O uso contínuo das redes sociais prejudica a saúde mental das pessoas, principalmente a de jovens e crianças. O uso deliberado de estratégias que causam dependência das telas levou esta semana a Meta, empresa dona do Instagram e Facebook, a ser processada por mais de 40 estados norte-americanos por lucrar com esses métodos viciantes. É neste mesmo espaço insalubre que habita Téo & O Mini Mundo, tirinhas em aquarela sobre autoconhecimento e filosofia que fazem sucesso tratando de temas como o sentido da vida e a angústia das pessoas. Seria esse sucesso uma contradição ou uma consequência deste mesmo problema?
“Minha relação com essas plataformas é de amor e ódio. O Téo & O Mini Mundo não seria conhecido como é, ou o pouco que ele é conhecido, se não fosse por causa do Instagram. Isso é contraditório e ao mesmo tempo não é por falar sobre questões do vazio e da existência no meio onde as pessoas se sentem vazias, onde elas sentem seus vazios”, considera o quadrinista autor da obra, Caetano Cury. Goiano que cresceu no interior de Minas Gerais, ele desembarca pela primeira vez em João Pessoa, amanhã, às 16h, para participar de um drops do Top! Top! - A Convenção Paraibana de Quadrinhos. Na ocasião, ele vai realizar uma tarde de bate-papo e autógrafos na Livraria A União, localizada no Espaço Cultural José Lins do Rego.
Caetano Cury fará também uma leitura comentada de suas tiras e deve explicar a natureza de seu personagem, um menino curioso e questionador que ao lado de uma borboleta mística e um microscópio para ver a vida faz reflexões profundas sobre a existência através de um texto aparentemente simples. “Os quadrinhos significam uma tentativa de estar presente na vida e fazê-la valer a pena”, afirma Cury sobre a série bicampeã do Prêmio Angelo Agostini e cinco vezes indicada ao Troféu HQMix. “Eu busco primeiramente despertar isso em mim, e o que consequentemente respinga nos outros é a importância de estar vivo, a refletir sobre a vida, que na minha opinião é uma só. O que eu mais quero é estar presente nessa vida”.
Na figura pigmentada de uma criança, Téo é a própria interpretação de Deus, que observa as pessoas de cima com o seu microscópio. “Ele não é um deus barbudo, nem vingativo ou amoroso. Ele é uma espécie de deus que vê as pessoas do alto. Sem superpoderes, ele sofre, chora e fica triste com as dores das pessoas aqui embaixo”, explica o quadrinista. Téo & O Mini Mundo nasceu como webcomic, em 2012, e desde então foram três volumes de histórias publicadas. Durante esse processo, Téo foi aos poucos se desapegando do microscópio. Ou melhor, ele foi virando as lentes de aumento para enxergar a sua própria vida. “Ele deixa de observar as pessoas como espectador, passando a prestar mais atenção em si, nas suas dores, nos seus medos e suas angústias”.
Téo veio ao mundo sozinho. Antes do verbo era só ele e o microscópio, mas Cury percebeu que era preciso ter alguém para conversar. Alguém que fosse pequeno o suficiente para caber nas dimensões dos quadrinhos e que definisse a consciência de Téo por contraste. Nascia assim a borboleta Eulália. “É como se ele fosse o coração e ela fosse o cérebro. A razão e a emoção. São dois polos em que um vai girando o outro. E esse caráter reflexivo e cético foi surgindo com as tirinhas ao longo dos desenhos”, explica Cury. Nesse diálogo entre um medroso e uma destemida, a conversa é de um ser só.
Nas tiras, os personagens não têm qualquer referência de vida social. O “mini mundo” não possui uma localização declarada, apesar de a topologia da paisagem rural apontar para montanhas específicas de Minas. No “mini mundo” também não existe uma orientação discriminada de tempo, o que acaba dando um caráter universal às histórias, em que todos os leitores conseguem se apropriar delas. Em suas versões mais recentes, este universo de Téo é contado em aquarela. O uso dessa massa de cores diluída em água que se espalha de forma imprecisa pelos contornos do quadrinho confere à história uma textura que converge para o sentido pretendido do texto.
O motivo principal desse uso para o autor, porém, é muito mais simples. “Gosto de ter o papel original na mão. Antes, eu coloria no digital e era como se a tirinha não existisse. Ela era só virtual. Um dia eu fui numa exposição do Liniers, o quadrinista argentino, e vi os originais em aquarela. Percebi que era aquilo que eu queria fazer e fui atrás de aprender aquarela”. Foi nesse momento que Cury começou a transição de tirar a vida de Téo do photoshop para um formato mais orgânico. Pintar em aquarela também oferece ao quadrinista uma atividade manual terapêutica. “É uma arte-terapia dupla: a forma e o conteúdo”.
É justamente nessa característica terapêutica que está a gênese do sucesso de Téo. As tiras questionadoras também começaram a furar várias bolhas e a viralizar na internet quando elas ofereceram um suporte emocional aos seguidores fragilizados com o resultado da eleição presidencial em 2018. “Embora eu não falasse nominalmente em pessoas ou partidos, eu fazia tirinhas sobre o sentimento delas depois da eleição, sem falar sobre a eleição. Isso acabou tendo uma popularização, mas eu não gosto de falar diretamente sobre questões eleitorais porque tem gente que faz isso bem melhor que eu”. Mas se depender da realidade brasileira e da saúde mental dos usuários de redes sociais, Téo ainda tem um mundo vasto para explorar.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 27 de outubro de 2023.