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Com os punhos cerrados

publicado: 20/11/2025 08h32, última modificação: 20/11/2025 08h32
Tony Tornado conversa com A União sobre sua carreira e o show que fará no sábado, em Bananeiras, no Fest Bossa & Jazz, que começa hoje
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Tony Tornado canta com o filho Lincoln e a banda Funkessência | Foto: Sérgio Fernandes/Divulgação

por Esmejoano Lincol*

Os punhos cerrados que Tony Tornado exibe com liberdade hoje em dia nos seus shows foram, há 50 anos, motivo de prisão durante uma apresentação da cantora Elis Regina. O gesto consagrado pelo Partido dos Panteras Negras, dos Estados Unidos, não foi visto com bons olhos pelo regime militar vigente no Brasil. Repressão superada, o cantor e compositor chega aos 95 anos em plena atividade para o Fest Bossa & Jazz, que começa hoje em Bananeiras. Seu show encerra o evento no sábado (22), às 22h30. O evento é gratuito.

Tony estará acompanhado do filho, Lincoln Tornado, e da banda Funkessência. O repertório contará com canções “da família” e com outros clássicos do soul nacional e internacional.

“Vamos entregar um show repleto de pura música negra muito dançante. Queremos que todos saiam felizes e suados! Teremos também algumas homenagens, que deixo como surpresa. A Funkessência é uma banda repleta de artistas sem igual. Creio que todos gostarão muito desse momento, que será realizado com carinho”, antecipa Lincoln.

Aos 40 anos, ele desponta como cantor e ator, seguindo os passos do pai. A consciência em torno da importância de Tony para ambos os segmentos deu-se, a propósito, ao contemplar a presença do parente nas novelas e minisséries brasileiras, a exemplo de Roque Santeiro (1985), Sinhá Moça (1986) e Cara & Coroa (1995).

“Assistindo-o na TV Globo, percebi que ele era, de fato, um grande artista. Fora que a emissora era minha segunda casa. Depois é que veio a consciência musical, quando começamos a tocar juntos”, revela.

Com Tony, pioneiro do funk e do soul em nosso país, Lincoln absorveu muitas das influências artísticas que apresenta no sábado, no palco do Fest Bossa & Jazz. Além do cancioneiro do próprio pai, ele cita ases da música negra internacional, como James Brown, Michael Jackson e outros ex-contratados da gravadora estadunidense Motown.

“Teve também muito Brasil, como Tim Maia, Cassiano, Sandra de Sá, Gerson King Combo, Hyldon... Sempre fomos de ouvir música juntos, algo corriqueiro entre nós até hoje”, declara.

“Black is beautiful”

Nascido em um distrito de Presidente Prudente, cidade do interior paulista, Tony Tornado fugiu de casa ainda adolescente, com destino ao Rio de Janeiro. Ele tinha dois intuitos. O primeiro, ser paraquedista, sonho alcançado anos depois, numa escola militar fluminense, onde conviveu com Silvio Santos, antes da fama de ambos. Mas esse era um objetivo secundário. O principal sempre foi cantar. 

“Não tinha ideia do que aconteceria, de onde chegaria, mas sabia que queria viver da arte e me realizar com ela”, ele lembra.

Depois de uma temporada nos Estados Unidos, em meados dos anos 1960, Tony retornou ao Brasil determinado a consolidar-se como intérprete. Logo surgiria o convite para defender a emblemática faixa “BR3”, no Festival Internacional da Canção (FIC), promovido pela TV Globo em 1970; no palco, ele contou com a participação do Trio Ternura.

“Antonio Adolfo e Tibério Gaspar, compositores, buscavam um intérprete. Wilson Simonal e Tim não podiam e me indicaram. Eu cantava nas boates de Copacabana e tocava com Ed Lincoln”, remonta.

Autointitulado a “zebra” do FIC, Tony conduziu “BR3” ao primeiro lugar da competição, superando faixas compostas por Gonzaguinha e Ivan Lins. Com o êxito, veio um contrato com a Odeon, junto à qual produziu dois LPs, seguidos de dois outros compactos — estes pela Continental. A aparência imponente de Tony também garantiu-lhe convites para o cinema e a TV, um dos motivos pelos quais esparsou seus lançamentos fonográficos.

A outra razão, ele alega, foi a patrulha do regime militar. O episódio da prisão aconteceu durante um festival em 1971. Elis Regina cantava “Black is beautiful”, de Marcos Valle, quando ele sentiu que poderia — e deveria — reproduzir, diante das câmeras, o gesto dos Panteras. Saiu algemado do ginásio do Maracanãzinho, no Rio, e partiu para o exílio, por um longo tempo.

“Quiseram me calar. A ditadura para um artista, ainda mais preto, era braba. Mas tive músicas cantadas por diversos artistas”, considera.

Rumo aos 100

Tony garantiu papéis marcantes no audiovisual brasileiro. No cinema, ele cita sua participação em Quilombo (de Cacá Diegues, 1984), interpretando o líder Ganga Zumba. Anos antes, ele deu vida ao polêmico Cristal, traficante que acolhe meninos de rua de uma maneira nada ortodoxa em Pixote — A Lei do Mais Fraco (de Hector Babenco, 1981). “Aceitei pelo desafio. E foi uma experiência incrível, tanto que o filme é o que é. Marcou nossas carreiras”, garante.

Na TV, seu papel mais popular foi o capataz Rodésio, de Roque Santeiro. Em depoimento ao documentário A Negação do Brasil (de Joel Zito Araújo, 2000), ele revelou que um dos fins gravados para a novela era aquele em que a Viúva Porcina (Regina Duarte) terminaria com ele, sequência nunca mostrada. Outro trabalho do qual se orgulha é a minissérie Agosto (1993), na qual atuou como Gregório Fortunato, guarda-costas de Getúlio Vargas, apelidado de “Anjo Negro”. “Lá, o desafio era cênico”, analisa.

O intercâmbio de gerações da família Tornado é essencial para o ofício da dupla. E o aprendizado entre ele e o filho é mútuo.

“Lincoln é muito articulado e suas falas são embasadas em conhecimento e leitura. Ele usa muito bem as redes sociais, influenciando de forma positiva os nossos. Antes era mais ‘no grito’. Ele me ensina a como me comunicar e agregar algo às vidas das pessoas, não só com arte, mas com ideias”, sustenta.

Rumo aos 100 anos, Tony Tornado mantém os punhos cerrados, mas os olhos atentos às oportunidades. Além dos shows que realiza pontualmente, o cantor e ator mantém-se na televisão; ele está no ar, atualmente, como o Lúcio da novela Êta Mundo Melhor!

“Mas o melhor trabalho ainda está por vir. Para isso, preciso estar vivo. E, quando chegar aos 100, eu jogo mais pra frente! Deixo com vocês uma mensagem de paz e amor: ‘Quando duas mãos se encontram, reflete no chão a sombra da mesma cor’, finaliza.   

Através deste link, acesse a programação completa

*Matéria publicada originalmente na edição impressa do dia 20 de novembro de 2025.