“Eu tava deitada, lá dentro, tu te alembra? Na rede. Escutei os gemido... ‘Fome... fome... fome...’. Fiquei de orêia in pé... Quis me alevantá... mais, num podia... A dô era munto grande!”. O trecho emula em poucas palavras o universo da peça Acalanto de Joana, a Louca, escrita e dirigida pelo dramaturgo Fernando Silveira e encenada em 1970 durante o 1o Festival de Teatro Colegial de Campina Grande. O espetáculo trouxe para o palco do Teatro Severino Cabral temas emergentes que poderiam ter sido interditados pelo regime militar, como o coronelismo e a luta das ligas camponesas, mas que conseguiram ser encenados – mesmo com a chancela da Censura Federal, que o proibia para menores de 18 anos.
Editado pelo professor e pesquisador Diógenes Maciel, o texto de Acalanto de Joana, a Louca está sendo publicado pela primeira vez em livro, a ser lançado hoje, no Memorial Severino Cabral, no Centro de Campina Grande. O evento marcado para as 10h tem entrada franca.
A obra editada pela Papel da Palavra conta com uma introdução e um posfácio elaborados pelo próprio Diógenes, a partir de pesquisa recente, publicada no periódico Discursividades, revista acadêmica da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), junto com o também pesquisador Mateus Rodrigues de Melo.
ACALANTO DE JOANA, A LOUCA
- De Fernando Silveira. Editora: Papel da Palavra. 148 páginas. Formato: 15 x 22 cm. Distribuição gratuita na primeira tiragem da versão física; depois, R$ 30.
- Lançamento hoje, às 10h.
- No Memorial Severino Cabral (Av. Pres. Getúlio Vargas, 344, Centro, Campina Grande).
- Entrada franca.
A peça se passa no município de Sapé e narra o encontro de Olavo, forasteiro nortista, com uma família pobre que ocupa tapera no latifúndio de um grande produtor rural. A personagem-título é a matriarca Joana (de quem parte o diálogo que abre a reportagem). Já enferma, ela enlouquece na tentativa de obter os bens trazidos por Olavo. Na peça, não há aridez: o espetáculo é ambientado no meio de um temporal e a seca é mencionada como um evento do passado. Mas, naquele momento, início dos anos 1970, a Paraíba carecia de chuva na “vida real”.
“Uma seca assolou o nosso estado nesta época. Os jornais davam conta do grande fluxo migratório chegando aos centros urbanos mais desenvolvidos e do enorme problema humano e social que isso ocasionava. Havia uma série de reclames contra as ações da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Presidência da República”, explica Diógenes, citando o regime militar e a efervescência cultural campinense como outros dos contextos que influenciaram o desenvolvimento da obra. Na montagem de 1970, o próprio Fernando Silveira atuou, interpretando o Coronel Belém. Em 1986, outra versão da peça foi encenada no Teatro Santa Roza, em João Pessoa, com direção de Carlos Cartaxo.
O livro obteve recursos da Lei Paulo Gustavo, através de edital publicado pela Secretaria de Cultura de Campina Grande. Por decisão de Diógenes em comum acordo com os herdeiros de Fernando, a primeira tiragem do livro será gratuita. A versão digital da obra também será disponibilizada sem custos, através do site da editora. “Ao voltarmos aos textos dramatúrgicos do passado, fazemos uma ação favorável à memória de nossa cultura, especialmente, de nossa cultura teatral. Esperamos que novos leitores possam encontrá-la e que possam redescobrir a importância de seu autor”, assevera Diógenes.
Escritor de radionovelas
Nascido no Ceará em 1920, Fernando Silveira desenvolveu diversos trabalhos em rádios e teatros de seu estado de origem nas suas duas primeiras décadas de vida. Prestes a completar 30 anos de idade, veio para a Paraíba recrutado por uma grande figura da nossa comunicação: Assis Chateaubriand lhe convidou para criar o núcleo de dramaturgia da Rádio Borborema de Campina, produzindo para este veículo diversas radionovelas a partir de 1949. Na década de 1960, estabeleceu-se como dramaturgo, vivendo um novo momento de sua carreira. Ainda nos anos 1970, transferiu-se para a capital onde atuou como jornalista e assessor de imprensa. Pouco depois, voltou-se novamente para o rádio. Assumiu a direção do Núcleo Artístico da Rádio Correio da Paraíba, criando o programa Bandeira 2, sucesso nas noites pessoenses.
Melânia Silveira, atriz campinense, é entusiasta do projeto por uma razão especial: Fernando era seu pai. E foi através de sua influência que ela decidiu seguir carreira no teatro. “Considero que a arte só tem validade se for compartilhada. O livro é uma contribuição indispensável para a memória cultural de minha terrinha”, finaliza a atriz.
Através do link, acesse o site para baixar o e-book gratuito
*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 24 de maio de 2024.