Amanhã começará a Mostra Aruanda SP, no CineSesc de São Paulo, que se estenderá até o próximo domingo (dia 26). O evento realizado na capital paulista representa “uma vitrine” para a divulgação de filmes da Paraíba, como também dar a visibilidade às obras produzidas por mulheres. O evento vai oferecer um panorama do novo cinema paraibano, cuja programação é composta por 14 filmes, sendo sete curtas e sete longas-metragens. Desses, cinco são dirigidos por mulheres: dois longas e três curtas, o que dá mais de 35% de autoria feminina.
A iniciativa resulta de parceria do Sesc-SP com a Bolandeira Arte e Films, produtora responsável pelo Fest Aruanda, que acontece sempre no final do ano, em João Pessoa, e completa 18 anos de existência, em 2023. Para mais informações sobre a mostra e sua programação, basta acessar o site oficial do Sesc-SP (www.sescsp.org.br/projetos/mostra-aruanda-sp/).
Kalyne Almeida informou que participará da Mostra Aruanda SP com o premiado filme Aponta pra Fé – Ou Todas as Músicas da Minha Vida, o seu primeiro longa de ficção. “Eu vou viajar para participar do evento acompanhada por um grupo de pessoas, que inclui a atriz protagonista desse filme, Rayssa Holanda, e sua irmã, Rossana. Trabalho com cinema de lugar e poder levar duas pessoas, que vivem e moram na comunidade do Porto do Capim, onde o longa foi rodado, é poder dar mais visibilidade a temas como o que é focado nesse filme. Sou a segunda mulher a dirigir um longa de ficção na Paraíba. A primeira foi Vânia Perazzo, com Por 30 Dinheiros”, disse ela.
Em Aponta pra Fé, Martha é uma jovem estudante universitária que mora no Porto do Capim, comunidade situada no Varadouro, ao pé do Rio Sanhauá, no Centro de João Pessoa. Cuida da casa e da associação das mulheres. Casada um ex-pescador que agora trabalha na construção civil, juntos, cuidam da pequena Ester. A vida do casal e da comunidade tomam novos rumos diante do impasse entre os moradores do Porto do Capim e a Prefeitura da cidade, que busca retirar a comunidade daquele local. “Entendo que a gente precisa ocupar os espaços e precisava de narrativa construída a partir da direção e do roteiro. Encarei a direção desse longa e fazê-lo como documentário ficaria ‘endurecido’. Então, trato da questão da moradia, que é uma questão social, de forma subjetiva e poética, através de um casal protagonista”, explicou Kalyne Almeida.
“Na minha visão, o panorama é de que temos poucas cineastas mulheres de longa na Paraíba, mas não temos paridade nem no curta e nem no longa no estado. Isso é sintomático e acontece em várias profissões, no Brasil, onde a mulher é minoria, mas, sobretudo, na Paraíba e no Nordeste. É uma questão de política pública. Para estar à frente de um filme a mulher precisa abandonar muitas coisas, pois às vezes são donas de casa, são mães e trabalham em outros ligares. É importante ter mais políticas públicas inserindo as mulheres no cinema de longa na Paraíba e no Brasil”, acrescentou a cineasta.
Já a cineasta Caroline Oliveira também reconheceu ser pouca a presença das mulheres no cinema paraibano. “Isso é, obviamente, pela questão estrutural da sociedade. Não é pela questão biológica, de que somos mães, mas, historicamente, de como se organiza o patriarcado e temos muito menos oportunidade e representatividade, desde sempre. Então, existe todo um percurso para se conseguir se fortalecer, ter foco e ganhar espaço para estar em lugares de liderança, principalmente dentro de uma arte muito machista e, às vezes, militarista, que é o audiovisual”, declarou ela, cujo longa documental Miami – Cuba será exibido na Mostra Aruanda SP.
Entre os curtas no evento estará a ficção Não existe pôr do sol, de Janaína Lacerda, que também expôs seu ponto de vista a respeito da presença feminina na Sétima Arte paraibana. “As mulheres estão fazendo cinema paraibano há tempos, seja nas áreas técnica, de atuação ou de direção. Somos de igual criatividade, competência e importância para a construção destes filmes que incorporam o dito cinema paraibano, apesar dessa presença ainda ser de maioria masculina, estamos conquistando espaço e aguardo, alegremente, o dia em que o debate será sobre os filmes que fazemos, e não só sobre o fato de sermos mulheres fazendo cinema. Não acho que seja pouca em quantidade, porque vejo, trabalho e convivo com muitas mulheres que trabalham com cinema, inclusive já estive em sets de maioria feminina. Talvez, a questão seja os lugares que ocupamos, ou o respeito que recebemos nos sets, de ter as opiniões respeitadas e o trabalho reconhecido”, declarou ela.
Janaína Lacerda ainda comentou sobre como propiciar mais visibilidade ao trabalho das cineastas paraibanas. “A distribuição do cinema nacional, como um todo, já é uma questão, se a gente for afunilando ao cinema paraibano e mais ainda ao cinema paraibano feito por mulheres a gente tem que levar em consideração o contexto em que este está inserido, acredito que com um trabalho de base bem feito, mulheres podendo fazer seus filmes, escrever seus roteiros, executar suas ideias, o filme por si só falará e encontrará seus caminhos, em festivais, em mostras, em plataformas de streaming, acreditando que estes também tecem uma reflexão e se propõem a fazer uma reparação para igualar essa participação da presença feminina em suas programações”.
Veterana nas produções da Paraíba, Ana Dinniz – diretora do curta O que os machos querem – lembrou ter percebido, ao longo dos últimos 25 anos (período esse em que vem trabalhando no audiovisual) um aumento de participação de mulheres nos sets. “Começou pelas funções de produção executiva, arte, figurino, direção, roteiro, fotografia e som. Eu mesma fiz parte do primeiro coletivo de produção audiovisual totalmente formado por mulheres, Las Luzineides, mas, proporcionalmente, na totalidade dos sets, a gente ainda não representa nem 50%, salvo raras exceções que, em sua maioria, são em projetos tocados por mulheres nas funções de direção e produção executiva. Se for feito o recorte de gênero e raça esse número, infelizmente, diminui”, lamentou ela.
A realizadora ainda lembrou haver motivo para maior participação masculina na direção de filmes. “A razão é a mesma para as outras áreas: uma sociedade patriarcal que afastou, e ainda afasta, mulheres do mercado de trabalho e da educação formal e quando permite e contrata é em funções subalternas e pagando menos. isso é um projeto de sociedade fundamentado em misoginia e racismo. A saída para mudar essa situação é, a priori, investir em ações afirmativas sem dúvida nenhuma, pois é o começo, e políticas públicas com recortes de gênero e raça. Sem isso, a igualdade de oportunidades e ocupação nos espaços fica mais difícil porque a construção social não dá o reconhecimento e oportunidade para promover a equidade”, comentou Ana Dinniz.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 19 de julho de 2023.