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dança em paisagens urbanas

Com o corpo fora da caixa

publicado: 26/10/2023 09h25, última modificação: 26/10/2023 09h25
No próximo final de semana, em João Pessoa, grupo carioca apresentará gratuitamente o espetáculo em dois atos ‘Vertigem/Fio do Meio’, focando na relação do corpo com a cidade
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Na apresentação da Cia. Gente (RJ), o cenário é o mais cru: uma caixa de giz e uma caixa de som para “sair da caixa” e transbordar emoção ao público - Foto: T. Louis Aragon/Divulgação
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‘Vertigem’ é um diálogo intenso e ininterrupto mediado pelos corpos dos intérpretes, cuja proposta expõe a borda, o ruído, como também o silêncio, a corda bamba, a respiração ofegante e a embriaguez do gesto - Foto: Álvaro Herculano/Divulgação
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Foto: Álvaro Herculano/Divulgação
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Foto: Álvaro Herculano/Divulgação
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Foto: Álvaro Herculano/Divulgação
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Quem assina a direção e roteiro do espetáculo é o dramaturgo e antropólogo carioca Paulo Emílio Azevedo - Foto: Walter Mesquita/Divulgação
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por Guilherme Cabral*

“O espetáculo tem o conceito que, no exterior, é conhecido como dança em paisagens urbanas. O cenário é o mais cru. Só se usa uma caixa de giz, que faz parte do elemento de cena, e uma caixa de som, que reproduz a música de forma mecânica. É uma caixa de som e uma caixa de giz para sair da caixa, porque o espetáculo transborda emoção ao público”. Foi o que definiu o dramaturgo e antropólogo carioca Paulo Emílio Azevedo, autor e diretor do espetáculo Vertigem/Fio do Meio, com o qual a Cia. Gente (RJ), marca a sua estreia na Paraíba realizando duas apresentações, ambas com entrada gratuita ao público, nestes próximos sábado (dia 28) e domingo (29), sempre a partir das 16h, no Teatro de Arena do Espaço Cultural, em João Pessoa.

No mesmo período, o grupo também ministrará uma oficina criativa sobre o tema “Corpo-memória”, na Sala Roberto Cartaxo, das 10h às 12h. Os eventos integram o projeto Brasil sem Ponto Final, que cumpre turnê pelo país e é patrocinado pelo Instituto Cultural Vale, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, Ministério da Cultura e Governo Federal.

O espetáculo, escrito e dirigido por Paulo Emílio Azevedo e coordenado por Zuza Zapata Arte e Produção, é desenvolvido em dois atos. O primeiro é Fio do Meio, no qual o seu criador toma como célula o movimento do esbarrão. A partir desse toque, passa-se a observar a provocação de uma via de mão dupla: a capacidade de mover corpos e, desses movimentos, abrir espaços de conversação. Na sequência, vem a proposição de ativar a rua como espaço criativo, sua arquitetura e seu diálogo com as pessoas, extrapolando a noção de margem e reconfigurando outras relações de geocorporeidade; reterritorializando os usos da cidade, produzindo repetições oriundas de gestos do urbano para difundir catatonias e narrativas que pleiteiam a visibilidade de tantos outros corpos; tantas das vezes negados, miopizados e varridos.

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Foto: Álvaro Herculano/Divulgação

Já no segundo ato, Vertigem, Paulo Emílio optou pela adoção de um diálogo intenso e ininterrupto mediado pelos corpos dos intérpretes, cuja proposta expõe a borda, o ruído, como também o silêncio, a corda bamba, a respiração ofegante e a embriaguez do gesto. Nessa parte, persegue-se o que o autor classifica como uma “labirintite cênica”, sendo o movimento guiado por uma atmosfera que não almeja o controle; ao contrário: despreza-o e o desloca em busca do risco, daquilo que ainda não tem nome; mas que por tal recebe, gentilmente, o significado de “política”. Em cena, um “corpo político que dança”, conceito criado e desenvolvido pelo próprio dramaturgo desde a década de 1990. Neste segundo ato, a arte elabora distintos ecossistemas corporais, surgindo como fresta, a fim de que passem outras luzes com o intuito de se enxergar o que há do outro lado dos muros e, sobre os muros, tombá-los.

“Criei o primeiro ato durante a pandemia, em 2021, e o segundo, no ano seguinte. Como são peças curtas – o primeiro ato dura 20 minutos e o segundo, 25 minutos –, decidi juntar as duas, para facilitar a circulação e a logística de transporte. Mas há um fio condutor entre esses dois atos, que é a relação do corpo com a cidade”, explicou Paulo Emílio Azevedo.

Na equipe são cinco pessoas, entre os quais estão os intérpretes Pedro Brum, Zulu Gregório e Salasar Junior. Fio do Meio foi vencedor, no final do ano passado, do prêmio Funarte de Circulação em Dança, que foi executado em junho e julho, com apresentações para adolescentes que cometeram atos infracionais no Rio de Janeiro e São Paulo. “Quando fiz mestrado em Políticas Sociais, em 2003, trabalhei junto a menores infratores e, agora, seria justo devolver para eles, através desse espetáculo, parte do que me ajudaram a fazer naquela época. E, a convite, apresentamos Vertigem em julho passado, no Festival D’avignon, na França, que é um dos três maiores do mundo, ao lado do festival de Edimburgo, na Escócia, e da Bienal de Lyon, também na França”, disse Paulo Emílio.

Energia familiar

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Quem assina a direção e roteiro do espetáculo é o dramaturgo e antropólogo carioca Paulo Emílio Azevedo - Foto: Walter Mesquita/Divulgação

Natural da cidade de Macaé (RJ), mas filho de paraibano, Paulo Emílio Azevedo confessou que o clima entre os integrantes do grupo é positivo para a estreia da Cia. Gente no estado. “Quando visitei a Paraíba, no ano passado, depois de descobrir que meu pai nasceu em João Pessoa, me deparei com uma cidade que é uma capital, mas com uma energia muito familiar, do interior, diferente da correria das metrópoles, com um povo muito receptivo, caloroso, comunicativo, além de ser uma cidade belíssima”, pontuou o diretor. “A expectativa, portanto, é a melhor possível porque a gente trabalha com uma equipe que também é muito receptiva e calorosa, então eu acho que a troca vai ser inevitável, porque o espetáculo tem a característica de ser apresentado próximo ao público, para garantir a interação, e à luz do dia, do jeito como a vida é, como diz Nelson Rodrigues”, afirmou ele.

O projeto Brasil sem Ponto Final contempla 11 cidades brasileiras, sendo duas por região, além do Rio de Janeiro, cidade sede da Companhia. Do Nordeste, Paulo Emílio confessou que a primeira cidade que pensou em incluir no roteiro do projeto para inscrição no edital foi a de João Pessoa, por causa dessa ligação familiar, e depois a de São Luís (MA). Ele garantiu não ter dúvidas de tal escolha da capital paraibana, por ter ficado impressionado com a cidade.

Além das duas sessões do espetáculo, o projeto traz ainda uma preocupação pedagógica na troca de experiências e culturas com o público paraibano. Por isso, está prevista a realização da oficina “Corpo-memória”, ministrada pela professora Paula Lopes (MA) e o professor Salasar Júnior (PB). O evento é gratuito ao público, com lotação para 30 vagas. A oficina propõe, por meio das representações do gesto, da palavra e do movimento, o uso do corpo e da voz como estratégias narrativas, se utilizando da descrição textual, imagética, das atmosferas rítmicas, das cores, dos afetos e, sobretudo, das aberturas que podem ser suscitadas das experiências interpessoais.

*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 26 de outubro de 2023.