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Colegas celebram legado deixado por Zabé da Loca, falecida no último sábado

publicado: 08/08/2017 00h05, última modificação: 08/08/2017 07h13
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Uma das peculiaridades de Zabé da Loca foi morar por mais de 35 anos em uma gruta, onde criou os filhos e repassou a arte de tocar pífano - Foto: Divulgação/Youtube

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Guilherme Cabral

“Não foi uma perda, foi um ciclo de vida que chegou aos 93 anos de uma mulher que teve uma história linda e maravilhosa que tivemos a oportunidade e o prazer de conhecer e divulgar. O momento não é de tristeza, mas de celebração, porque ela deixou um legado fantástico”, disse para o jornal A União o fotógrafo Ricardo Peixoto, um dos fundadores da Agência Ensaio, referindo-se ao falecimento, ocorrido na manhã do último sábado (5), em decorrência de causas naturais - embora viesse lutando contra o mal de Alzheimer -, na sua própria casa, localizada na cidade de Monteiro, na região do Cariri da Paraíba, da tocadora de pífano Zabé da Loca.

“Nossos mestres vão sobrevivendo, mesmo com a infinidade de negativas que recebem da vida. Gente como Zabé nos mostra a grandiosidade das pessoas simples e a força da cultura na zona rural. Ela representou - e sempre vai representar - um fator importante para a Paraíba. Temos uma identidade cultural fortíssima, mas nem sempre reconhecida, até mesmo no meio cultural. A importância da memória de Zabé não se dá apenas para pesquisadores. Ela é importante para o reconhecimento dessas transversais que transgridem a linearidade do tempo. Seu som primitivo inspirou o futuro”, ressaltou, também, o secretário de Estado da Cultura (Secult), Lau Siqueira. O governador da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB), lamentou a morte da instrumentista. “A arte popular e a resistência nordestina perderam, hoje, no Cariri, Zabé da Loca. Vá em paz”, postou ele em sua conta pessoal no Twitter, na data em que o fato aconteceu. 


Zabé da Loca - ou Isabel Marques da Silva, nome de batismo - morreu em sua casa, localizada na Comunidade Santa Catarina, zona rural de Monteiro. A princípio, ao longo de toda a manhã do sábado, o corpo da artista foi velado na própria residência, seguindo à tarde, a partir das 13h, para o Memorial Zabé da Loca, instalado no sítio Tungão, na Fazenda Santa Catarina, até ser concluído, no dia seguinte, domingo (6), no Centro Cultural de Monteiro. O sepultamento se deu no cemitério do município, cuja prefeitura decretou luto oficial de três dias, encerrado nessa segunda (7).

“Infelizmente, a sociedade adquiriu outros valores e hoje temos paredão de som no sítio Santa Catarina, em Monteiro, onde morou Zabé e onde existem outras personalidades incríveis como João de Amélia. Vai ficar na memória de muitos, mas, graças ao sistema que nos oprime, sua memória também ficará distante das populações com as quais dialogava com sua arte”, afirmou, ainda, para A União, o secretário da Cultura da Paraíba, Lau Siqueira.

Já o fotógrafo Ricardo Peixoto ainda lembrou os momentos em que pôde compartilhar da longa convivência que manteve, durante uma década, a partir de 1996, com Zabé da Loca. Tudo começou quando ele soube da existência da pifeira por intermédio do músico Rivers Douglas, integrante e idealizador do grupo Pife Perfumado, que atua em Monteiro, e ficou curioso em desenvolver, por intermédio da Agência Ensaio - que fundou na cidade de João Pessoa com Mano de Carvalho e Marcos Veloso - um trabalho de pesquisa com a artista. Desse contato resultou, por exemplo, o projeto intitulado Da Idade da Pedra, que retrata a trajetória da instrumentista.

A princípio, o projeto Da Idade da Pedra - coordenado por Ricardo Peixoto, junto com Rivers Douglas - seria um ensaio fotográfico, mas terminou ganhando contorno multimídia, pois profissionais de outras áreas, ao tomarem conhecimento da arte da instrumentista, se juntaram à iniciativa. Além das fotos feitas por Ricardo Peixoto, o trabalho inclui texto do poeta Lúcio Lins, obras do artista plástico Nai Gomes, música e vídeos, além de um livro, que ainda não tem previsão para ser lançado.

“Acho que quem mais fotografou Zabé da Loca fui eu”, comentou Ricardo Peixoto, lembrando, ainda, que, dentro do projeto Da Idade da Pedra, a Agência Ensaio se mobilizou para, em 1999, realizar a gravação de um disco na própria pedra onde a tocadora morou durante mais de duas décadas, depois que a casa de taipa construída pelo marido desabou parcialmente e precisou morar, a princípio de forma temporária, na área, localizada no Sítio Tungão, que se transformou em casa após a morte do esposo. Daí a incorporação da palavra “loca”, uma espécie de caverna, ao nome artístico, mas depois foi morar na casa de uma das filhas. “Foi uma experiência muito bonita, de parceria”, comentou o fotógrafo, ao falar sobre os anos que compartilhou da convivência com a artista.

Pernambucana nascida na cidade de Buíque, Zabé da Loca se mudou ainda na adolescência para o município de Monteiro, no Cariri da Paraíba. Ela ainda morava na gruta quando seu talento foi descoberto, aos 79 anos de idade. Em, 2009, aos 85 anos, sua arte foi reconhecida ao receber o prêmio Revelação da Música Popular Brasileira.