paulistana detalha seu sétimo trabalho, no qual passeia pelos gêneros da MPB, samba e rock

Céu lança seu primeiro álbum unicamente como intérprete

publicado: 18/11/2021 08h31, última modificação: 18/11/2021 08h31
Mesmo com ecletismo das faixas e reunião de compositores tão díspares geográfica e temporalmente, Céu segue o caminho do folk e do jazz

Foto: Cássia Tabatini/Divulgação

tags: céu , mpb , um gosto de sol , entrevista

por Joel Cavalcanti*

Tem algumas características da personalidade de um artista da música que se conhece apenas a partir de seu repertório autoral, sobre o qual ele se expressa de forma inédita. Mas outras só se conhecem quando reproduz suas referências mais definidoras de seu interesse musical. É assim que se pode apreciar Um gosto de sol, primeiro álbum em que a cantora paulistana Céu lança sem composições próprias, firmando-se como uma intérprete capaz de imprimir nas canções de outros autores uma personalidade única.

Com uma unidade sustentada em grande medida pela voz de Céu, o sétimo álbum da artista possui dois interlúdios entre 14 faixas com canções de Rita Lee, Milton Nascimento, Fiona Apple, Beastie Boys e Jimi Hendrix, além de sambas de Ismael Silva e Lamartine Babo. Mesmo com o ecletismo das faixas e a reunião de compositores tão díspares geográfica e temporalmente, Céu segue o caminho do folk e do jazz em sua estética sonora. “Não quero ser vista como uma intérprete eclética. Na verdade, eu sou uma compositora que conduz o meu trabalho – que é eclético. Mas eu sigo na minha linha de escrever, e que hoje está cantando”, destaca ela, em entrevista virtual coletiva com o jornal A União.

“Todo mundo sabe que eu gosto de Rita (Lee), que eu sou um pouco filha do Tropicalismo e que eu gosto de samba. Mas ninguém sabia que gostava da Fiona Apple, de pagode. Eu queria trazer algumas dessas camadas para me aproximar de quem me acompanha”, explica a artista, que justifica o abandono momentâneo de seu lado compositora devido a um vácuo criativo causado pela pandemia. “A música sempre foi um lugar de segurança para mim. É a linguagem que me acalma, me aquece. Nesse momento de violência e luto sem precedentes que todos nós vivemos, acabei recorrendo ao meu lugar de segurança”.

Em busca desse refúgio, Céu criou um álbum com músicas que estavam até então restritas à sua vida privada e às suas memórias. Dessa forma, Um gosto de sol é tão intimista quanto um núcleo familiar pode ser, já que o disco conta com a contribuição de Pupillo, seu marido e produtor, e de Edgard Poças, seu pai, maestro e compositor, que ajudou na definição do repertório. “Essa intérprete convive comigo desde sempre, afinal entrei na música imaginando que eu seria apenas intérprete, acabei me descobrindo compositora e segui por esse viés”, lembra ela, que vivia em Nova York, EUA, em 1998, quando escreveu sua primeira canção.

Céu jamais largou essa sua faceta completamente. Todos os discos da cantora possuem alguma versão, como ‘Visgo de Jaca’, de Rildo Hora e Sérgio Cabral, no álbum Vagarosa; ou ‘Palhaço’, de Nelson Cavaquinho e Oswaldo Martins, no Caravana Sereia Bloom. “Eu me sinto uma veterana. De uma certa maneira, eu me sinto intérprete. Tive dificuldades, mas não me senti iniciante em nenhum momento”, conta ela sobre o álbum recém-lançado e que é dominado pelo samba, mas entoado com a voz rasgada da cantora influenciada pelo soul.

“Quando percebi que queria fazer música, eu me encontrei dentro de um lugar com muita dificuldade de definir gêneros. Não à toa, a crítica musical não me encaixava dentro da MPB – mas eu achava que fazia MPB”, conta Céu, que tem como um dos maiores acertos neste trabalho a faixa que dá nome ao álbum. ‘Um gosto de Sol’ trouxe um maior nível de dificuldade para a cantora devido a grandiosidade da canção de Milton Nascimento no antológico LP Clube da Esquina (1972). “A gravação no estúdio foi bem densa. É um dos momentos que mais me arrepia toda vez que eu lembro. Foi lindo e foi complexo. Essa talvez seja a faixa mais completa, mais maravilhosa e uma das que mais gosto”, ressalta. O arranjo tem Andreas Kisser no violão de sete cordas. O guitarrista do Sepultura é considerado por Céu como o protagonista da canção.

O instrumentista também está presente na faixa que abre o álbum. O samba ‘Ao romper da aurora’ é considerado uma preciosidade da obra de Ismael Silva, Lamartine Babo e Francisco Alves. Outra joia do disco é ‘Bim Bom’, lançada por João Gilberto como “lado B” do compacto simples, de 1958, que tinha como “lado A” a faixa ‘Chega de Saudade’ e inaugurava a bossa nova. Ainda na vertente sambista, o álbum segue com ‘Pode Esperar’, gravado por Alcione em 1979, que já imprimia ares feministas ao discurso da maranhense. É por esse percurso que se chega ao pagode dos anos 2000 em ‘Deixa Acontecer’, sucesso do grupo Revelação que Céu canta em dueto com Emicida.

Se por um lado a cantora considera a canção de Milton Nascimento o maior desafio, a sua maior resistência em gravar foi ‘Feelings’, composição em inglês do brasileiro Morris Albert, em 1974. A faixa já foi interpretada por estrelas do jazz e do pop mundial, de Nina Simone a Caetano Veloso, de Offspring a Joe Pass. “Acho essa música lindíssima, mas estava desconfiada se eu iria conseguir acrescentar algo a ela. Existe uma outra camada minha que é essa coisa meio rasgada, ‘cafona’, que eu gosto. Tem uma coisa meio ‘karaokê’”, compara ela.

“Sempre percebi que havia algo diferente na forma que desejava me expressar musicalmente, mas eu mesma estava procurando a resposta da minha pergunta. Demorei todos esses anos e álbuns para entender a compositora que eu sou, para ter segurança nesse lugar de composição, para depois de vários discos, finalmente chegar em um lugar que é mais fechado, que é o lance da intérprete e estar a serviço de um artista”, remonta Céu.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 18 de novembro de 2021