A primeira vez que Mel Lisboa apareceu num palco vestida de Rita Lee foi em 2014, no espetáculo Rita Lee Mora ao Lado, inspirado no livro de Henrique Bartsch. A cantora assistiu e adorou. Já aposentada dos shows, chegou a dizer que tinha passado “sua Rita Lee dos palcos” para Mel Lisboa, que a interpretava na peça. Pois a atriz voltou a encarnar a rainha do rock, a partir do ano passado, em Rita Lee – Uma Autobiografia Musical, que terá duas apresentações no Intermares Hall, em Cabedelo, sexta e sábado, 5 e 6 de setembro, às 20h. Os ingressos custam de R$ 25 a R$ 180, antecipados na plataforma Olha o Ingresso.
O novo musical é baseado, desta vez, em Rita Lee – Uma Autobiografia, que a cantora lançou em 2016, e tem direção de Márcio Macena e Débora Dubois (que também dirigiram Rita Lee Mora ao Lado). O roteiro e a pesquisa são de Guilherme Samora e a direção musical é de Marco França e Márcio Guimarães, e coroa a trajetória de Mel Lisboa nessa recriação que já a acompanha há mais de 10 anos.
Esse encontro artístico com Rita começou a nascer em 2011, quando Macena viu a atriz no espetáculo Cine Camaleão e viu ali a atriz ideal para seu futuro projeto. “Ele me chamou para um almoço e me deu esse livro, o Rita Lee Mora ao Lado”, lembra Mel, em conversa com A União. “E falou que queria montar um espetáculo a partir desse livro, um musical, e gostaria que eu fizesse a Rita. Eu, na época, achei que era uma loucura da cabeça dele”.
Ela nem acreditou muito que aquilo fosse acontecer. “Até o final, assim, eu morria de medo. Mas, quando realmente ele falou “é isso aí, vai ter, vão começar os ensaios dia tal...”, aí eu vi que eu tinha relativamente pouco tempo para construir uma personagem tão complexa, tão difícil, com tantas questões que eu também teria que resolver, mesmo, vocais e tal”, conta ela.
A partir daí, Mel Lisboa ficou obcecada por Rita Lee. “Eu não pensava em outra coisa, não fazia outra coisa, não escutava outra coisa, não via outra coisa, porque eu vi que não haveria outra maneira de construir essa personagem, senão dando um mergulho muito profundo e me dedicando 100% a ela”, explica.
Em casa, desde a infância, Mel Lisboa já ouvia Rita Lee. “Porque minha mãe já escutava”, diz. “Então, eu sempre me relacionei muito com a cantora, com a obra. Claro, em 30 anos, sim, eu a via na TV. Tinha coisas assim, tipo ela lá no Saia Justa, era maravilhosa... Uma personalidade muito ímpar, não tem nada parecido com a Rita e tal”.
Assim, quando teve de estudar a vida de Rita para a peça, ela foi se encantando cada vez. “A ponto de admirá-la tanto, de ficar com dó de não ser ela mesmo, sabe?”, brinca. “Poxa vida, eu queria ser a Rita mesmo. Pena que não sou (risos)”.
O encontro com Rita foi muito emocionante para a atriz. “É muita responsabilidade você subir no palco e interpretar uma personagem tão icônica, uma pessoa que marca gerações e gerações. E você poder fazer essa homenagem para a pessoa em vida e ela vai te assistir...”, recorda. “Eu fiquei com um misto de sentimentos quando ela subiu ao palco, sabe? Eu tinha muito medo de que ela não gostasse. Eu tinha muito medo de que ela não conseguisse, de certa forma, se ver no palco, mas ela foi sempre muito generosa comigo. Me abraçou, me abençoou, curtiu o trabalho e sempre falou isso”.
Para a interpretação de uma personagem com uma personalidade tão própria, imitar ou não imitar os trejeitos é sempre uma questão. “É uma linha muito tênue, né? Porque existe uma certa... mimetização, assim, eu acho”, explica a atriz. “Porque é diferente de quando você pega uma personagem, como eu sempre digo, que é ‘tinta no papel’: está ali, escrita, e, no momento em que você tem dimensionado essa personagem dando voz e corpo, pode fazer meio que da forma que você achar melhor, que a direção achar melhor”.
Para ela, ao interpretar uma personagem real, existe um limite. “Tem questões que você tem que respeitar”, afirma. “Agora, é uma imitação? Também não é uma imitação, né? É uma interpretação, mas existe, sim, um estudo profundo de movimentação, de voz, de timbre, de prosódia, de você tentar aproximar seu corpo do dela, a sua voz da dela, suas expressões faciais a dela”.
Mas ela diferencia esse estudo de uma imitação. “Existe um filtro, existe uma atriz atrás disso. Interpretar é você ler aquela personagem, é você dar um sentido a ela”.
Cantar também foi uma questão. “Cantar, para mim, não é uma coisa fácil”, confessa. “Eu sempre digo que não é um talento meu, mas estudando, se dedicando e na experiência mesmo, a gente vai aprendendo. Então, hoje eu acho que eu apresento uma performance, assim, aceitável, sabe? Não é nada de virtuoso, mas é aceitável, porque estudei muito. Porque não é fácil para mim. Eu preciso dar muito para fazer o mínimo”.
Se há ou não uma dose de modéstia nessa autoavaliação, o fato é que Mel Lisboa ganhou, em março, o Prêmio Shell de Teatro, da temporada paulista, como melhor atriz (que geralmente sempre cai para atrizes de peças dramáticas e não de musicais). E ela tem se apresentado até em shows mesmo, com Mel Lisboa Canta Rita Lee.
“Como eu tenho feito uma peça já há muito tempo, já canto no teatro há muito tempo, evidentemente que estou um pouco melhor, me sinto um pouco mais à vontade, os shows também fazem com que eu ganhe mais experiência cantando. Então, isso tudo tem me ajudado bastante”, acrescenta.
Interpretar Rita Lee como uma maneira de ajudar a levar em frente o legado da cantora que morreu em 2023, tornou-se uma espécie de missão para Mel Lisboa. Foi assim que ela aceitou o convite para o musical atual e também quando a Rita pediu para que fosse a atriz a narrar o audiolivro de sua autobiografia, em 2022. “Eu peguei essa missão para mim. Ela me pediu, ela delegou a mim isso e eu comprei”, conta. Além disso, ela vai de Rita no Carnaval do Rio, no ano que vem, no desfile da Mocidade Independente que terá a cantora como tema.
A peça segue a trajetória de Rita, com seus principais lances biográficos: o período com Os Mutantes, os festivais da canção, a carreira solo, a prisão, o encontro com Roberto de Carvalho, que viria a ser o grande amor de sua vida. Para contar tudo isso, os sucessos da cantora vão pontuando a história — às vezes de maneira cronológica, outras vezes fora de seu “tempo correto” para comentar as cenas.
“Tem as duas coisas. Tem a música colocada no tempo certo, por exemplo, o festival da Record em que eles cantam com Gil o ‘Domingo no parque’. É a música ‘certa’ e na hora ‘certa’. Mas há muitas músicas, acho que até a maioria, que estão ali a favor da narrativa, da dramaturgia. Então, elas estão muitas vezes deslocadas no tempo”, explica.
Mel Lisboa lembra uma das frases famosas de Rita Lee. “Ela dizia: ‘Eu nunca fui bom exemplo, mas sou gente boa’. Acho que esse ‘não ser um bom exemplo’ é porque ela nunca foi um padrão. Com a irreverência, com a rebeldia, com o deboche, ela sempre foi muito diferente de tudo. Mas, pelo contrário, eu acho que ela é um exemplo, sim: de coragem, de rebeldia, de uma pessoa de ação. Ela nunca precisou ficar gritando, levantando bandeira. Ela já era a própria bandeira”, resume.
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*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 31 de agosto de 2025.